O caso UHG: mais um exemplo de má comunicação com beneficiários e mercado | Arquitetos da Saúde
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O caso UHG: mais um exemplo de má comunicação com beneficiários e mercado

Ruídos envolvendo uma possível mudança de rumo da UHG escancaram, mais uma vez, como as empresas do setor de saúde se comunicam mal com a sociedade

UHG: mais um exemplo de comunicação inadequadaUHG: mais um exemplo de comunicação inadequada

Adriano Londres

O setor de saúde suplementar historicamente peca na sua comunicação com a sociedade, gerando danos de imagem coletivos que poderiam ser minimizados.  Em duas ocasiões recentes abordei este tema.

Em novembro de 2018, publiquei o artigo Comunicação da dinâmica de custos em saúde: um desserviço ao consumidor, onde criticava “a forma como o setor de saúde suplementar historicamente se comunica mal com a sociedade na medida em que continuamos a desconsiderar a ausência de conhecimento dos cidadãos e da mídia a respeito de temas complexos e técnicos, como é o caso da dinâmica de reajuste de planos individuais.”

Já em maio de 2019 foi a vez de publicar o artigo O setor de saúde suplementar se comunica muito mal com os consumidores, onde destaquei: “tenho escrito de forma recorrente a respeito dos danos causados pela truncada comunicação entre os atores da cadeia de saúde suplementar toda vez que ela respinga no consumidor. O fato é que temos agido de forma pouco cuidadosa em diversas frentes. Em algumas horas tratamos de temas complexos de maneira simples e pouco pedagógica, confundindo e deixando mais dúvidas do que respostas.”

É chegado o momento de abordar este mesmo tema a partir dos recentes acontecimentos envolvendo a United Health Group (UHG). Claramente, a questão da comunicação aos beneficiários e ao mercado não foi conduzida com clareza como demonstram a linha do tempo nos exemplos abaixo:

