Todos os elos da cadeia de saúde suplementar passam pelo que chamo de “onda de valor”. Cabe àqueles que desejam sobreviver repensar urgentemente seus papéis e estratégias diante da revolução disruptiva que acomete este importante segmento social e econômico do país. E isto não é diferente para os corretores de planos de saúde, profissionais legalmente registrados na Superintendência Nacional de Seguros Privados (SUSEP), tendo como função a intermediação entre segurados e seguradoras no que tange a venda, aconselhamento e suporte técnico entre outras funções.
A profissão de corretor é bastante antiga, remontando a mais de 400 anos quando surgiu em Portugal, tendo como objetivo a intermediação da relação entre segurados e seguradoras. Seguros eram válidos apenas com a interveniência do corretor. No Brasil a profissão está associada ao período da chegada dos portugueses quando estes profissionais foram responsáveis por “auxiliar a expansão das indústrias e comércios em um Brasil colonial trazendo maior segurança às companhias da época”.
Por mais consolidado que esteja, no que se refere ao ramo de saúde, o papel do corretor de seguros na atualidade deixa muito a desejar. A imensa maioria parece não entender (ou não querer entender) o que vem acontecendo e fica perplexa ao observar margens decrescentes nestes últimos anos. A crise que retirou mais de três milhões de beneficiários contribuiu quantitativamente para isto.
O mais importante, no entanto, parece ter sido uma questão de cunho qualitativo. Refiro-me à clara mudança na postura das médias e grandes empresas que financiam os planos de saúde e que se cansaram de promessas não cumpridas e baixo valor agregado na atuação de parcela significativa dos corretores de planos de saúde.
Reduções no percentual de comissão, alteração no modelo de remuneração, migrando de comissionamento para valores fixos ou até mesmo a simples eliminação do corretor na intermediação com operadoras de planos de saúde, são alguns dos remédios aplicados por aqueles que simplesmente enxergaram a necessidade de ajustar a equação de remuneração atrelada a valor. Nesta mesma linha já observamos os até então intocáveis contratos de alinhamento mundial serem questionados e muitas vezes rompidos. Para os casos de baixo valor agregado, então, nada é mais coerente do que esta redução, na medida em que a matriz no exterior não deve cobrar resultados de suas filiais sem que lhes dê autonomia para buscar os melhores meios. Ou seja, mesmo esta parcela até então privilegiada já começa a correr atrás do prejuízo.
Faz-se absolutamente necessário colocar o dedo na ferida em relação ao modelo de remuneração em vigor que, além de pouco ou nada transparente, faz com que o corretor, por exemplo, seja sócio do fracasso do cliente num contexto de reajustes muitas vezes acima dos 20%. Não há mais espaço para remunerar corretores desta forma. Quem paga a conta não quer mais este modelo. E, para dizer o mínimo, os custos internos dos corretores não têm qualquer relação com o comportamento de custos em saúde. Portanto, que sua permanência como intermediário seja atrelada a geração de valor percebido pelo cliente, o pagador efetivo da comissão, e que as correções anuais sejam negociadas a partir da variação de custos do corretor, e não da inflação da doença da carteira do cliente.
Ainda no que se refere a remuneração, faz-se necessário revisitar uma outra distorção que acaba direcionando comportamentos questionáveis por parcela dos corretores de planos de saúde. Refiro-me ao agenciamento onde o corretor, no cenário de troca de operadora de um cliente, acaba muitas vezes recebendo 100% do valor da primeira parcela. Cito abaixo um exemplo imoral muito recente neste sentido.
