Uma trégua para operadoras e prestadores | Arquitetos da Saúde
Reflexões para Ontem

Uma trégua para operadoras e prestadores

Aparentemente passou despercebida a notícia de extrema relevância que trata do arquivamento do Inquérito Civil n° 1.19.000.001678/2014-96 pelo Ministério Público Federal do Maranhão. Segundo o referido ofício, “trata-se de inquérito civil que apura suposto abuso na fixação dos preços de medicamentos e materiais hospitalares cobrados por parte dos hospitais credenciados em face dos planos de saúde, no Estado do Maranhão.” A alegação é de que o uso de tabelas de referências para precificar medicamentos (Brasíndice) e materiais (Simpro), na relação comercial com as operadoras, tem trazido prejuízo aos beneficiários de planos de saúde.

Antes de destacar a importância desta decisão cabe contextualizar um pouco o tema. Pelo que se tem notícia, o inquérito em questão teve início a partir do encaminhamento pela operadora Unihosp ao Ministério Público do Maranhão, com cópia de correspondências trocadas com as empresas responsáveis pela publicação das tabelas Simpro e Brasíndice, utilizadas pelos hospitais com referência na época para a cobrança de materiais e medicamentos, respectivamente.

Pois bem, entre questionamentos e esclarecimentos envolvendo operadoras com atuação local, representantes de entidades de classe de prestadores de serviços médicos hospitalares, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o assunto em questão durou mais de quatro anos.

Segundo o ofício, consta que “no mês de novembro de 2018 foi dado início ao procedimento administrativo n°. 1.19.000.002401/2018-12, instaurado com vistas ao acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos pela ANS e Cmed no âmbito da  Câmara Técnica de Contratualização e Relacionamento com Prestadores (Catec), no que toca à fiscalização e regulamentação dos preços de medicamentos e materiais hospitalares pactuados entre estabelecimentos de prestação de serviços à saúde e operadoras de planos de assistência à saúde.”

Com efeito, as providências adotadas pelo MPF serviram para que o Poder Público, por intermédio das agências reguladoras competentes, tomasse conhecimento de potencial e grave lesão à ordem econômica e aos direitos dos consumidores perpetrada por hospitais e clínicas não apenas no Estado do Maranhão, mas em todo o país, fazendo com que a administração pública pusesse em marcha processos regulatórios visando colher subsídios sobre os fatos, discutir as soluções e avaliar a necessidade de revisão e/ou aprimoramento da regulação do setor.

Á título de informação, segundo site da ANS a Catec “tem a finalidade de colher subsídios para avaliação da necessidade de revisão e/ou aprimoramento da regulação setorial acerca da contratualização entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os prestadores de serviços.” Entre os diversos temas objeto de discussão previstos na Portaria número 8 que instituiu a Catec em outubro de 2018, está exatamente a utilização de tabelas de referência na remuneração de serviços médico hospitalares por parte de operadoras de planos de saúde.

Apenas para que não esqueçamos, interferências externas ao setor têm sido frequentes e preocupantes, mas, a meu ver, são em parte resultantes da falta de confiança e diálogo entre os atores da cadeia de saúde suplementar. A título de ilustração de exemplos recentes, citamos a tentativa da Justiça Federal em São Paulo de interferir no reajuste do plano individual, bem como a revogação da RN 433 por parte do STF. É sempre assim: quando as partes não se entendem, vem a “mão grande” de fora e deixa a situação ainda pior.

Portanto, esta decisão é extremamente importante porque devolve corretamente o protagonismo da matéria à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que, com atuação técnica, ponderada e conciliadora, apaziguou os ânimos sobre o assunto, abrindo espaço para o encaminhamento de uma solução harmônica sobre o tema.

É cedo para comemorar qualquer coisa. O que se obteve foi uma trégua sobre o assunto que, com certeza, terá seus desdobramentos acompanhados de perto. Assim sendo, é absolutamente fundamental que a partir da Catec, os entes da cadeia de saúde suplementar busquem uma solução que seja mais adequada do ponto de vista da lógica de precificação. É absolutamente essencial que este e outros tantos temas polêmicos, mal compreendidos e mesmo questionáveis, façam parte de uma agenda positiva do setor que, pasmem, jamais existiu. Caso isto não ocorra, naturalmente o assunto em questão voltará às mãos do Ministério Público Federal e outros tantos continuarão a sofrer interferências.