  1. Ao longo do ano passado, a Amil fez expressivas mudanças em sua rede credenciada, com alteração e descredenciamento de alguns hospitais e, principalmente, da sua rede laboratorial. Essas alterações não ficaram restritas à carteira de planos de saúde individuais, que hoje se encontra no olho do furacão. Cabe destacar ainda que o processo de comunicação de alteração da rede laboratorial (e de outros tantos serviços), no mercado como um todo, é falho, não estando inclusive no radar da ANS, que monitora exclusivamente as alterações na rede de hospitais;
  2. Em 9 de dezembro último, o site da Nova Exame publicou matéria informando que “a UnitedHealth, dona da operadora de saúde Amil, fechou acordo com a empresa de reestruturação financeira Fiord Capital para se desfazer de sua carteira de clientes com contratos individuais.” Como parte desta operação foi divulgado o pagamento de R$ 3 bilhões à Fiord Capital, que se juntaria à Assistência Personalizada à Saúde (APS), pequena e desconhecida operadora do grupo UHG;
  3. Segundo o colunista Lauro Jardim, d’O Globo, o referido fundo, sem sede própria, teria sido criado três semanas antes de se juntar à APS. Ato contínuo, começou a ser questionada a capacidade de gestão na área de saúde pelo seu único sócio, Nikola Lukic. Fatos e alto teor simbólico que passaram a gerar grande apreensão do mercado. De forma reativa e tardia, o referido fundo passou então a informar que teria entre seus quadros de sócios executivos com experiência no setor de saúde. Por que essa importante informação não foi antecipada ao mercado?
  4. Conforme noticiou o site do jornal O Globo em 22 de dezembro, “a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) divulgou a autorização da transferência parcial da carteira da Amil, de acordo com a Resolução Normativa nº 112/2005.” A matéria destaca ainda que “em comunicado publicado no site da Amil, o UnitedHealth Group Brasil informa a autorização e destaca que ambas as empresas, Amil e APS, pertencem ao grupo”, o que também é ressaltado pela ANS. O texto afirma ainda que nada muda para os beneficiários, que continuam sendo atendidos pela mesma rede credenciada;
  5. Àquela altura não foi divulgada a intenção de que a Fiord Capital ingressasse no quadro societário, do qual tanto a Amil sairia, deixando os beneficiários integralmente sob a gestão da Fiord Capital. Portanto, o efeito minimamente “tranquilizador” de que a carteira de planos individuais permaneceria no grupo Amil, se demonstrou não ser verdadeiro, acirrando ainda mais as inseguranças e questionamentos;
  6. Em 19 de janeiro último, o mesmo site informa que “a empresa (UHG) busca um comprador para a operadora de planos Amil, que tem uma carteira de 5,7 milhões de usuários, 15 hospitais e 53 centros ambulatoriais. No dia seguinte, o jornal O Globo comunica que “Dez anos depois de comprar a Amil com a promessa de acelerar o crescimento da empresa e reforçar o perfil inovador de atuação, a UnitedHealth está pronta para deixar o país. A empresa americana decidiu colocar à venda suas operações, que incluem, além da carteira de planos de saúde, o Américas Serviços Médicos.” Porque a UHG inicialmente se silenciou diante das informações nesta e em tantas outras matérias a respeito de algo que, tempos depois, passou a ser negado?
  7. Desde a migração da carteira da Amil para a APS, surgiram inúmeros depoimentos de beneficiários que vinham enfrentando dificuldades de atendimento a partir de alteração das redes credenciadas. Embora tivesse sido destacado em seu site que “nada mudaria para os beneficiários, que continuam sendo atendidos pela mesma rede credenciada”, faltou transparência ao não informar que a referida rede, ainda que a mesma da Amil, tinha sofrido grandes reduções de credenciados, especialmente na parte laboratorial, anteriormente à referida operação. Novo desgaste para a UHG e crescente insegurança para os beneficiários da Amil como um todo;
  8. Em 8 de fevereiro último, o site do Valor Econômico noticiou que “a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) interrompeu o processo de mudança societária da carteira de planos de saúde individual da Amil para o grupo de investidores formado por Fiord Capital, Seferin & Coelho e HVK. O processo fica paralisado até que toda a documentação seja enviada para análise da agência reguladora.” Mediante todo o histórico de fatos acima citados e a ausência de documentação necessária, entendo como acertada a medida da ANS àquela altura;
  9. Apenas em 12 de fevereiro, e de forma reativa e muito tardia, a UHG parece ter iniciado um processo de correção de sua comunicação ao mercado. Foi quando o site da Nova Exame publicou matéria com o sugestivo título “Os pingos nos ‘is’: Dono da Amil, UHG não quer sair do Brasil.” E vai além, ao informar que o “ao contrário do que tem sido recorrentemente repetido, o United Health Group (UHG), o maior grupo de saúde do mundo, avaliado em US$ 460 bilhões na Nyse e dono da Amil, não quer sair do Brasil. E suas operações de hospitais e planos de saúde verticalizados não estão à venda.” Em tempo: o título da matéria é extremamente adequado pois destaca exatamente o que estava faltando a UHG: “colocar os pingos nos is”. A pergunta que fica é: poque a UHG demorou tanto tempo para se posicionar, inclusive corrigindo informações que foram rotineiramente divulgadas sobre a sua saída do país?
  10. Passados dois dias, a UHG divulgou internamente um comunicado que chamou de “esclarecimento aos colaboradores” onde afirma que “ao contrário do que tem sido dito, nossas operações de planos de saúde e hospitais verticalizados também não estão à venda. O que de fato está ocorrendo é que, após a transferência de nossa carteira de planos individuais para a Assistência Personalizada à Saúde (APS), submetemos a Agência Nacional de Saúde (ANS) uma única operação de compra e venda – a da APS – cuja avaliação deve ser nos próximos dias, dada a relevância e o interesse público nessa operação.” Este comunicado, ainda que necessário, confirma que as falhas de comunicação ocorriam de todos os lados, inclusive junto aos próprios colaboradores;
  11. No dia seguinte, a UHG compartilhou com corretores e principais parceiros um comunicado nesta mesma linha onde, entre outros tantos pontos, afirma que “ao contrário do que se tem dito, nossas operações de planos de saúde e hospitais verticalizados também não estão à venda.” Novamente a pergunta: por que tanta demora para comunicar esta informação de altíssima relevância?

A decisão da UHG em se desfazer da carteira de planos individuais e, eventualmente, de mudar a sua forma de atuação no país, é legitima e deve ser respeitada. Trata-se de um assunto de grande complexidade e causalidade multivariada. E seria absolutamente esperado que movimentos dessa magnitude necessariamente gerariam grande repercussão e apreensão.

Mas formas deturpam fatos, e a maneira como o assunto foi comunicado gerou enormes preocupações para beneficiários e desgastes para a imagem da empresa, que certamente poderiam ter sido minimizados, ainda que possivelmente não evitados.

Não posso deixar de relembrar minha saudosa avó Stella, cliente individual do plano Hospitaú até falecer em 2003. Em momento algum, precisou se angustiar com temas relacionados aos destinos de sua operadora (pertencentes a um banco e não a uma empresa de saúde), bem como das garantias de sua cobertura médica contratual, nas décadas que se seguiram à interrupção da comercialização dos planos individuais da referida operadora.

Quero crer que a UHG tenha compreendido, como parece começar a sinalizar nos últimos dias, a importância de se comunicar de forma transparente e proativa com seus beneficiários e com o mercado. Assim como ocorreu com minha avó Stella, seus leais clientes merecem.

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