Fiquei pensativo em relação a três publicadas na editoria de Defesa do Consumidor de um grande veículo de imprensa que traziam as seguintes manchetes:
1. “Promoção de saúde na mira da ANS: agência está levantando políticas das operadoras para traçar estratégias de incentivo e qualificação”;
2. “Melhor prevenir do que internar: em levantamento feito pela ANS 641 operadoras declaram manter políticas para promover a saúde de seus usuários” e;
3. “Planos de saúde: novos modelos em discussão.”
Num momento em que o setor de saúde suplementar anda bastante inquieto por motivos que incluem desde a pandemia, passando pela crise econômica, pela iminência da divulgação de reajustes dos planos individuais, recrudescimentos dos custos do setor, incluindo ainda fusões e aquisições de operadoras de planos de saúde, IPOs de redes de hospitais, assim com o surgimento de centenas de healthtecs, entre outros, acredito que a simples leitura das manchetes acima possa lhe ter trazido um sentimento de esperança, correto? Afinal, pode ser um alento receber boas notícias num cenário tão imprevisível.
Será chegada a hora em que finalmente passaremos a enfrentar temas de absoluta importância que, de um lado contribuirão para endereçar o necessário redirecionamento da lógica assistencial e, de outro, para ampliar o acesso à saúde suplementar?
Esmiuçando um pouco mais estes importantes e urgentes assuntos, coloco uma lupa em trechos das matérias em questão, de forma a rechear e contextualizar a importância dos mesmos. Especificamente em relação à matéria “Promoção de saúde na mira da ANS, destaco:
· “As empresas já começaram a se mexer. E descobriram que, neste caso, o ditado “prevenir é melhor que remediar, tem um significado extra: melhor qualidade de vida dos usuários e economia para seus cofres.”
Ótima notícia, não? Mais à frente neste mesmo texto, o presidente de uma grande operadora afirma que:
· “Uma carteira mais saudável reduz o custo da saúde suplementar e pode torná-la acessível a um número maior de pessoas, desonerando inclusive o SUS.”
Ainda sobre a ótica da importância da prevenção, tema tão falado e, ao mesmo tempo, tão pouco aplicado, destaco na segunda matéria “Melhor prevenir do que internar” a seguinte afirmação:
· “Há 641 operadoras de saúde no Brasil preocupadas não apenas em tratar as doenças, mas igualmente promover o bem-estar de seus clientes para evitá-las;”
Impressiona o número, não? Mais à frente nesta mesma matéria cito duas outras frases, impactantes e animadoras, de um dos entrevistados:
· “Há alguns anos observamos um processo de restruturação produtiva no setor de saúde suplementar. A adoção de políticas de prevenção é uma dessas vertentes”; e
· “Estamos falando de dois tipos de inteligência que as operadoras devem desenvolver: a primeira é reduzir custos com prevenção. A segunda, que depende de um posicionamento de mercado, é de repassar essa redução de custos ao seu cliente, aumentando a base de possíveis beneficiários.”
Estaríamos finalmente no limiar de novos tempos neste início de uma nova década? Pois bem, para concluir esta imersão, destaco dois trechos da última matéria que tem como manchete: “Planos de saúde: novos modelos em discussão.” São eles:
· “Os altos preços e a pouca segmentação dos planos de saúde têm feito surgir novos modelos de saúde suplementar.”
Em outro trecho:
· O (superintendente-executivo de um instituto de estudos do setor) defende o plano de saúde com franquia, o que diminuiria o valor da mensalidade.”
Feita esta longa introdução, imagino que ficou com a sensação de “agora vai.” Será? Talvez não acreditando, de novo pergunto (sem querer aqui, esgotar as possibilidades), estaríamos finalmente próximos de mudanças estruturantes do ponto de vista da correção da lógica assistencial e da discussão equilibrada, responsável e técnica, sobre novas opções de acesso que incluem corresponsabilidade calibrada no custeio por parte do beneficiário?
