Estaríamos próximos da retomada da venda de planos de saúde individuais? Por vários motivos, aliados aos meus devaneios frequentes, acredito que sim. Atualmente planos de saúde individuais representam menos de 20% dos planos ativos. E este número praticamente não cresce há mais de uma década, na medida em que a ausência de novas vendas não oxigena este segmento de mercado. Para piorar o quadro, observamos ainda nos últimos anos a redução de mais de três milhões de beneficiários de planos de saúde. É bem verdade que muitos destes perderam seus empregos (pelos quais mantinham plano de saúde corporativo) e muito provavelmente não teriam condições de comprar planos individuais se eles estivessem disponíveis. Mas com certeza esta não seria a realidade para todos.
A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) tem contribuído com algumas importantes e sincronizadas decisões no sentido de recriar um ambiente mais favorável para a retomada da comercialização de planos individuais. Acredito que o repensar de várias operadoras e prestadores de serviços médico-hospitalares a respeito de seus papéis também contribui para um cenário favorável neste sentido.
Destrinchando o tema em questão, começamos pela ANS, que publicou nos últimos meses duas importantes resoluções normativas que já abordei em artigos anteriores. Em dezembro último, em “A ponte da portabilidade de planos de saúde”, discorri a respeito da resolução normativa nº 438 recém-publicada pela Agência (que passaria a vigorar em 180 dias) e que trata da ampliação das opções de portabilidade de carências para beneficiários de planos de saúde. Entre os pontos citados na ocasião, destacamos:
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a ausência de carências e cobertura parcial temporária (CPT) desde que respeitado o prazo de permanência, assim como o prazo de 60 dias para seu exercício para beneficiários pregressos de planos corporativos;
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A possibilidade de requerer a portabilidade a qualquer tempo desde que cumprido o prazo de permanência;
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a eliminação da exigência de compatibilidade de cobertura entre planos, sendo certo que o beneficiário cumprirá carência apenas para as coberturas não contratadas em seu plano de origem.
Destaco outra resolução normativa da ANS no mesmo período e com vigência imediata, a de nº 441, que estabelece critérios para cálculo do reajuste máximo dos planos de saúde individuais contratados a partir de 01 de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei 9.656. No artigo “Nova metodologia de reajuste de planos individuais: desatando um nó?”, abordo que a correta decisão de rever a metodologia de reajuste dos planos individuais é fundamental para que a portabilidade tenha seu fluxo potencializado na medida em que a regra mais clara de reajustes destes planos podem contribuir para a retomada de sua comercialização e, consequentemente, alternativa para quem busca a portabilidade.
Segundo o site da ANS, “a sugestão para um novo Índice de Reajuste dos Planos Individuais (IRPI) se baseia na variação das despesas médicas das operadoras com os planos individuais e na inflação geral da economia, refletindo diretamente a realidade desse segmento.” A metodologia proposta, fruto de mais de oito anos de estudo pelo corpo técnico do órgão regulador, prevê o Índice de Variação de Despesas Assistenciais (IVDA) com peso de 80%. Já as despesas não assistenciais, que têm peso de 20%, serão medidas pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Expurgado (IPCA).
Resumindo, se a primeira resolução normativa trouxe a ampliação das opções de troca de planos de saúde, a segunda trouxe maior transparência ao cálculo de reajuste de planos individuais e, consequentemente, o potencial de menor insegurança jurídica sobre o tema.
Um terceiro aspecto que contribui para imaginarmos um momento favorável para a retomada da comercialização de planos individuais está no que acredito ser o amadurecimento de alguns atores. Explico. É curioso observar que tanto determinadas operadoras de planos de saúde quanto hospitais têm revisitado suas estratégias, procurando prioritariamente inserir importantes mudanças. Em ambos os casos, mas partindo de pontos distintos, caminha-se para uma atuação assistencial focada em atenção primária à saúde.
Seguradoras e medicinas de grupo de grande representatividade, muito além do usual discurso e praticamente nenhuma ação efetiva de prevenção de doenças e promoção de saúde, têm efetivamente partido de sistemas fragmentados para a construção de redes de atenção à saúde. Nesta mesma linha, também caminham algumas autogestões que passaram a criar produtos pautados por modelos adequados de atenção à saúde, acoplados com incentivos pedagógicos que contribuem para a conscientização de usuários quanto ao caminho do cuidado mais tecnicamente recomendável.
Na mesma direção caminham hospitais que, tendo como ponto de partida as dores dos custos crescentes e insustentáveis de planos de saúde de seus próprios colaboradores e dependentes, passaram a assumir a cogestão da saúde destes, com foco em atenção primária, alinhamento de incentivos junto ao usuário e modelagem de rede própria de prestadores de serviços médico-hospitalares, entre outras iniciativas. Ato contínuo, a partir de seus próprios cases de sucesso, já vêm oferecendo estas mesmas soluções ao mundo corporativo.
Ainda na onda de repensar papéis, transformar as relações e gerar valor, efetivamente observamos passos concretos na direção e implementação de novos modelos de remuneração. Em conversas com operadoras de planos de saúde e prestadores, todos declaram estar revendo e repactuando as suas relações comerciais, algumas vezes por consenso e em outras oportunidades nem tanto. Nestas mesmas conversas escuto ainda de operadoras que a famigerada inflação médica caminha para muito próximo de um digito já a partir deste ano. Seria reflexo consistente do dever de casa que vem sendo feito pelos stakeholders? Não sei dizer, mas é uma notícia positiva sem dúvida, que também contribui para um ambiente mais favorável.
Por fim, destaco como momento favorável a reversão da curva de perda de beneficiários de planos de saúde nos últimos anos, ainda que a retomada do crescimento econômico tenha demorado mais do que o previsto.
Pois bem, juntando as peças deste novo quebra cabeça, acredito que estejamos começando a deixar a “tempestade perfeita” caminhando, ainda que distantes, em direção à “serenidade perfeita” (fazendo um trocadilho com a “tempestade perfeita”) na medida em que absolutamente todos os atores que desejam sobreviver foram forçados a repensar e realinhar seus papéis, estratégias e relações.
Otimismo exagerado de minha parte? Para os céticos de plantão, com certeza. Para os que conhecem saúde e medicina e métricas em saúde, com certeza uma grande oportunidade. Ainda que a temperatura não seja a ideal, o barômetro já sinaliza uma tendência de melhora do setor a partir das mudanças estruturantes que se iniciam.
Seguramente quem souber aproveitar este momento e tiver a coragem de comercializar planos individuais terá a grande oportunidade de capturar e fidelizar uma parcela dos órfãos destes planos. Para isso, no entanto, é fundamental partir da construção técnica e associação virtuosa entre promoção de saúde, atenção primária à saúde resolutiva e com referências para atenção secundária ambulatorial, atenção hospitalar e de alta complexidade em redes fechadas, integradas e coordenadas. E, como já dissemos, construções neste sentido já vêm sendo sinalizadas por operadoras e prestadores.
Neste contexto de criação de um sistema resolutivo, a partir também do necessário empoderamento do paciente, fazendo-o protagonista de sua saúde e tratamento, sem infantilizá-lo, podemos esperar um outro comportamento de custos em saúde diferente do que temos observado no atual modelo de shopping da saúde. Quem se arrisca? Ou melhor, quem quer atracar neste porto seguro?