Depois de 9 meses de trâmite e muitos adiamentos, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu no último dia 8 de junho que o rol de procedimentos da ANS para a cobertura de planos de saúde é taxativo e não exemplificativo. Ou seja: a lista não contém apenas exemplos, mas sim todas as obrigações de cobertura para as operadoras.
A decisão do STJ não obriga as demais instâncias a terem que seguir esse entendimento, mas o julgamento serve de orientação para a Justiça de forma geral. Agora, os tribunais têm um forte argumento para não obrigar os planos a bancarem procedimentos não previstos pelo rol.
A origem do rol
Antes de avançarmos na análise, vamos a um breve histórico do rol e da legislação da saúde suplementar.
A definição do rol foi feita pela Lei dos Planos de Saúde, de 1998. Ela determinou à ANS o dever de assegurar que as operadoras de planos de saúde oferecessem obrigatoriamente serviços de assistência que cobrissem todas as doenças especificadas pela Classificação Internacional de Doenças (CID), sem limite financeiro de cobertura.
Quer dizer: a lei tornou o sistema de seguros de saúde privado brasileiro único, tanto pela abrangência de doenças cobertas obrigatoriamente (todas) como pela impossibilidade de que um limite financeiro seja impeditivo da continuidade de qualquer tipo de tratamento, independentemente de sua duração e de seu custo. O tal de “seguro sem teto”, que já comentamos em outras ocasiões.
ATS e a necessidade de critério
Para definir os procedimentos (exames, consultas, procedimentos hospitalares, terapias etc) que deveriam ser cobertos pelos planos no tratamento das doenças, estabeleceu-se o rol. A construção da lista (que atualmente tem 3 mil procedimentos e é atualizada ao menos duas vezes por ano) segue a técnica de priorização denominada Avaliação de Tecnologia em Saúde (ATS).
A ATS leva em consideração as evidências científicas disponíveis, avaliando impactos clínicos, sociais e econômicos das tecnologias em saúde. A ATS considera a eficácia, efetividade, segurança, custos entre outros aspectos, com objetivo de auxiliar a tomada de decisão sobre a incorporação, alteração de uso ou retirada de tecnologias em sistemas de saúde.
É este o método recomendado pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e considerado nas políticas de saúde de grande parte do mundo. Denizar Vianna, professor titular da Faculdade de Medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), explicou muito bem os critérios da ATS neste artigo.
Demandas
Ao longo do tempo, no entanto, beneficiários de planos passaram a procurar a Justiça para terem garantido o acesso a procedimentos não previstos no rol. Muitos tribunais consideravam então o rol apenas exemplificativo, obrigando os planos a bancarem os procedimentos. É a chamada “judicialização da Saúde”.
Aqui, vale lembrar que o problema afeta inclusive o SUS (Sistema Único de Saúde). No sistema público, a incorporação de novos tratamentos, procedimentos e tecnologias é analisada e aprovada pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde) e o acesso não é ilimitado – governos das três esferas também sofrem com os efeitos de ações judiciais que determinam coberturas não previstas.
É importante ressaltar que a decisão do STJ também prevê exceções para o rol taxativo. Se não houver um substituto terapêutico ou depois que os procedimentos incluídos na lista da ANS forem esgotados, pode haver cobertura de tratamento fora do rol, indicado pelo médico ou odontólogo assistente, caso (1) a incorporação do tratamento à lista da ANS não tenha sido indeferida expressamente; (2) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (3) haja recomendação de órgãos técnicos de renome nacional, como a Conitec e a Natijus, e estrangeiros ou (4) seja realizado, quando possível, diálogo entre magistrados e especialistas, incluindo a comissão responsável por atualizar a lista da ANS, para tratar da ausência desse tratamento no rol de procedimentos.
Segurança jurídica
A decisão do STJ era esperada para dar um norte ao setor. E a decisão a favor do rol taxativo é de fato a mais acertada, à medida em que garante segurança jurídica para um setor que sofre com o desequilíbrio.
É compreensível que beneficiários e órgãos de defesa do consumidor tenham ficado insatisfeitos com a decisão. Principalmente porque acostumaram-se com um Judiciário que costuma ser favorável ao lado mais fraco – e que desconsidera que, em longo prazo, suas decisões enfraquecem o “lado mais forte”, das operadoras.
Essa não é uma questão de defender ou criticar as operadoras como muitas vezes somos levados a crer. Para compreender a recente decisão do STJ, propomos o exercício de imaginar que o rol fosse exemplificativo.
Isso não seria o mesmo que ignorar todo o processo de incorporação por meio da ATS? Não colocaria em xeque a própria existência do rol de coberturas (que se tornaria meramente decorativo) e, em última instância, dos próprios planos? Pra que uma legislação se a cobertura é ilimitada?
Aqui destacamos o posicionamento da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) sobre o tema (assim como a Fenasaúde): certamente, não haveria muitas empresas dispostas a comercializar um serviço cujo preço é impossível de calcular.
Conclusão
Quem acompanha o noticiário de forma superficial pode até pensar que defender o rol taxativo é ficar contra o consumidor. É justamente o contrário. Por preservar a segurança jurídica e os critérios técnicos, a decisão do STJ garante a viabilidade e sustentabilidade da saúde suplementar, e é a que melhor protege a coletividade dos beneficiários de planos de saúde.
É certo, também, que o sistema da ATS e a revisão do rol não estão imunes a críticas. Agora, os interessados em coberturas não previstas devem se organizar para a inclusão dos procedimentos no rol via ATS, esse talvez seja agora o melhor caminho para um debate entre a sociedade e a evolução do rol de coberturas.
Um tema que ainda vai render muito debate. Vamos acompanhar.
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