Por Adriano Londres e André Ehrmann Fusco
Nos últimos artigos temos compartilhado diversas reflexões sobre os impactos do conoravírus. Desde a recente regulamentação da telemedicina ao novo papel das empresas contratantes de planos de saúde e da esperada corresponsabilização dos beneficiários às mudanças na dinâmica de trabalho, estiveram alguns dos temas abordados. Os desdobramentos serão certos em todos os campos para os quais nossas mentes viajarem. Mas foi uma reflexão recente, fruto de um destes artigos, que me fez convidar seu autor, André Fusco, para juntos falarmos aqui sobre as situações pelas quais, sem perceber, algumas empresas acabam gerando contextos que podem contribuir para o adoecimento mental.
Voltando alguns passos, gostaríamos de contextualizar este assunto citando um trecho de artigo recente que pavimenta o caminho na direção da reflexão acima. Em “Reflexões sobre o legado do conoravírus para empresas contratantes de planos de saúde”, escrito conjuntamente com Luiz Feitoza, registramos que “as empresas necessitarão ouvir o colaborador…. talvez (tenham) agora um canal aberto com o funcionário que vai muito além das pesquisas de clima e questionários de saúde. É preciso estar próximo e mostrar uma preocupação legítima com a saúde do colaborador.”
O fato é que precisamos obrigatoriamente ir além e mais fundo na direção do desafiador objetivo de gerar saúde para as pessoas. Isto porque se as empresas se resumirem a “interferir” na vida pessoal e no comportamento dos colaboradores, sem necessariamente refletirem sobre a eventual influência que elas mesmas podem estar tendo na saúde destas pessoas, os resultados podem não ser os esperados, tanto nos balanços, quanto na saúde dos funcionários.
Não estamos falando de algo novo, mas sim de uma enorme dificuldade que encontramos hoje. Afinal, no contexto do trabalho, o compromisso com o cuidar do colaborador frequentemente se origina no fato das pessoas estarem adoecendo naquele ambiente. É aqui que muitas vezes surgem as salas de descompressão e outras tantas iniciativas, mas que jamais serão efetivas se também não se procurar tratar daquilo que efetivamente vem comprimindo as pessoas.
Citando um outro exemplo, que tal pensarmos além da concessão de bônus para quem dá mais passos por dia ou frequenta aulas de mindfullness e incorporarmos à nova agenda corporativa reflexões sobre como necessariamente contribuir para um trabalho mais saudável? Não podemos fechar os nossos olhos para o fato de que os incentivos financeiros para performance e as desejadas bonificações podem por vezes gerar conflitos éticos, o que, por sua vez, contribui para o adoecimento mental. Em suma, a vivência no trabalho pode muitas vezes representar a causa das doenças mentais.
A grande oportunidade que reside neste olhar é de que ele permite a análise dos aspectos psíquicos, de forma que, ao invés das pessoas adoecerem, elas se realizem no trabalho e encontrem um sentido para a vida o que, ao fim e ao cabo, traz resultado para todos.
Sem que percebam, o que tem faltado para algumas empresas é um olhar maior para a subjetividade, um olhar maior para as relações humanas e para as necessidades humanas, um olhar que transcende as legítimas e necessárias buscas de resultados. Ao se caminhar nesta direção, muito provavelmente será menos necessário lançar mão de mecanismos de compensação e da adaptação das pessoas às eventuais condições insalubres e estressantes. Portanto, o estudo do lado humano da organização do trabalho é fundamental para o desenvolvimento de um ciclo virtuoso onde todos ganham.
É neste contexto que entra o papel do médico do trabalho que, como diz o próprio nome, é do trabalho e não do trabalhador. Quando se é exclusivamente médico do trabalhador, a preocupação passa a ser a adaptação do funcionário às condições às quais ele se submete. Porém, quando se entende que o médico é do trabalho, o foco passa a ser de como adaptar o trabalho ao homem indo ao encontro das ações mais preventivas. E quando falamos em adaptar o trabalho às pessoas podemos estar falando desde uma simples tarefa, área, serviço ou até mesmo da própria empresa.
Sempre que procuramos o lucro sem necessariamente pensarmos no valor que estamos gerando, é quase como falar em um lucro injustificado. E este lucro injustificado não é só ruim para o cliente, ele também é ruim para as pessoas que trabalham na empresa. Afinal, não podemos esquecer que o valor que geramos no trabalho define a forma como participamos da sociedade.
Que fique claro que não estamos falando, de forma alguma, que o empresário está sacrificando a saúde do colaborador em prol do lucro. Muitas vezes o que ocorre é que o adoecimento começa no próprio empresário que se vê obrigado a ceder às pressões do mercado num contexto de conceitos e crenças enraizadas no mundo competitivo dos negócios. E é aqui que, de forma despercebida, pode-se estar ultrapassando uma barreira onde o valor gerado fica em segundo plano e o lucro acaba se sobressaindo.
Desenvolver um trabalho no qual não se acredita, que eventualmente fere moralmente, que não é reconhecido e/ou no qual não se enxerga valor, irá necessariamente gerar conflitos e reflexões sobre o sentido do que se faz. Infelizmente, muitas pessoas acabam se sujeitando a isto por uma questão de sobrevivência. Outras tantas, o fazem a partir de uma remuneração em patamares (algemas de ouro) que compense trabalhar em algo no qual intimamente não se acredita.
Não é por este motivo que muitos profissionais chegam ao ponto de mudar de trabalho para ganhar ($) menos, mas necessariamente muito mais em termos de sentido e, consequentemente, de vida. Estes são os casos em que, no contexto de um trabalho onde se vivenciam sofrimentos morais e éticos nem mesmo as compensações, financeiras incluídas, trazem propósito ao indivíduo.
Ampliando um pouco mais esta perspectiva, não nos esqueçamos que o propósito de uma empresa é de gerar valor para a sociedade tendo como contrapartida o lucro. Ao se focar nisto de forma legítima, o resultado será melhor e mais sustentável para o colaborador assim como para a empresa. E neste contexto, todos sairão ganhando.
A novidade é que agora existem meios através da ergonomia da atividade e da psicodinâmica do trabalho de avaliar a influência da organização do trabalho e do modelo de negócio para que os incentivos, a forma de avaliação, os rituais das empresas e o resultado final seja promotor da saúde e de engajamento e realização profissional.