Saúde Baseada em Valor: para começar é preciso parar de falar e fazer | Arquitetos da Saúde
Entrevistas

Saúde Baseada em Valor: para começar é preciso parar de falar e fazer

O médico e mestre em Economia da Saúde, César Abicalaffe é presidente do Instituto Brasileiro de Valor em Saúde – IBRAVS e CEO da 2iM Inteligência Médica. Experiente na gestão pública e privada em saúde ele defende a centralidade no paciente como premissa básica para a Saúde Baseada em Valor. Apesar de ainda faltarem casos de sucesso no Brasil, ele acredita que a teoria está evoluindo para a prática, o que é animador. A receita de Cesar para se iniciar um projeto de Saúde Baseada em Valor é superar barreiras e buscar uma discussão centrada no paciente, compartilhando os riscos e resultados.


Observa-se o que o conceito de valor em saúde tem sido muito discutido, sobretudo na ótica do paciente. O que isso significa na prática e quanto a ampliação desta discussão pode ser benéfica para quem contrata um plano e saúde para os colaboradores?


Cesar Abicalaffe:
A premissa básica de Saúde Baseada em Valor é a centralidade no paciente e tem como finalidade buscar uma saúde que entregue desfechos clínicos que realmente importem com o menor custo possível. Desta forma, o engajamento deste paciente passa a ser fundamental, pois o desfecho deve ter impacto na sua qualidade de vida, por exemplo.

Como atualmente 67% dos beneficiários dos planos de saúde estão ligados às empresas, um sistema baseado em valor deverá impactar nestas instituições que contratam este serviço. São diversos os motivos, mas vou selecionar dois que considero fundamentais: ter colaboradores mais saudáveis e satisfeitos com o benefício que estão recebendo, reduzindo absenteísmo e presenteísmo; e um impacto no custo do benefício saúde que as empresas possuem. Ambos os motivos são a base do conceito de uma Saúde Baseada em Valor. Por exemplo, como o custo para produzir esta qualidade entra na fórmula de valor, a expectativa é que o custo da assistência seja reduzido, ou pelo menos controlado. Assim, espera-se uma sinistralidade sob controle e por conseguinte o reajuste dos planos de saúde serão menores.


Temos casos de sucesso que podem servir de benchmark para os diversos elos da cadeia de saúde suplementar?


Cesar Abicalaffe:
Faltam casos de sucesso no Brasil com esta visão abrangente relacionando qualidade com baixo custo. Esta relação sempre foi aparentemente paradoxal, mas um sistema baseado em valor possibilita este alinhamento.

Alguns projetos têm focado em medir apenas desfechos, como o exemplo do projeto ICHOM dos hospitais da ANAHP. O International Consortium for Health Outcomes Measurements definiu standards set para medir indicadores de desfechos que são fundamentais de serem avaliados para algumas condições clínicas de maior impacto na saúde. Este projeto tem sido fantástico, no entanto, os hospitais ainda carecem de um bom sistema para medir custos e associar esta métrica ao desfecho.

Por outro lado, muitas operadoras iniciaram com modelos de pagamento por performance ou por captação ou ainda por orçamento global ajustado aos hospitais. Poucos destes modelos têm métricas de desfechos ou vinculação do pagamento ao valor entregue. Recentemente a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS divulgou a relação dos 13 projetos que serão acompanhados este ano.
O que anima é que a teoria está evoluindo para a prática e, muito em breve, teremos resultados publicados.


Quais os maiores desafios na construção de um sistema de saúde baseado em valor?


Cesar Abicalaffe:
O principal desafio está na criação das métricas adequadas para medir valor. Sem a métrica, não há como avaliar e gerenciar o que está sendo feito, e muito menos evoluir para modelos de pagamento com base em valor. Estas métricas são difíceis de serem geradas principalmente pelo fato de que muitos dados não são capturados nos sistemas de informações existentes. Se existe o registro, muitos deles estão em campos não estruturados. Se existe registro estruturado, ainda assim temos os desafios de interoperabilidade, no caso por limitação tecnológica, e desafios de compartilhamento destes dados, no caso também por questões de tecnologia, mas principalmente agora por questões legais e éticas.

No ano passado criamos o Escore de Valor em Saúde – EVS como uma proposta bastante prática para medir valor. Em breve divulgaremos os resultados dos primeiros projetos e um e-book sobre este modelo.

Outro desafio importante é a falta de alinhamento de interesse dos principais stakeholders, o que gera muita desconfiança no setor. Iniciar um projeto de Saúde Baseada em Valor precisa superar muitas destas barreiras, o que pode tornar o projeto inviável. O setor precisa “baixar a guarda” e buscar uma discussão centrada no paciente, compartilhando os riscos e resultados e tornando transparente as suas necessidades.


O que efetivamente pode ser dito do ponto de vista de desfechos clínicos, que é uma variável importante no processo de escolha do prestador tanto pelo consumidor como pela empresa que contrata?


Cesar Abicalaffe:
Vamos novamente extrapolar o conceito de valor utilizando a análise do desfecho e dos custos. Se o desfecho for adequado, mas o custo de produzi-lo foi inviável, isso precisa ser avaliado. Como meu caro professor de Economia em Saúde que tive em York, Allan Maynards, afirmou: “Análise de benefício sem considerar os custos é a mesma coisa que termos uma carroça sem cavalos para puxar”

Vencendo este obstáculo, o próximo passo é fazer os prestadores entenderem que eles precisarão compartilhar o risco com o financiador. Quem paga não irá assumir, sozinho, todo o risco. Obviamente estamos falando no risco da performance, da eficiência. O atuarial é do financiador, sempre. Mas a ineficiência e os eventos adversos evitáveis, por exemplo, de alguma forma serão assumidos por quem prestou o serviço.


Quais os planos para o IBRAVS para 2020?


Cesar Abicalaffe:
A missão do IBRAVS é alinhar os conceitos de Saúde Baseada em Valor, educar o mercado com aspectos práticos em como gerar um sistema de saúde que tenha estas bases e apoiar através de divulgações, chancelas e incentivos, as ações que sejam baseadas em valor em todo o sistema de saúde.

Em 2020 iniciaremos com um Summit no início do ano trazendo os conselheiros consultivos para compartilhar suas práticas e experiências e alinhar as ações para o ano. Mais de uma dúzia de webinars serão disponibilizados de forma gratuita ao mercado com o objetivo de divulgarmos os conceitos que defendemos. Além disso, até a metade deste ano faremos um chamamento público para que as empresas – operadoras de planos de saúde, prestadores de serviços, Indústria de materiais e medicamentos e empresas contratantes de planos de saúde – submetam seus projetos para serem avaliados por parte de uma comissão de conselheiros do Instituto. Os projetos que forem realmente de Saúde Baseada em Valor receberão uma certificação do IBRAVS e os três melhores qualificados apresentarão os projetos durante o II Congresso Latino Americano de Valor em Saúde – CLAVS 21, que ocorrerá no primeiro semestre de 2021.

A frase mais usada pelo IBRAVS em 2019 e que estamos trazendo para 2020 foi a de Walt Disney, que disse: “A maneira de começar é parar de falar e começar a fazer”.