O rol de serviços do plano de saúde é taxativo ou exemplificativo? | Arquitetos da Saúde
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O rol de serviços do plano de saúde é taxativo ou exemplificativo?

Entenda a disputa judicial cujo resultado pode modificar profundamente os critérios para a definição das coberturas dos planos de saúde

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É comum que beneficiários de planos de saúde não tenham conhecimento do rol de procedimentos permitidos pelo contrato – eles são mais de 3 mil e estão expostos de forma não muito didática no site da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

Algo que deixa a situação ainda mais complexa é fato da ANS adotar as chamadas Diretrizes de Utilização (DUTs). Elas são as regras que indicam as características e as condições de saúde nas quais os ganhos e os resultados clínicos são mais relevantes para os pacientes, segundo os conceitos de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS).

Ou seja: não basta que o procedimento esteja na lista obrigatória de serviços de plano de saúde, o chamado Rol da ANS, é preciso também que as condições estejam favoráveis de acordo com as DUTs.

Este é o cerne da discussão a respeito do rol de procedimentos obrigatórios para os planos de saúde, definido pela ANS e revisado a cada dois anos até hoje, e que a partir de outubro deste ano passará a ser revisado semestralmente.

O Rol da ANS atual, definido pela Resolução Normativa 465, de 24 de fevereiro de 2021, em seu artigo 2º, considera o rol taxativo.

No entanto, no Judiciário o tema se arrasta por anos porque as resoluções da ANS, em particular a que estabelece o rol, são afastadas frente ao Código de Defesa do Consumidor e princípios constitucionais de direito à vida, à saúde e à dignidade humana. E isso acontece mesmo que a definição do rol seja uma atribuição legal da ANS, por força do artigo 10, §4º, da Lei 9.656/98 e artigo 4º da Lei 9.961/2000.

O tema é complexo, bastante polêmico e alvo de disputas judiciais intensas (uma delas, inclusive, ocorre neste momento). Neste artigo vamos discutir o imbróglio, que até os dias atuais ainda não teve um consenso.

Taxativo vs. exemplificativo

Primeiro, vamos entender o que afinal é taxativo e exemplificativo. Embora sejam comumente utilizados no debate sobre a lista de procedimentos da ANS, os termos têm origem jurídica. Dessa forma:

Taxativo
Também chamado de rol exaustivo, estabelece uma lista determinada para determinado regramento, não dando margem a outras interpretações. Vale somente o que está ali inserido, pois está completo.

Exemplificativo
É aquele que estabelece os itens de uma lista, mas com um dispositivo que a deixa em aberto para que exceções sejam inseridas e eventualmente se tornem também a regra. Por isso ela é passível de interpretação, podendo ser concedida além do que ali está previsto.

A origem

Aqui o tema começa a ganhar complexidade. Para entender melhor, vamos voltar a 1998, quando a Lei dos Planos de Saúde (Lei 9656/98) entrou em vigor. Em seu artigo 10, o texto trata das coberturas que devem ser oferecidas pelos planos.

“É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto”

(Atenção às sentenças em negrito, voltaremos a elas em breve.)

Em seguida, são listados nove procedimentos que não devem ser cobertos, tais como tratamentos experimentais ou estéticos (o texto completo da lei pode ser acessado aqui).

Ou seja: a lei prevê o atendimento de pacientes com as doenças classificadas no CID, cadastro internacional de doenças da OMS. Acontece que nem todos os problemas que levam os beneficiários a consultórios, hospitais e cirurgias estão na lista, simplesmente por não serem doenças. Procedimentos estéticos, fisioterapia ou psicoterapia, por exemplo.

Então, no artigo 12, a lei estabelece “exigências mínimas” para este atendimento. Tais como a “cobertura de consultas médicas, em número ilimitado” ou a “cobertura de internações hospitalares (…) admitindo-se a exclusão dos procedimentos obstétricos” entre muitas outras.

Além disso, o parágrafo 4º do artigo 10 diz: “A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, será definida por normas editadas pela ANS.”

Quer dizer, a lei prevê uma cobertura ampla (doenças do CID) mas ao mesmo tempo restritiva de acordo com o tipo de procedimento. Por isso, a lei foi ganhando emendas e medidas provisórias instituindo exceções, além de permitir que a ANS imponha normas sobre a amplitude das coberturas.

Batalha judicial

Quem é a favor da lista exemplificativa se apega ao artigo 10, defendendo a universalização dos atendimentos “com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, (…), com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar”, conforme diz o próprio artigo.

Basicamente, um tratamento quase infinito para as operadoras.

E tem muita gente que defende isso. A 3ª Turma do STJ, inclusive. Em março deste ano, o colegiado manteve a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que condenou uma operadora de plano de saúde a pagar os custos de cirurgia plástica de redução de mamas indicada para uma paciente diagnosticada com hipertrofia mamária bilateral.

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, mencionou precedentes do Supremo Tribunal Federal e entendimentos doutrinários para afirmar que os atos normativos da ANS, além de compatíveis com a legislação específica, devem ter conformidade com a Constituição e o Código de Defesa do Consumidor, e não podem inovar a ordem jurídica.

“Quando o legislador transfere para a ANS a função de definir a amplitude das coberturas assistenciais (artigo 10, parágrafo 4º, da Lei 9.656/1998), não cabe ao órgão regulador, a pretexto de fazê-lo, criar limites à cobertura determinada pela lei, de modo a restringir o direito à saúde assegurado ao consumidor, frustrando, assim, a própria finalidade do contrato”, declarou.

No entanto, a 4ª Turma do STJ, em recente julgamento, manteve entendimento de que o rol não é meramente exemplificativo, contando com a manifestação do próprio Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) no sentido de que a exemplificatividade não traria possibilidade do Plano de Saúde mensurar os custos associados a cobertura para estabelecer a precificação, de modo a oferecer preços acessíveis, mas como também implicaria risco para saúde do beneficiário, pois reduziria os critérios técnicos com avaliação dos procedimentos para que possam ser incluídos no rol.

O que vem por aí?

No caso em questão, a operadora recorreu da decisão da 3ª Turma e o caso será julgado novamente em setembro. O julgamento é considerado importante para o setor porque a decisão abrirá um precedente ao indicar o futuro entendimento da Corte sobre o tema.

A operadora invoca precedente da 4ª Turma, segundo o qual o rol constitui garantia para propiciar direito à saúde, com preços acessíveis, contemplando a camada mais ampla e vulnerável da população. Portanto, não haveria abusividade nessa limitação, concebida pelo legislador para harmonização da relação contratual, segurança, efetividade e impacto econômico.

Mesmo após um consenso do STJ, é difícil que essa guerra acabe. O mercado se movimenta constantemente e novas emendas e medidas provisórias podem surgir para sobrepor às decisões judiciais.

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