Fui convocado por um vizinho que, ciente da minha relação com a área da saúde, pediu ajuda em relação a um estudo de mercado que sua área de recursos humanos estava conduzindo, visando o melhor ponto na curva da equação “garantia da satisfação e redução de custos”. Já na primeira conversa com a gestora da área, pude entender o imenso desserviço da corretora atual, bem como das demais corretoras que participaram do estudo de mercado. Em todos os casos, a desconsideração e desrespeito ao cliente eram nítidos na medida em que os estudos em questão estavam voltados exclusivamente para a troca de operadora. Atitude grave por dois motivos: em primeiro lugar, o cliente estava satisfeito com a atual operadora e desejava mantê-la visando a preservação da satisfação de seus colaboradores. Em segundo lugar, nenhuma das corretoras havia se preocupado em entender a política atual da empresa, compará-la com o mercado e verificar a possibilidade de redesenho dentro da mesma operadora. E foi exatamente isto que recomendei, além de orientá-los a escutar outra corretora, cujos valores conheço e atesto. Neste exato momento, empresa e corretora estão negociando um redesenho cuidadoso, com a participação da operadora inclusive, no sentido preservar a satisfação e otimizar custos. Quando conversei com o RH da empresa e apontei caminhos outros, ela ingenuamente comentou que as demais corretoras não haviam sugerido o redesenho do benefício. Foi aí que expliquei o poder do fenômeno agenciamento e a vida própria que este adquiriu no mercado, sendo a primeira cenoura que o intermediário enxerga e persegue, ainda que não seja a prioridade do cliente. Para muitos pouco importa.
Gostaria de deixar claro não sou contra agenciamento. Entendo que o processo de estudo de mercado é cada vez mais longo e técnico e isto demanda conhecimento de quem o realiza. Da mesma forma, o processo de implantação traz custo inclusive à corretora e isto tem que ser considerado sim. O que questiono é a “dose”, lembrando que pode representar a diferença entre o remédio e o veneno. No caso acima citado, trata-se de mais um exemplo perigoso que poderia representar um veneno. Cabe às operadoras, ainda que desesperadas por “pedalar a bicicleta” em tempos de crise, repensar a intensidade deste referencial, eventualmente atrelando parcela do mesmo ao resultado da apólice ao fim do primeiro ano, por exemplo.
Muitos me perguntam se o corretor deveria ser sócio do sucesso e/ou insucesso. Acho sim que este é um caminho a ser perseguido, mas acredito que ainda não temos maturidade para tal, na medida em que parte do sucesso necessariamente dependerá da adoção, pelas empresas, das recomendações técnicas sugeridas. Assim como dependerá de uma métrica a ser conjuntamente construída com indicadores muito bem definidos. Em suma, temos que caminhar nesta direção, mas não se trata aqui de trocar de uma hora para a outra a remuneração no insucesso para a remuneração no sucesso.
O caminho é longo e, como o ótimo é inimigo do bom, gostaria de recomendar algo que pode ser factível para aqueles que entendem a importância do seu papel, enxergam a transparência na relação como fundamental e concordam em alinhar seus incentivos econômicos aos de quem os contrata. Começo por cinco regras iniciais.
- Transparência: ao fechar uma conta deixe claro para o cliente como se dá a sua remuneração, inclusive no que se refere a agenciamento;
- Coerência: desatrele a atualização de sua remuneração a índices de inflação da doença (quem me conhece sabe que não chamo de inflação de saúde na medida em que nosso sistema é pautado pela doença) da operadora ou mesmo do cliente quando esta estiver disponível;
- Retenção por valor: deixe claro ao cliente que, ainda que haja regra de comissionamento que preserve a comissão até o próximo aniversário, você abre mão dela em prazo anterior ao aniversário, caso o cliente esteja insatisfeito e deseje trocar de corretora no meio do caminho;
- Contratualização: estabeleça um contrato diretamente com o cliente, contendo regras de serviço (SLA) com responsabilidades de parte a parte;
- Meritocracia: eventualmente considere regras de bonificação/penalização conjuntamente construídas com o cliente de forma a deixar claro e alinhado os incentivos e reconhecimento de parte a parte.
Em suma, a onda de valor que acomete a intermediação entre financiadores e operadoras de planos de saúde, já chegou. Cabe às partes pavimentarem um novo caminho nesta relação. Assim como acontece com relações profissionais maduras, no cenário atual da saúde suplementar isto representará mais inspiração, qualificação e confiança. Costumo dizer que a venda e o pós-venda em corretoras já deixaram de ser puramente comercial. O financiador vai apenas contratar aquele que agregar conhecimento técnico, transparência e capacidade de entrega. Os demais, que representam cotovelos sem geração de valor, ficaram pelo meio do caminho. Bom para o sistema!