Com alguma frequência tenho escrito a respeito do papel das entidades de classe que representam os diversos elos da cadeia de saúde suplementar. A partir da visão crítica que tenho de boa parte delas, resolvi revisitar o meu discurso de despedida à frente do SINDHRIO (Sindicato de Hospitais, Clínicas e Casas de Saúde do Rio de Janeiro), em março de 2007. O referido discurso reúne aquilo que esteve, de uma forma ou outra, presente naquela caminhada e que ainda julgo bastante atual para os dias de hoje.
10 Mandamentos
1. Desprendimento: Duas questões são importantes aqui. Em primeiro lugar, a noção clara da missão de servir e de representar. Seria inaceitável fazer de um cargo representativo uma forma de se servir.
Em segundo lugar, não devemos procurar priorizar ações simplesmente pelo fato de que seus resultados poderão ser colhidos no curto prazo e/ou dentro de um mandato. O conhecimento dos dilemas e desafios da saúde, assim como a compreensão do respectivo tempo de maturação de partes destes, deve levar as lideranças a priorizar, muitas vezes, o semear sobre a colheita.
2. Princípios, Valores e Crenças: São inúmeros os princípios, valores e crenças que julgamos fundamentais, mas vamos nos ater a alguns. Em primeiro lugar, a noção de que o paciente é a finalidade de todo o sistema de saúde e de que nós – operadoras, médicos, hospitais, industrias, etc. – somos todos meios para se atingir este objetivo. Ou seja, há que se tomar muito cuidado para não tornar os fins meros meios, esquecendo-se os fins para os quais estes meios foram criados.
Devemos ainda ter nossa conduta pautada pela ética. Uma outra forma de resumir isto seria a de procurar tratar os outros como gostaríamos de ser tratados.
É importante ainda compreendermos que, mesmo quando inserida no contexto da saúde suplementar, a saúde deve ser sempre entendida, em primeiro lugar, como um bem público.
O exercício do espírito público, estando ou não em cargo público apresenta-se como compromisso inalienável.
A geração de resultados, pecuniários ou não, jamais deve ser vista de forma preconceituosa. Muito pelo contrário, concordamos plenamente com Dr. Carlos Salles, ex-presidente da Xerox do Brasil que nos ensinou que o lucro responsável é uma obrigação ética.
Para fechar este mandamento, passamos a falar sobre algo que tem estado esquecido ou adormecido no consciente coletivo. Referimo-nos à importância de mantermos a capacidade de nos indignarmos, denunciando a falta de ética, de moral e de respeito. Cabe a cada um de nós denunciar qualquer sinal da falência institucional generalizada que nos agride por todos os lados.
3. Visão Sistêmica: Dois pontos se destacam aqui. Em primeiro lugar, a noção de que a verdadeira defesa das instituições de saúde associadas, e até mesmo as não associadas, deve sempre ser feita no contexto geral e não no ‘defender por defender’. Embora a ação seja local, o olhar inicial deve ser sobre o todo.
Entendendo ainda a profunda relação de interdependência dos atores em questão, sejam operadoras-prestadores, representantes do capital-representantes do trabalho e, principalmente a relação médico-paciente (entre outras), o nosso compromisso deve ser sempre de buscar a viabilidade da parte boa de que cada um dos elos desta cadeia da saúde, condenando a frequente postura corporativista e ultrapassada de se achar que é possível defender o todo da parte em detrimento do restante da cadeia.
4. Jamais se vitimar: Já foi comum a postura de vítima dos diversos atores, pelos corredores da saúde. Quando presentes, sempre procuramos dizer que se somos vítimas, somos igualmente culpados. Aprendi com meu pai que vítima é aquele que se coloca fora do problema. E, para resolver impasses, precisamos nos colocar dentro do problema assim como colocar os demais dentro dos problemas.
5. Investir em Informação e Conhecimento: Indubitavelmente as mentes daqueles que ocupam importantes cargos à frente da área da saúde não evoluíram na mesma velocidade que a medicina e a tecnologia médica. Por este motivo, há que se investir tempo e recursos na geração de informações relevantes e na produção de conhecimento. A eliminação da inércia entre os já conhecidos diagnósticos a as efetivas soluções passa pela produção de consciência.
Cabe destacarmos a necessidade de termos compromisso com a consistência técnica dos estudos desenvolvidos nas mais diversas frentes.
6. Investir tempo junto aos atores indiretos: Com frequência deixamos de nos conscientizar sobre o grande impacto que atores indiretos têm sobre o campo da saúde. Por desconhecimento, demagogia, ideologia e hipocrisia, entre outros, há que se dedicar tempo para decodificar a complexa teia da saúde e suas particularidades junto à imprensa, judiciário, legislativo e executivo. Este é um trabalho que deve ser construído a cada dia, criando assim, canais confiáveis de comunicação e referência junto àqueles que nos afetam diretamente.
7. Tenha Opinião: Certo ou errado, sempre procure emitir opiniões e posicionamentos sobre temas direta e indiretamente relacionados à área da saúde. Da mesma forma, deve-se estar aberto para críticas e prontos para reverter posições, se necessário. Aprendemos com Horacio Piva, ex-presidente da FIESP, que uma entidade deve definir seu perfil de comunicação.
8. Compromisso com a melhoria constante do segmento: Segundo seu ex-presidente Carlos Salles, o Movimento Brasil Competitivo (MNC) prevê três níveis de competitividade. Em primeiro lugar, cabe o estímulo às chamadas melhorias intramuros das instituições onde as instituições de saúde buscam, por exemplo, a Acreditação Hospitalar contribuindo com isto para a melhoria da qualidade, bem como para a profissionalização de sua gestão. Já no nível estrutural, busca-se o aumento da competitividade setorial a partir dos elos comuns. Aqui, cabe aos atores identificarem pontos comuns e definirem agendas conjuntas e produtivas. Por fim, existe o nível sistêmico onde o segmento, já tendo atingido certo grau de maturidade, atua de forma conjunta emitindo posicionamentos políticos conjuntos. Há muito que caminharmos nesta direção.
Acreditamos que o segmento suplementar de saúde terá a importância que merece no dia que se der a importância que tem. E assim, entenderá o papel que tem nas definições de políticas para o sistema de saúde brasileiro.
9. Pensar grande e ousar: Procure sempre pensar grande, independente do seu tamanho. Busque ser um exemplo que possa ser replicado em outros cantos do país, independente da sua restrição regional. Seja ousado na busca de suas metas. Quebre os paradigmas tão enraizados na área da saúde.
É importante ainda ousar, agindo de forma diferente da tradicional. Entendendo o nosso papel no contexto do sistema, muitas vezes ousamos em nossos passos, mas sempre muito seguros de que estávamos defendendo princípios. E quando se tem isto claro, o trabalho, embora desafiante, não é difícil.
10. Amor: A vida sem amor não tem sentido. Por este motivo a vida de muitos anda tão sem sentido. Segundo Dr. José Salvador Silva, Presidente do Hospital Mater Dei, em Belo Horizonte, ‘escolher o caminho do coração é o mesmo que ter paixão por algo que nos propomos a fazer.’ Para muitos, os mandamentos acima citados talvez sejam vistos como virtudes. Mas enxergamos como obrigação daqueles que ocupam cargos como este. E obrigações não devem ser vistas como virtudes, mas sim como deveres. Infelizmente, mais por imobilismo do que por visão, temos visto pouca evolução em relação aos mandamentos aqui propostos. Quem sabe não é hora de revisitá-los?