Por fim e independentemente do encaminhamento técnico que espero que venha a ser dado ao assunto, gostaria de fazer algumas considerações. Em primeiro lugar, sou absolutamente favorável à livre negociação, sem qualquer interferência externa na relação comercial entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços médico hospitalares. Em segundo lugar, não se pode demonizar tabelas de referências pactuadas entre as partes. Ou seja, se as partes entenderem que os referenciais de negociação envolvem listas de terceiros, que assim o seja.  Em terceiro lugar, independentemente de outros modelos de remuneração, não parece fazer sentido achar que os serviços devem ser vendidos sem qualquer margem em insumos que fazem parte da prestação de serviços. Se assim o fosse, os restaurantes, por exemplo, estariam todos fechados, pois seriam obrigados a vender alimentos e bebidas a preço de custo. Assim como no caso de hospitais, não o fazem exatamente porque não são vendedores de produtos, mas sim fornecedores de serviços.

Que isto não seja a alegação para se manter as coisas como estão. Afinal, para ser justo com a analogia feita, há efeitos colaterais do modelo de remuneração por volume no caso da saúde. Margens altamente positivas em insumos para neutralizar margens altamente deficitárias em serviços (diárias e taxas), têm o efeito nefasto de muitas vezes gerar abusos na indicação e utilização dos mesmos.  E este incentivo é potencialmente lesivo ao paciente. O desafio aqui é transformar este venenoso modelo de remuneração em um remédio.  A diferença está na dose e, do ponto de vista técnico, é simples. A parte difícil de fato é superar a falta de confiança mútua para corrigir as distorções e recalibrar a alocação de margens.

Pois bem, que operadoras e prestadores de serviços corram contra o prejuízo nesta janela de oportunidade criada a partir da atuação da ANS e da compreensão do MPF. Mas que não se esqueçam, paciência tem limite.

Aparentemente passou despercebida a notícia de extrema relevância que trata do arquivamento do Inquérito Civil n° 1.19.000.001678/2014-96 pelo Ministério Público Federal do Maranhão. Segundo o referido ofício, “trata-se de inquérito civil que apura suposto abuso na fixação dos preços de medicamentos e materiais hospitalares cobrados por parte dos hospitais credenciados em face dos planos de saúde, no Estado do Maranhão.” A alegação é de que o uso de tabelas de referências para precificar medicamentos (Brasíndice) e materiais (Simpro), na relação comercial com as operadoras, tem trazido prejuízo aos beneficiários de planos de saúde.

Antes de destacar a importância desta decisão cabe contextualizar um pouco o tema. Pelo que se tem notícia, o inquérito em questão teve início a partir do encaminhamento pela operadora Unihosp ao Ministério Público do Maranhão, com cópia de correspondências trocadas com as empresas responsáveis pela publicação das tabelas Simpro e Brasíndice, utilizadas pelos hospitais com referência na época para a cobrança de materiais e medicamentos, respectivamente.

Pois bem, entre questionamentos e esclarecimentos envolvendo operadoras com atuação local, representantes de entidades de classe de prestadores de serviços médicos hospitalares, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o assunto em questão durou mais de quatro anos.

Segundo o ofício, consta que “no mês de novembro de 2018 foi dado início ao procedimento administrativo n°. 1.19.000.002401/2018-12, instaurado com vistas ao acompanhamento dos trabalhos desenvolvidos pela ANS e Cmed no âmbito da  Câmara Técnica de Contratualização e Relacionamento com Prestadores (Catec), no que toca à fiscalização e regulamentação dos preços de medicamentos e materiais hospitalares pactuados entre estabelecimentos de prestação de serviços à saúde e operadoras de planos de assistência à saúde.”

