Transparência de preços na saúde suplementar: chegou a vez dos corretores | Arquitetos da Saúde
Reflexões para Ontem

Transparência de preços na saúde suplementar: chegou a vez dos corretores

O sistema de saúde suplementar é recheado de conflitos de interesses econômicos nas suas diversas interfaces. A cadeia inteira é remunerada por volume de serviços pautada pelo que é melhor para os seus negócios e não necessariamente o que é melhor para o paciente, o contratante e o sistema como um todo. Este talvez seja um dos principais motivos pelo qual, ano após ano, fracassamos no desafio de tornar o sistema mais eficiente.

Não bastasse isto, em determinados elos o quadro se torna ainda pior.  Sim, refiro-me aos casos em que, além de conflitada, a remuneração é frequentemente desconhecida por parte de quem efetivamente paga. É isto que acontece com parcela substancial dos corretores de planos de saúde. Naturalmente que existem exceções na medida em que alguns tornam claros os seus ganhos ou são remunerados por valores fixos.

A boa notícia é que temos mudanças importantes no horizonte, tendo em vista a resolução 382 da Superintendência de Seguros Privados (Susep), em vigor a partir de julho de 2020. Segundo o blog Sonho Seguro, especializado no segmento de seguros, “a norma estabelece princípios a serem observados pelas seguradoras e intermediários no que se refere ao relacionamento com o cliente. Apesar de corretoras de seguros e corretoras de títulos mobiliários terem muitas diferenças regulatórias, de responsabilidade e de atuação, o tema é o mesmo: a transparência com o cliente, que precisa saber o quanto paga pela consultoria prestada, segundo estabelecem os reguladores locais e mundiais.”

Trazendo este tema para o contexto da saúde suplementar, é claro o comprometimento da avaliação de valor na prestação de serviços por parte de corretores de planos de saúde nos casos em que o denominador da equação (custo) não é conhecido. Isto sem falar no numerador (qualidade) desta mesma equação, onde quase nunca são estabelecidos, por exemplo, acordos de nível de serviço que permitam a mensuração da qualidade na entrega de serviços. Olhando este mesmo contexto por uma outra perspectiva, podemos afirmar que se trata do único elo da cadeia de saúde cuja remuneração é frequentemente desconhecida.

Impressionante constatar ainda o imenso corporativismo que teima em vencer o cliente final, aquele que contrata um seguro e tem o direito de saber quanto paga ao intermediário.

Vejamos alguns exemplos.

De um lado, um alto membro da diretoria da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor), solicitou a suspensão do início da vigência da nova resolução que trata deste tema. Em live da qual participou recentemente, afirmou que foram protocolados “ofícios solicitando formalmente que essa resolução não entre em vigor durante a vigência da pandemia.” Curioso constatar o argumento utilizado, como se uma pandemia fosse justificativa plausível para perpetuar a ausência de transparência quanto à remuneração de corretores. Tenho dificuldades em enxergar qualquer relação entre os fatos. Afinal, bastaria adicionar uma única linha aos já extensos contratos firmados entre operadoras e contratantes de planos de saúde, registrando a remuneração do corretor. Simples assim.

Nesta mesma linha o Instituto de Defesa dos Corretores de Seguros (Idecorr) emitiu comunicado em março último informando “a todos os profissionais da corretagem de seguros que, diferentemente do que foi publicado por um site de notícias e reverberado em outros veículos da imprensa escrita e digital, a Resolução CNSP 382/2020 não determina a divulgação do comissionamento dos corretores de seguros nas apólices.”

Mas como assim? A resolução é muito clara quanto a esta questão e, independentemente disto, nem deveríamos ter que recorrer a uma resolução para pautar condutas de transparência na relação com o cliente. Pensando bem, fica subentendido que muitos devem temer a luz que a transparência forçada trará a partir desta resolução. De outro lado, muitos farão jus à remuneração que recebem tendo em vista a contrapartida em bons serviços prestados.

Segundo o diretor de Supervisão de Conduta da Susep, Rafael Scherre, “a resolução tem o princípio de trazer um tratamento adequado ao cliente. Ela se baseia em princípios internacionais como o conceito suitability, já implementado nos bancos em relação a investimentos, bem como institucionalizar o ambiente de governança e princípios de transparência que estão explícitos nas regras exigidas pelos normativas da defesa do consumidor.”

Entre as medidas previstas na resolução, a partir de um período inicial educacional, estão previstas penalidades de R$ 10 mil a R$ 500 mil para aqueles que descumprirem os parâmetros estabelecidos. Ainda que não seja válido de início, a previsão de penalidades no momento seguinte me parece adequada na medida que a sua ausência poderia trazer baixa adesão ao que está determinado.

Na defesa do consumidor e na direção da busca por mais eficiência para o sistema suplementar, dar transparência a quanto se paga por um serviço de corretagem vem em boa hora. Ainda mais em tempos de pandemia onde verdades necessárias estão sendo impostas para o bem de todos.

A meu ver se destacarão aquelas operadoras de planos de saúde que aderirem de largada, em seu período educacional, ao que determina esta resolução, demonstrando estarem de fato comprometidas com a transparência e, consequentemente, a eficiência do sistema. Nos novos tempos onde cada vez mais cuidar da reputação se apresenta como fundamental para a perenidade dos negócios, iremos claramente enxergar a diferença entre aqueles que discursam e aqueles que colocam em prática o discurso.

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