Em saúde entrega valor quem consegue apresentar bons resultados, mensurados por desfechos clínicos. Para o físico, pesquisador, palestrante e escritor Clemente Nobrega, o valor está na entrega do melhor desfecho pelo menor custo, e é isso o que quer a empresa contratante de planos de saúde. Para ela, o valor deve vir de operadoras que se comprometam com o paciente durante todo o ciclo de atendimento. A questão é que hoje não temos um sistema integrado a ponto de tornar possível a responsabilidade pelo cuidado total. E nem transparente, pois os desfechos clínicos importantes para os pacientes são desconhecidos. Ninguém publica dados, é tudo segredo. Clemente Nóbrega introduziu o conceito e prática de Gestão pela Qualidade na Amil, onde atuou por 14 anos.
Muito tem se discutido sobre Cuidados de Saúde Baseados em Valor sob a ótica do paciente, mas o que pensam as empresas contratantes?
Clemente Nobrega: A questão do valor na saúde só tem sentido quando se adota a perspectiva de competição para conquistar o usuário, como ocorre em qualquer outro setor. Valor é sempre definido por quem paga. A empresa paga planos de saúde para que estes cuidem da saúde dos seus funcionários. As operadoras recebem e têm que demonstrar que geram valor para as empresas. A empresa, que paga a conta, é uma representante do usuário que muitas vezes paga uma fração do seu bolso também. Quando ela diz à operadora que quer contratar o serviço para seus funcionários, mas quer saber o valor a ser entregue, não está perguntando quais são os hospitais, clínicas e tecnologias, nem se referindo a protocolos, ou acreditações que um prestador possa ter. Ela quer conhecer os desfechos clínicos associados aos cuidados prestados e os custos em que incorrerá para obtê-los. Em outras palavras, o que efetivamente você, operadora, “vai fazer pela saúde do meu funcionário e a que custo para mim? Você tem condição de me apresentar quais prestadores entregam os melhores resultados (desfechos) para cada condição médica de meus funcionários?” A resposta, invariavelmente, é: “não, não tenho!”. A operadora não gerencia resultados, só se interessa por saber qual o hospital que tem fama de bom, quem oferece a tecnologia que todo mundo fala e quem oferece o custo mais baixo. Mas não sabe nada do desfecho para o paciente.
Para cada condição médica, usuários com perfis de risco diferentes apresentarão desfechos diferentes. Os resultados devem ser ajustados pelo risco e divulgados. O valor para a empresa deve vir de operadoras que tenham redes que cuidem do paciente durante todo o ciclo do serviço que é prestado. Se alguém faz uma cirurgia de coluna, por exemplo, a responsabilidade do prestador deve incluir até a fisioterapia pós-cirurgia, pois o desfecho para o paciente inclui esta etapa. Então não estamos falando e um prestador, mas de um time que inclui várias especialidades: o ortopedista, o radiologista, o cirurgião, o anestesista, o fisioterapeuta. Deve incluir até mesmo o fabricante da prótese utilizada. Por quê? Porque ela afeta o desfecho para o usuário.
O valor está no oferecimento do melhor desfecho pelo menor custo para quem paga. É isso o que a empresa contratante quer, mas a questão é que hoje não temos um sistema transparente. Ninguém publica dados, não tem regulação que obrigue isso. É tudo segredo. Caixa preta.
Como resolver isso?
Clemente Nobrega: Tornando mandatório que todo prestador meça e divulgue os desfechos que os pacientes experimentam, que devem ser auditados e certificados por uma terceira parte independente. O cuidado tem que ser coordenado no seu ciclo completo e ser remunerado em função do desfecho que o paciente experimenta. A pessoa não pode ir embora do hospital precisando de fonoaudiologia (no caso de um AVC, por exemplo), ou fisioterapia (no caso da cirurgia de coluna), e o hospital e ou o cirurgião não terem mais nada com isso. O prestador tem que ser remunerado de acordo com o estado que o paciente fica em termos de sua qualidade de vida, não em termos do que ele, prestador, fez. Aí sim a empresa contratante vai ter a informação relevante para decidir. Se o prestador (o time) está cobrando caro, mas tem os melhores desfechos, então pode valer a pena tê-lo na rede. Depende da disponibilidade de outras alternativas. Depende da competição existente pelo cliente. Desfechos direcionam escolhas. Não saber o desfecho impede a geração de valor na saúde porque impede a escolha informada. Em saúde não se pode fazer test drive, por isso defendemos instituições certificadoras para atestar a prestação do serviço, mas, sempre lembrando, fazer isto é atestar desfechos que são importantes para o paciente: não conformidade com protocolos, resultados de exames, ou coisas assim.
