Por que empresários individuais não conseguem comprar planos de saúde?
Com frequência me deparo com questionamentos de amigos e conhecidos relatando a dificuldade em conseguir simplesmente contratar um plano de saúde para si próprio. É surreal refletirmos sobre isso na medida em que pesquisas apontam o plano de saúde como um dos principais desejos de consumo do brasileiro. Em recente pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência a pedido do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS), 54% dos brasileiros que não têm plano de saúde já contaram com o benefício em algum momento e 73% desejam ter/voltar a ter plano médico-hospitalar. Se de um lado há o desejo e de outro a dificuldade, vamos nos debruçar para entender as causas e propor algumas ideias.
Boa parte das operadoras resistem em vender plano de saúde individual. O argumento historicamente utilizado é que a metodologia utilizada (que foi recentemente alterada) para cálculo do reajuste destes planos não refletia a realidade de crescimento de custos, gerando desequilíbrio nestes contratos. Em função disto, para atingir este público cada vez mais órfão de alternativas, as operadoras passaram a focar cada vez mais na venda de planos de pequenas e medias empresas (PMEs) e/ou planos coletivos por adesão, comercializados por administradoras de benefícios via entidades de classe. Para ambas alternativas foram definidas regras claras a partir das RNs 195 e 196.
Pois bem, segundo os dados de estudo realizado Fecomercio-SP, das mais de 1, 6 milhões de empresas do setor de comércio no país, cerca de 96,3% são de pequeno e médio porte. Este estudo foi feito com base na Pesquisa Anual do Comércio (PAC), divulgada em agosto de 2016 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em linha com esta informação, segundo site do SEBRAE, “no Brasil existem 6,4 milhões de estabelecimentos. Desse total, 99% são micro e pequenas empresas (MPE). As MPEs respondem por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado (16,1 milhões).”
Tendo observado o exponencial aumento na contratação de planos coletivos empresariais por microempreendedores individuais (MEI) e por portadores de Cadastro Específico do INSS (CEI), a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) se aprofundou no tema ao longo do ano de 2016 e concluiu ser necessário regulamentar a contratação de planos coletivos empresariais para estes meios.
Desde então foram realizadas consultas públicas assim como consultas junto à Procuradoria Federal (Proge) O relatório da consulta pública 64/2017 (contratação de plano coletivo empresarial por empresário individual) cita que “mostrou-se cada vez mais incontroverso que tanto o MEI quando o CEI possuem natureza jurídica de pessoa física e não de pessoa jurídica.” Sendo este o maior entrave nas discussões, em nova consulta à Proge (Parecer 006/2017), consta que “considerando que atividades empresariais podem ser exercidas tanto por pessoa jurídica como por pessoa física, na qualidade de empresário individual, conforme conceituado no artigo 966 do Código Civil, de fato não parece haver óbice legal para que ambas contratem um plano coletivo empresarial.
Sobre empresarial individual, assim estabelece o artigo 966 do Código Civil: “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou serviços.” Por fim, ainda conforme relatório da consulta pública, “foi estabelecido que o melhor parâmetro, para considerar se determinada pessoa física pode celebrar contrato coletivo empresarial de plano de saúde, seja a atividade econômica por ela desempenhada que, como dito, precisará poder ser classificada como atividade empresarial, o que poderá se dar de diferentes modos, com diferentes formas de constituição e seus respectivos requisitos.”
O fato é que temos uma série de empresas legalmente constituídas com uma ou duas pessoas que simplesmente não conseguem adquirir planos de saúde pelas políticas atuais das operadoras. Isto é comum e crescente no segmento de profissionais independentes e startups por exemplo. Hoje existe mais de 10 mil startups no Brasil, sendo que a maior parte das pessoas que trabalham para essas empresas constituíram pessoas jurídicas (PJs). Como era de se esperar, essas PJs com grande frequência são compostas por jovens que não têm dependentes, não atingindo, portanto, o mínimo de duas ou três vidas para contratação de um plano PME. O mesmo acontece entre os MEIs e outros profissionais independentes (+ de 8 milhões no Brasil). Neste contexto a única alternativa para tal público acaba sendo os planos coletivos por adesão, o que não necessariamente atende a este segmento de empresários individuais na medida em que podem não preencher os critérios de elegibilidade necessários.
Segundo o Sistema de Informações de Beneficiários da ANS (ago.2015) apenas 0,11% dos beneficiários cobertos por plano de saúde (equivalente a 43.201 beneficiários) eram de contratos coletivos firmados com apenas um beneficiário. Se considerarmos contratos com apenas dois beneficiários, este percentual era de 0,50% (equivalente a 192.452 beneficiários). Pela política adotada pela maioria das operadoras, ainda que dados mais atualizados não estejam disponíveis, é possível acreditar que não tenha havido mudança expressiva.
A flexibilização das leis trabalhistas em linha com o crescimento exponencial de empreendedores no país trouxe à tona uma nova forma de contratação. Ora, se temos cada vez mais empresários individuais, como oferecer cobertura a este segmento que cresce cada vez mais? O fato é que hoje estamos simplesmente deixando essas pessoas descobertas ou reféns de uma única alternativa. E, conforme demonstrado acima, isto não ocorre por restrição regulatória. É isso que queremos?
Nosso país tem finalmente começado a dar sinais de que quer acabar com lei que protegem poucos e prejudicam a maioria e que tanto têm contribuído para o indesejável custo Brasil. Em economias desenvolvidas, profissionais autônomos, empresas individuais e startups são encorajados. No contexto de contratação de planos de saúde, eles estão sendo penalizados por isso, não pela agência reguladora, mas pelo que parece ser a inércia ou engessamento das operadoras de planos de saúde.
Se não há nada que proíba a venda de planos de saúde para empresários individuais, por que as operadoras não o fazem?