Necessárias e tão alardeadas mudanças no sistema de saúde suplementar têm levado mais tempo do que o previsto, principalmente pela falta de visão de participantes diretos e indiretos quanto às particularidades pouco visíveis do segmento.
A primeira particularidade se refere ao número e à dinâmica dos agentes deste setor. Em grande parte das “indústrias” existe uma relação de compra e venda na qual estão envolvidas duas partes: o comprador e o vendedor. Nesta relação estão todas as nuances de uma negociação. Um deseja, decide, paga e se beneficia. O outro dispõe, oferece e recebe. E tudo fica resolvido.
A complexidade que envolve o sistema de saúde suplementar está longe disso tanto pelo número quanto pela distinção de seus interesses particulares. De forma resumida podemos dizer que existe o beneficiário do ato médico (paciente), aquele que dá as ordens (médico), aquele que presta o serviço (laboratório, clínica, hospital), aquele que é o intermediário financeiro (operadora de plano de saúde) e aquele que financia e contrata o plano de saúde (empresa ou indivíduo). Um mercado peculiar e imperfeito, onde qualquer ação isolada deveria estar fundamentada em uma visão sistêmica.
A segunda questão se refere ao ciclo estratégico do modelo de prestação de serviços de saúde extremamente caro, ineficiente e esgotado. A falta de compreensão de que estamos em sua fase final parece estar equivocadamente contribuindo para que determinados agentes persistam em se prender a seus paradigmas vigentes, propondo alternativas que trarão ganhos marginais e individuais no curto prazo e insustentáveis no médio prazo. É ilusão acreditar que o nó pode se desfazer com ações futuras pautadas em mentalidade passada, desassociada de uma proposta de valor, baseada em um modelo assistencial desintegrado, focado em doença e tendo a tecnologia médica como protagonista.
A terceira particularidade se refere à estrutura de incentivos para cada um dos agentes, diretos ou indiretos. Na realidade, são estes incentivos que verdadeiramente direcionam cada um dos participantes do sistema. Um exemplo disto está na frequente ausência de coparticipação do usuário, em que o cliente paga uma parte do custo total. Um outro exemplo está na metodologia de comissionamento do corretor, atrelada em parte significativa à venda imediata e não à manutenção do cliente e/ou ao equilíbrio da carteira. E um terceiro exemplo está na remuneração daqueles que entregam os serviços (prestadores de serviços médico-hospitalares) que são remunerados por volume e não pelo valor gerado ao paciente.
Por fim, a absoluta ausência de correlação entre risco e o preço que se paga. E, quando se fala em risco em saúde, estamos falando em grande parte em hábitos de vida uma vez que os mesmos têm impacto direto sobre os custos. Porém, esta lógica quando se trata de planos de saúde não vai além da idade do beneficiário. O usuário deve sim ser chamado à sua responsabilidade e incentivos adequados neste sentido podem ser um ótimo caminho.
O que temos hoje é uma situação caótica e antropofágica, na qual os atores do sistema de saúde suplementar são movidos unicamente com base em interesses específicos, imediatistas e insustentáveis das partes que inviabilizam os demais agentes, exatamente aqueles com os quais se deveria procurar estabelecer relações de interdependência de longo prazo. Ao longo dos anos a incompetência coletiva tem levado à destruição de valor do sistema de saúde suplementar.
Precisamos nos conscientizar de que o produto comercializado pelas operadoras de planos de saúde, por estar relacionado à saúde de um indivíduo, acaba se traduzindo em um bem não valorável e emocionalmente complexo. Por estes motivos o ser humano tende a ter um comportamento irracional levado por um pensamento mágico de que tem direito a tudo. Ganhos individuais não podem mais estar desassociados da certeza de que também se reverterão em ganhos sistêmicos.
A falta de compreensão destas particularidades tem produzido erros de percurso, deslizes e desgastes, emperrando iniciativas que efetiva e urgentemente nos tirem da rota de inviabilização. Em momentos de crise é que se cria coragem e se desenvolvem competências para pensar e agir diferente. Acredito que mudanças disruptivas estão por vir no curto prazo.