#SQN (Só Que Não)!! Explico. Das três matérias acima, duas estão para completar treze anos e a última onze anos. Repito. As duas primeiras são de 2008(!!) e a última de 2010 (!!). Você se frustrou? Ou sentiu “vergonha coletiva” por fazer parte deste setor desde o tempo em que foram escritas as respectivas matérias? Se a resposta foi sim, dou-me por satisfeito, pois consegui criar o contexto correto para que nos tornássemos cúmplices neste sentimento.
Não quero com isto dizer que não possamos estar mais próximos das mudanças que coletivamente empurramos com a barriga, mas assusta e escancara que temos sido extremamente ágeis na criação de discursos, mas paquidérmicos em sua aplicação. Dados e fatos não nos deixam mentir. Afinal:
1. Prevenção ainda é discurso. Do ponto de vista da regulação, ainda que estimulados desde 2004 (!) poucos são os programas de Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças que atendem o que preconiza a ANS, qual seja, conter “um conjunto orientado de estratégias e ações programáticas integradas que objetivam: a promoção da saúde; a prevenção de riscos, agravos e doenças; a compressão da morbidade; a redução dos anos perdidos por incapacidade e o aumento da qualidade de vida dos indivíduos e populações”;
2. Variação de custos em saúde (ou melhor, em doença, continuam embutindo ineficiências e desperdícios). Independentemente das particularidades já conhecidas que impactam na variação de custos do setor, é fato que parte importante desta variação pode ser atribuída às ineficiências e desperdícios perpetuados pela lentidão coletiva dos atores em endereçar, de forma consistente, novos modelos de remuneração e de valor, necessários para destravar a destrutiva lógica assistencial prevalente. Dito isto, vemos as consequências onde, de 2010 a 2020, a variação de custos medidas pelo reajuste máximo para planos individuais foi de 177,34% enquanto o IPCA no mesmo período foi de 84,30%. Preciso dizer mais?
3. Em pouco mais de dez anos o setor cresceu apenas 7%, passando de 44,9mm de beneficiários em dezembro de 2010 para 48,1mm de beneficiários em abril de 2021. Cabe lembrar que, independentemente do importante crescimento recente do setor em tempos de pandemia, ainda estamos quase 5% abaixo do pico de 50,5mm de beneficiários observado há mais de seis anos (dezembro de 2014). Portanto, numa visão mais ampliada, fica alguma dúvida de que vimos destruindo valor neste setor?
4. Passados mais de três anos desde sua suspensão por liminar concedida pelo STF e posterior revogação da resolução normativa que regulamentava a coparticipação e franquia, estes importantes mecanismos financeiros de regulação parecem adormecidos nas gavetas do órgão regulador. Além disto, simplesmente não conseguimos caminhar na discussão a respeito de novas segmentações assistenciais que contribuiriam para ampliar o acesso à saúde suplementar;
Pois bem, o texto em questão tangibiliza, a partir de poucos exemplos, nossa vergonhosa inércia coletiva. Foi este sentimento que tive ao ler as matérias citadas neste artigo. E aí, pergunto, o que nos leva a crer que será diferente daqui para frente?
Se eu pudesse deixar um único palpite (ou melhor, convocação) para ir além da reflexão aqui provocada, diria: grandes contratantes de planos de saúde, assumam o protagonismo na gestão dos recursos e da saúde de seus colaboradores e dependentes. Não se iludam: a frequente ausência de vocês tem sido uma importante válvula de escape para nossa inércia coletiva. Afinal, se quem paga pouco age, por que priorizar mudanças que sabemos que precisam ser feitas?
Observação (1): você deve estar se perguntando o que eu tinha na cabeça ao cavar estas matérias. Ao limpar algumas pastas com diversas matérias antigas (mas atuais, não?) sobre a saúde suplementar me deparei com os textos em questão;
Observação (2): todos os nomes foram propositadamente omitidos para não entregar o que revelo na parte final do texto;
Observação (3): sem que eu tenha lhe dito, Martha Oliveira, gerente da ANS à época, estimulou-me a escrever este texto, por sua simples, mas precisa resposta, por WhatsApp quando compartilhei uma das matérias onde ela foi entrevistada. Disse-me Martha: “Impressionante a velocidade do setor, né”?