A mesma coisa que a empresa contratante deve fazer com a operadora, esta deve fazer com o prestador. Se um hospital fez mil operações de coluna, por exemplo, como ficaram os pacientes? Se não medir, não tem como saber dos resultados. O hospital tem que começar a medir os seus desfechos. E a operadora tem que saber deles (auditados/certificados). Se não são bons vis a vis os custos associados a eles, troca por outros que sejam. É assim que o mundo da competição funciona.
Qual o agente que tem mais condições de liderar a mudança necessária rumo ao Valor em Saúde?
São as empresas contratantes porque são elas que pagam a conta: contratam a operadora, que por sua vez paga a rede e esta paga os fornecedores e funcionários para prestar o serviço assistencial. As empresas contratantes já começam a se questionar: Por que eu preciso de um plano de saúde? Por que não pago direto aos hospitais se a operadora não faz nada por mim? O poder de barganha das empresas é muito grande. Já existem iniciativas deste tipo, empresas que buscam parcerias com empreendedores que façam o controle do uso do plano de saúde que a empresa paga para a operadora versus o que a operadora está entregando. Ou seja, de novo, desfechos vis a vis custos. As empresas têm o poder de obrigar o prestador a apresentar o desfecho. São poucas ainda as que fazem gestão da saúde dos seus funcionários. E aqui estamos falando de um processo de gestão que só pode ser executado a partir da medição de desfechos clínicos e dos custos incorridos para que se obtenham esses desfechos. Se as empresas (seus RHs ou gestores de benefícios) tivessem essa informação, funcionário a funcionário, teriam um ferramental poderoso, um enorme poder de barganha diante da operadora. Hoje nada acontece. Os RHs são medrosos, têm medo de fazer diferente. Quando o aumento anual chega, eles mudam de operadora via corretores que se especializam em intermediar essas mudanças só por causa dos agenciamentos que recebem. E no fim ninguém mede o desfecho para o usuário. As empresas precisam ser menos passivas e saber que os resultados de gestão deste tipo chegam no médio prazo (dois a três anos), não são imediatos. Não adianta não querer saber de desfecho e só trocar o plano.
Há sinais de que as empresas estão se reposicionando em direção ao Valor em Saúde? Qual o estágio atual das discussões?
Clemente Nobrega: Muito debate e blábláblá, mas, para ser justo, existem sim alguns núcleos vanguardistas entre os prestadores que estão medindo desfechos (para aprender, não para buscar remuneração por valor por enquanto). A Anahp está patrocinando um programa de desfechos que tem esse espírito e que deve ser apoiado, mas sinto falta de outros players: onde estão as empesas contratantes? Onde estão as operadoras? O que às vezes chamam de remuneração por valor são arranjos financeiros entre operadoras e prestadores, alguns úteis para disciplinar o sistema, mas sem aferição de desfechos não se pode falar em valor.
Existem indicadores eficientes de desfecho?
Clemente Nobrega: Existem padrões de desfecho sim. Em 2012 foi criado o consórcio internacional ichom.org para definir padrões de desfechos a serem medidos por prestadores que querem embarcar na questão da entrega por valor. São cerca de 30 standard sets gratuitos, construídos por especialistas no mundo inteiro para servirem de padrão em aferições de desfechos. Alguns dos hospitais brasileiros vanguardistas a que me referi, fazem parte desse esforço. Eu mesmo, junto com um grupo de pesquisadores da UERJ, também desenvolvi um modelo para captura, processamento e análise de desfechos clínicos chamado MCPAD (Modelo para Captura, Processamento e Análise de Desfechos Clínicos) que poderá ser utilizado para que certificadoras independentes auditem desfechos reportados por prestadores.
Existem ações pontuais e simples que podem ser feitas para melhorar a percepção de valor na prestação de serviço em saúde?
Clemente Nobrega: Sim. Há projetos pilotos em operadoras e prestadores, mas as empresas contratantes poderiam ser mais protagonistas. O RH é quem sabe o perfil do uso dos planos de saúde dos funcionários. Pode exigir, por exemplo, que a operadora apresente relatórios de desfechos auditados/certificados de seus funcionários. Quem apresentar o melhor desfecho e custo vai possibilitar que todos aprendam. Iniciativas pontuais para algumas condições que tratem o paciente de forma completa. Pode ser feito. Basta que as empresas queiram.