Assim que recebi o convite do Instituto Latino Americano de Gestão em Saúde (INLAGS) para a palestra do Dr. Hans Dohmann (doutor em biotecnologia pela UFRJ e ex-Secretário de Saúde do Município do Rio de Janeiro) sobre o tema “Para além da atenção primária de saúde, o que está por vir?”, apressei-me em me inscrever pela enorme curiosidade que o tema despertou em mim. Explico o porquê.
A minha atuação profissional sempre foi restrita ao setor de saúde suplementar. Transitei por boa parte dos elos da cadeia de saúde deste segmento, excluindo apenas operadoras e indústria de insumos.
Independente disto, sempre tive uma grande admiração pela saúde pública, acredito que influenciado inclusive pelos ensinamentos de meu pai. Com o tempo passei a acreditar e defender a troca de experiências e integração entre as partes. Ideologias à parte, o privado tem muitas contribuições a dar para o público e o público para o privado. Fico perplexo de ver que ainda prevalecem os preconceitos sobre aquilo que une o público ao privado e vice-versa.
Recordo-me, à época em que presidia o Sindicato de Hospitais Privados do Município do Rio de Janeiro, de me convidar para conhecer instituições diferenciadas como o Hemorio (à época dirigido pela Dra. Katia Motta) entre outras. Além da curiosidade sobre estas experiencias exitosas à época (digo à época porque não tenho conhecimento atualizado sobre as mesmas), entendia que era meu papel como líder de entidade de classe do setor privado, compartilhar com meus pares melhores práticas do setor público também.
Pode-se dizer que parcerias (não gosto desta palavra, prefiro “integração”) público-privado em saúde já existem há quase 500 anos quando, ainda no período colonial, surgiu a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, instalando-se em Santos (SP) desde 1543, sendo a primeira instituição hospitalar do país destinada a atender os enfermos dos navios dos portos e moradores da cidade. Em seguida vieram as Santas Casas da Bahia, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Olinda e São Paulo. Enfim, já se tratavam de intuições privadas atendendo ao grande público.
Vários outros exemplos, alguns exitosos e outros nem tanto, foram implantados deste então. Particularmente, vejo como positivos os exemplos das organizações sociais de saúde, existentes no Estado de São Paulo desde o governo Mário Covas. Diferente do que ocorreu em algumas outras experiências, aqui houve o cuidado de definir critérios de elegibilidade para os participantes, o que blindou a população de aventureiros sem reputação. Estudo do Banco Mundial realizado há alguns anos demonstra, a partir de inúmeros indicadores, que hospitais administrados por OSSs tinham resultados melhores do que aqueles sob administração direta. Em suma, um belo exemplo de que nem tudo que é publico precisa ser estatal, bem como de que tudo que é público precisa ter a garantia de que o interesse público esteja preservado em primeiro lugar.
Outros tantos exemplos positivos podem ser observados a partir do resultado dos inúmeros projetos desenvolvidos pelo PROADI-SUS com alguns hospitais privados como o Einstein, Sírio Libanês, Hospital do Coração e Hospital Alemão Oswaldo Cruz entre outros. Nestes, uma parcela dos recursos é aplicada em outras áreas que não a assistência, atendendo a carências do setor público.
Ainda que não seja uma regra, a meu ver uma das principais contribuições que o privado pode dar ao público na área da saúde está exatamente numa gestão mais eficiente, entre outros motivos, porque não ficam engessadas a meios que se tornam mais importantes do que os fins.
Pois bem, diante da profunda crise estrutural na saúde suplementar, acho que chegou a hora de aprendermos com o que o SUS tem de melhor a nos ensinar. Acho inclusive que o principal motivo para as dificuldades existentes está exatamente na ausência absoluta de efetivas políticas de saúde. No privado, somos fragmentados, tratamos de doenças e somos hospitalocêntricos.
A sustentabilidade do privado passa pela implantação do conhecimento que o público detém. E foi exatamente com esta visão que me inscrevi para a brilhante palestra do Dr Hans Dohmann. Pude aprender, a partir de uma exposição franca, transparente, detalhada e pautada em indicadores e depoimentos daqueles que também participaram deste processo, como o ex-Subsecretário de Saúde do município do Rio de Janeiro, Dr.João Luís Costa, a respeito do reconhecido case de sucesso (segundo a Harvard Business Review entre outras), da exitosa experiência de implantação e consolidação de clínicas de saúde da família.
Indo além, Dr. Hans esclareceu alguns conceitos que são frequentemente abordados de forma equivocada, colocando os pingos nos “is” em questões como o que efetivamente quer dizer atenção primária da saúde e coordenação de cuidados, entre outros tantos pontos abordados. Em seguida, a partir de sua experiência, implantou tais conceitos numa grande operadora de planos de saúde
Saí da palestra com aquela rara e gostosa sensação que temos sempre que vivemos uma experiência que abre nossa cabeça, alargando nossa percepção sobre a dimensão do que foi tratado, e deixando no ar inquietação e curiosidade em aprender mais.
Passados alguns dias do evento do INLAGS, tive a certeza do que pensava: as necessárias mudanças estruturantes que precisamos na saúde suplementar não têm como ocorrer se não trouxermos para perto e aprendermos, de forma humilde e despida de vaidades e ideologias, com as melhores práticas de saúde do setor público.
Para concluir e provocar um pouco, se estivesse sentado na cadeira das operadoras ou das empresas (aqueles que financiam 2/3 dos planos de saúde no Brasil) que começam a despertar para a necessidade de uma atuação efetiva na gestão de saúde de sua população, eu buscaria a valiosa ajuda junto a profissionais como o Dr. Hans Dohmann (e sua equipe). Estou convencido de que a sustentabilidade da saúde suplementar passa necessariamente (ainda que não exclusivamente) pela implantação do olhar público sobre a mesma. Acredito que aqueles que preferirem se pautar por preconceitos e ideologias, tenderam a ficar pelo meio do caminho. A meu ver, não há como darmos passos estruturantes sem a adoção do que é exitoso no SUS e se aplica às necessidades da saúde suplementar.