*Adriano Londres e Luiz Feitoza
Temos refletido sobre o que estamos sentindo e vivendo em tempos de coronavírus e seu possível ou desejável legado para a saúde suplementar. Concordamos com muitos que têm dito que estamos num divisor de águas entre o mundo antes do coronavírus (AC) e aquele que surgirá depois do coronavírus (DC). Especificamente em relação à saúde suplementar temos refletido sobre os possíveis desdobramentos para as empresas contratantes de planos de saúde e seus respectivos gestores de benefícios.
Ao nosso ver é certo que finalmente muitas das empresas que concedem planos de saúde, serão instigadas a repensar a forma como vêm gerindo os benefícios de seus colaboradores. Mesmo com a crise econômica iniciada em 2014, poucas foram as que se reinventaram neste sentido. Na prática, a maior parte optou por fórmulas já conhecidas e que acabaram se revelando como uma solução paliativa ou temporária, a partir da adoção de medidas como:
· A troca por uma operadora mais verticalizada e com produtos de entrada mais acessíveis na esperança de que a escalada do custo fosse menor;
· Downgrades nos produtos oferecidos e/ou
· Aumento da contribuição dos colaboradores e seus dependentes.
Outras medidas foram mais drásticas como por exemplo estabelecer um plano de entrada subsidiado apenas ao titular e toda a diferença ou o custo dos dependentes deixar a cargo do colaborador, eliminando o conceito de benefício e criando apenas o acesso a um produto através da empresa. Mesmo para aquelas que tinham uma base maior de beneficiários e que por conta disto fizeram uma migração acertada para o modelo de pós pagamento, o que se viu de maneira geral até aqui foi que o beneficiário (paciente) e a eficiência na gestão de recursos pouco ocuparam um lugar de protagonismo.
Ampliando um pouco esta reflexão, é bem verdade que nos últimos anos algumas poucas operadoras de planos de saúde passaram a se estruturar para oferecer projetos assistenciais visando à maior eficiência dos recursos disponíveis. Ocorreu da mesma forma com determinados hospitais que começaram a repensar o seu papel estratégico, ampliando o escopo de sua atuação historicamente terciária para incluir um enfoque também na atenção primária e na coordenação do cuidado.
O órgão regulador, por sua vez, também passou a dedicar importante empenho na indução de melhores práticas assistenciais e normatizações voltadas para a ampliação do acesso e contribuição para maior eficiência. Mesmo assim, o resultado prático disso tudo ainda não pôde ser percebido a ponto de neutralizar pelo menos parte das três milhões de vidas que deixaram de ter acesso ao sistema. Na prática a reinante ineficiência, de uma forma ou outra, quase sempre apenas restringiu acesso.
Como já citamos acima, acreditamos que a pandemia do coronavírus será um marco na mudança de atitudes. Claro que qualquer mudança passa primeiro pela visão que a empresa tem do plano de saúde. Para as que veem o plano de saúde apenas como um custo a ser gerenciado a mudança pode ser menor, pois, ao se gerenciar apenas o orçamento, a tendência sempre é pelas soluções de curto prazo. Já as empresas que veem o plano de saúde como um benefício importante que cumpre uma missão de dar acesso de verdade à saúde, as mudanças tendem a ser mais estratégicas, mais duradouras. Dito isso, arriscamos compartilhar algumas reflexões (muitas das quais já conhecidas, mas pouco praticadas) do que poderá ocorrer daqui para a frente a partir da ótica das empresas que concedem planos de saúde a seus colaboradores e que o veem como um benefício muito além do custo:
1. Empresas, principalmente as de médio e grande porte, motivadas pela frustração de resultados anteriores não atingidos na gestão do custo, mudarão de forma mais acelerada sua postura em relação à gestão da saúde de seus colaboradores, participando de forma mais efetiva e proativa, deixando de delegar a terceiros a gestão de seus custos no sentido de que nem o produto e nem a subscrição do risco é da empresa, mas a responsabilidade e o risco já são. Sempre foram;
2. Empresas irão finalmente exigir maior eficiência nas suas interrelações em aspectos como o alinhamento de incentivos econômicos daqueles que lhe prestam serviços, produtos modulares efetivamente pautados por políticas de saúde que atendam às suas necessidades, a produção isenta e a divulgação de resultados assistenciais entre outros;
3. Até o presente momento a imensa parte da conta da ineficiência do sistema recaiu no colo das empresas contratantes sob a forma de reajustes recorrentes e insustentáveis. Acreditamos que uma tendência crescente será a demanda por transparência nos custos embutidos no prêmio como a remuneração do corretor ou dos custos administrativos da operadora, maior previsibilidade de demanda e custos de tratamento e compartilhamento efetivo de riscos;
