Adriano Londres é fundador e sócio da Arquitetos da Saúde. Com 30 anos de experiência na saúde suplementar, acredita que a crise do coronavírus vai impactar toda a cadeia do ponto de vista econômico. Acredita também que este pode ser um bom momento para se derrubar muralhas corporativistas que prejudicam o sistema. “Muitos sairão melhores desta crise, pois a urgência e gravidade têm feito com que sejam construídas soluções conjuntas. A pandemia atinge a todos de forma democrática e não sobra espaço para buscar culpados”.
Que efeitos colaterais econômicos decorrentes do coronavírus poderão comprometer a cadeia da assistência na saúde suplementar?
Adriano Londres: Esta é uma pergunta que pode ser analisada sobre várias óticas, dada a variedade de atores na cadeia. O que entendo como algo certo é que todos estes serão impactados do ponto de vista econômico, em maior ou menor grau. Isto já está ocorrendo e poderá ser agravado a depender da dimensão da pandemia em nosso país, tendo em vista inclusive as medidas restritivas em vigor. O cancelamento de procedimentos eletivos, para dar um exemplo, já está trazendo impacto na receita de hospitais e talvez mais ainda nas unidades que atendem pacientes eletivos em caráter ambulatorial. Para estas, na ausência de capital de giro o impacto pode ser enorme levando inclusive ao fechamento.
Para fins desta pergunta, gostaria de desenvolver em mais detalhes os impactos que necessariamente existirão para as empresas que contratam plano de saúde para seus colaboradores, tendo em vista que são as principais financiadoras do sistema de saúde suplementar. Ainda que muitos acreditem, me parece que ainda é cedo para dizer qual será o impacto da pandemia para a sinistralidade das apólices destes planos. Se no curto prazo deve ocorrer uma redução no sinistro, por outro lado é esperado que isto seja neutralizado pelo aumento de custos por conta de internações decorrentes do coronavírus. Mais à frente teremos ainda a retomada dos procedimentos eletivos, o que pode trazer um impacto na sinistralidade a partir do segundo semestre.
Existe ainda um impacto previsto em decorrência das demissões que são esperadas como consequência da drástica redução na atividade econômica em alguns setores da economia. Ao longo deste processo, poderemos observar um aumento na sinistralidade das empresas já que o run-off (despesas de beneficiários excluídos por conta das demissões) recairá sob suas respectivas apólices. Há ainda um terceiro efeito que se refere à eventual necessidade de empresas terem que rever as suas políticas de benefícios, mesmo para aquele contingente de colaboradores que continuar empregado. Porém, por conta da crise iniciada em 2014, parte da munição existente na época (migração para planos verticalizados de menor custo, downgrades e/ou aumento de custeio pelos colaboradores) já foi utilizada por muitas empresas, que ficaram com menos margem de manobra. É bem verdade que talvez seja o momento para que muitas destas, principalmente as médias e grandes, que apenas recorreram às medidas acima sem nada mudar na sua forma de gerir a saúde dos colaboradores e dependentes, venham a mudar de atitude em relação ao plano oferecido, entendendo que cabe repensar o seu papel neste contexto. Como já temos visto, muitas empresas grandes assumiram a rédea deste processo e tiveram resultados expressivos de redução de custos às custas de uma gestão efetiva de saúde. Acho que esta pode ser uma saída importante e necessária, visando não só minimizar os efeitos colaterais, mas principalmente entender que a redução de custos ocorre como consequência de um novo olhar para a saúde dos colaboradores e seus familiares.
Qual o papel do órgão regulador e das entidades representativas dos diversos elos da cadeia neste momento?
Adriano Londres: A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) já tem agido em várias frentes dentro do que cabe a ela enquanto órgão regulador. A inclusão do exame para verificar a existência do vírus no Rol de Procedimentos, assim como a dilatação de prazos mínimos de atendimentos e a regulamentação da telesaúde, estão entre importantes e necessárias medidas. A meu ver, um passo fundamental a ser tomado se refere a medidas que garantam liquidez às operadoras de forma que estas possam, a partir por exemplo da liberação de parte de suas reservas, garantir o fluxo de pagamentos aos prestadores de serviços médico-hospitalares, os garantidores da assistência em última análise.
Quanto às entidades de classe, acredito que o maior desafio neste momento seja derrubar as muralhas corporativistas que tanto prejudicam o sistema. A título de ilustração vimos o CFM ter que regulamentar a toque de caixa, e de forma incompleta ainda, a telemedicina no Brasil. Este recurso tem sido fundamental na estruturação do atendimento em tempos de pandemia. Porém, é vergonhoso testemunhar que este assunto estava paralisado desde 2002, data da última regulamentação sobre o tema.
Há alguma lição ou oportunidade que as empresas contratantes, operadoras, prestadores e até beneficiários possam retirar dessa crise?
Adriano Londres: Sem dúvida, ainda que de forma forçada, muitos sairão melhores desta crise. Percebo que a urgência e gravidade do assunto têm feito com que atores dentro de um mesmo elo, procurem construir soluções conjuntas. A pandemia está nos fazendo transformar discursos em ações. Tendo em vista que ela atinge a todos de forma democrática, não sobra espaço para apontar o dedo para terceiros, buscando culpados. O momento atual será de imensa oportunidade para aqueles que entenderem os seus deveres e as suas oportunidades. Neste sentido, olhar para dentro me parece fundamental para todos. Por fim, ainda que saibamos que país algum do mundo em momento algum da história se preparou para pandemias, uma outra lição que fica é a importância de endereçarmos temas da saúde a partir de um olhar estruturante pautado por políticas (e não politicagem), bem como um olhar mais abrangente sobre as causas da falta de saúde