Com efeito, as providências adotadas pelo MPF serviram para que o Poder Público, por intermédio das agências reguladoras competentes, tomasse conhecimento de potencial e grave lesão à ordem econômica e aos direitos dos consumidores perpetrada por hospitais e clínicas não apenas no Estado do Maranhão, mas em todo o país, fazendo com que a administração pública pusesse em marcha processos regulatórios visando colher subsídios sobre os fatos, discutir as soluções e avaliar a necessidade de revisão e/ou aprimoramento da regulação do setor.

Á título de informação, segundo site da ANS a Catec “tem a finalidade de colher subsídios para avaliação da necessidade de revisão e/ou aprimoramento da regulação setorial acerca da contratualização entre as operadoras de planos de assistência à saúde e os prestadores de serviços.” Entre os diversos temas objeto de discussão previstos na Portaria número 8 que instituiu a Catec em outubro de 2018, está exatamente a utilização de tabelas de referência na remuneração de serviços médico hospitalares por parte de operadoras de planos de saúde.

Apenas para que não esqueçamos, interferências externas ao setor têm sido frequentes e preocupantes, mas, a meu ver, são em parte resultantes da falta de confiança e diálogo entre os atores da cadeia de saúde suplementar. A título de ilustração de exemplos recentes, citamos a tentativa da Justiça Federal em São Paulo de interferir no reajuste do plano individual, bem como a revogação da RN 433 por parte do STF. É sempre assim: quando as partes não se entendem, vem a “mão grande” de fora e deixa a situação ainda pior.

Portanto, esta decisão é extremamente importante porque devolve corretamente o protagonismo da matéria à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) que, com atuação técnica, ponderada e conciliadora, apaziguou os ânimos sobre o assunto, abrindo espaço para o encaminhamento de uma solução harmônica sobre o tema.

É cedo para comemorar qualquer coisa. O que se obteve foi uma trégua sobre o assunto que, com certeza, terá seus desdobramentos acompanhados de perto. Assim sendo, é absolutamente fundamental que a partir da Catec, os entes da cadeia de saúde suplementar busquem uma solução que seja mais adequada do ponto de vista da lógica de precificação. É absolutamente essencial que este e outros tantos temas polêmicos, mal compreendidos e mesmo questionáveis, façam parte de uma agenda positiva do setor que, pasmem, jamais existiu. Caso isto não ocorra, naturalmente o assunto em questão voltará às mãos do Ministério Público Federal e outros tantos continuarão a sofrer interferências.

Por fim e independentemente do encaminhamento técnico que espero que venha a ser dado ao assunto, gostaria de fazer algumas considerações. Em primeiro lugar, sou absolutamente favorável à livre negociação, sem qualquer interferência externa na relação comercial entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços médico hospitalares. Em segundo lugar, não se pode demonizar tabelas de referências pactuadas entre as partes. Ou seja, se as partes entenderem que os referenciais de negociação envolvem listas de terceiros, que assim o seja.  Em terceiro lugar, independentemente de outros modelos de remuneração, não parece fazer sentido achar que os serviços devem ser vendidos sem qualquer margem em insumos que fazem parte da prestação de serviços. Se assim o fosse, os restaurantes, por exemplo, estariam todos fechados, pois seriam obrigados a vender alimentos e bebidas a preço de custo. Assim como no caso de hospitais, não o fazem exatamente porque não são vendedores de produtos, mas sim fornecedores de serviços.

Que isto não seja a alegação para se manter as coisas como estão. Afinal, para ser justo com a analogia feita, há efeitos colaterais do modelo de remuneração por volume no caso da saúde. Margens altamente positivas em insumos para neutralizar margens altamente deficitárias em serviços (diárias e taxas), têm o efeito nefasto de muitas vezes gerar abusos na indicação e utilização dos mesmos.  E este incentivo é potencialmente lesivo ao paciente. O desafio aqui é transformar este venenoso modelo de remuneração em um remédio.  A diferença está na dose e, do ponto de vista técnico, é simples. A parte difícil de fato é superar a falta de confiança mútua para corrigir as distorções e recalibrar a alocação de margens.

Pois bem, que operadoras e prestadores de serviços corram contra o prejuízo nesta janela de oportunidade criada a partir da atuação da ANS e da compreensão do MPF. Mas que não se esqueçam, paciência tem limite.

Adriano Londres