4. As empresas farão uma análise mais depurada sobre intermediários na cadeia de saúde e muito provavelmente irão eliminar ou repactuar com aqueles que efetivamente não agregam eficiência e que tenham pautado suas estratégias meramente em aspectos comerciais e/ou operacionais;
5. Ainda que medidas de curto prazo tenham que ser tomadas em maior ou menor grau pelas empresas, a depender da intensidade do impacto do conoravírus sobre sua respectiva indústria, e sobretudo o impacto em demissões, acreditamos que estas também adotarão soluções mais estruturantes e de médio a longo prazos na gestão da saúde de seus colaboradores, entendendo que o caminho da eficiência não se esgota no curto prazo e que é a demanda bem gerida sobre uma população saudável ou bem tratada que traz resultados duradouros;
6. Observaremos uma participação cada vez maior de soluções tecnológicas na saúde em apoio a gestores de benefícios e colaboradores de suas respectivas empresas, seja na produção e divulgação de indicadores de gestão e desfechos que tornem a gestão mais eficiente, seja na prestação de serviços de saúde internalizados e integrados com a operadora que contribuam para o melhor acesso, diagnóstico e tratamento;
7. Gestores de benefícios terão que se reciclar, pois serão demandados por mais conhecimento técnico a partir da tardia compreensão das empresas de que suas ações em torno da gestão da saúde dos colaboradores devem ser pautadas com base em dados objetivos e indicadores isentos. Algo pouco frequente até então;
8. A discussão de valor em saúde será ampliada para além da ótica do paciente, também passando a abranger a percepção de valor na prestação de serviços na ótica das empresas contratantes de planos de saúde. Aliás, é um vício recorrente e assustador a pouquíssima discussão do ponto de vista do contratante de plano coletivo, a não ser quanto à questão do reajuste. Até parece que toda a contribuição a ser dada pelas empresas na discussão da saúde dos seus colaboradores é a escolha da operadora, o pagamento do reajuste e a realização da “semana da saúde” uma vez ao ano. Mas é muito mais do que isso. Costumamos dizer que o gestor do plano médico nas empresas é como um secretário da saúde na empresa decidindo acesso e políticas relacionadas à forma como as pessoas entendem e consomem recursos de saúde;
9. Uma comunicação mais estruturada com o colaborador será necessária. Ao invés de apenas comunicar ações e eventualmente convidar os colaboradores a participarem de eventuais programas de saúde ou ainda a acessarem o ambulatório da empresa (considerando aquelas que podem fazer isso), as empresas deverão criar um pacto com seus beneficiários envolvendo temas como: o que é o melhor acesso, o que é uma rede de atendimento de qualidade, quais os desafios do custo e como contribuir com o uso mais racional, qual o pacto a ser formado com o colaborador inativo e como os ativos deverão patrocinar essa transição de geração;
10. As empresas necessitarão ouvir o colaborador. Em tempos de pandemia, o trabalho em casa (home office) trouxe outras formas de liderança e cooperação nas empresas. Despertou um novo espírito colaborativo desafiado pelo isolamento social. Talvez as empresas tenham agora um canal aberto com o funcionário que vai muito além das pesquisas de clima e questionários de saúde. É preciso estar próximo e mostrar uma preocupação legítima com a saúde do colaborador. Não adiantará muito investir num plano que tenha boa marca, mas careça de políticas na visão do empregado. Na prática, cabe refletir:
· A elegibilidade do plano está bem alinhada com a política de cargos e salários?
· A grade de planos compulsórios pode ser expandida com planos opcionais?
· O colaborador entende que sua família está assistida?
· Quais os ressentimentos em relação ao uso do plano de saúde de lado-a-lado?
Claro que não estamos romanceando a comunicação com os colaboradores na linha do “somos uma grande família”, mas ao menos as lideranças de média gerência podem ser agentes importantes de mudança.
Como conclusão, acreditamos que em grande parte o que iremos ver daqui para a frente será uma transição do discurso para a prática na medida em que grande parte do que foi dito acima já é conhecido por muitos. Assim sendo, quem sabe tenha chegado a hora de equilibrar ações ousadas e técnicas que serão necessárias às empresas com o respeito da ótica dos beneficiários do plano de saúde (o colaborador e seus dependentes) quanto à forma como ele enxerga o acesso à saúde que lhe foi dado. Quem sabe encontremos mais eficiência para atendê-lo em suas demandas? Não há outra rota que não essa para atender inclusive às empresas.