Operadoras e Prestadores: O que verdadeiramente nos impede de mudar? | Arquitetos da Saúde
Reflexões para Ontem

Operadoras e Prestadores: O que verdadeiramente nos impede de mudar?

O que dizer sobre o relacionamento entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços que ainda não tenha sido dito? Documento de agosto de 2010, tendo como signatárias entidades representativas de operadoras de planos de saúde e hospitais, cita que “o setor possui uma lógica de remuneração que privilegia uma relação de custo-benefício perversa, com custos administrativos elevados e que não geram valor agregado na produção dos melhores resultados de saúde.”

Grupos técnicos de trabalho, estudos a respeito de novas sistemáticas de remuneração envolvendo procedimentos gerenciados, conta aberta aprimorada e tabela compacta, assim como projetos pilotos entre operadoras de planos de saúde e hospitais, têm se apresentado como iniciativas necessárias ao setor. Porém, na prática, a sensação é que pouco temos caminhado na direção da implantação efetiva das soluções apresentadas.

Cabe, portanto, refletirmos sobre o que, quase oito anos depois da assinatura daquele documento, verdadeiramente nos impede de mudar se sabemos que o que temos hoje não se apresenta como viável.  Aparentemente, sofremos do “paradoxo do infartado”, em que grande parte dos candidatos ao infarto, pelos hábitos de vida, mesmo ciente dos riscos, pouco fazem para mudar. Agem  no curto prazo, mesmo sabendo dos riscos de longo prazo. Os que sobrevivem, mudam apenas depois do infarto.

Tenho pensado sobre esta correlação com a postura de nossos atores e, intuitivamente, acredito que as causas podem estar na ausência do que chamo de três “Cs”:  confiança, competência e conjuntura.

CONFIANÇA

Racionalmente temos o diagnóstico e a terapêutica envolvendo o modelo de remuneração entre operadoras de planos de saúde e prestadores de servicos médico-hospitalares. Mas emocionalmente pouco mudamos, acredito que pela falta de confiança entre os atores. Temos receio de dar o primeiro passo na mudança de nossos modelos de relacionamento, mesmo que necessariamente os passos seguintes já estejam previstos, conforme recomendado pelos estudos e relatórios amplamente divulgados e validados. Preferimos ficar presos à falsa sensação de segurança de que o modelo atual é o que nos viabiliza.  Em longo prazo, não serão  referências em tabelas  SIMPRO, Brasíndice ou margens OPME que irão garantir a viabilidade de um hospital junto às operadoras de planos de saúde parceiras. Da mesma forma, não serão negociacões de reajustes de diárias e taxas abaixo dos custos hospitalares, bem como a implantação de  transposições de margens que firam as premissas técnicas necessárias, que garantirão os resultados necessários às operadoras de planos de saúde.  Nossa viabilidade não se sustenta na forma como hoje nos relacionamos.  A importância estratégica que temos para os nossos parceiros, e vice-versa, deve servir de alicerce para a construção de uma relação de confiança, que permita a adoção de mudanças, sempre pautadas por premissas técnicas.

COMPETÊNCIA

O acesso à informação parece estar por trás de uma das possíveis causas de inércia também. Afinal, hoje é fácil o discurso das soluções, ainda que isto não se  traduza em competência para fazê-la. Chega a ser impressionante a forma como as divulgamos, bastando um pouco de conhecimento teórico para sermos convincentes. Todos nós já lemos Michael Porter, assim como todos nós, representados pelas entidades de operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços, assinamos documentos que trazem novos rumos e diretrizes para o nosso modelo de remuneração.  Mas entre saber o que fazer e de fato fazer, há uma grande distância. Operadoras de planos de saúde e hospitais podem também estar sofrendo deste mal.

A efetiva gestão de saúde, de um lado, e a gestão de corpo clínico de outro, parecem estar entre os maiores desafios de operadoras e prestadores de serviços, respectivamente.  E são absolutamente necessários na busca de racionalidade e qualidade na prestação de serviços.

Independente do momento em que venha ocorrer, a necessária mudança na gestão assistencial, muito mais do que na gestão empresarial, será o que colocará operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços em posiçõoes estrategicamente diferenciadas.

Estou convencido que a aliança entre operadoras e prestadores de serviços, com médicos de comprovada competência técnica, compreensão sistêmica e justa remuneração, se apresenta como um importante desafio da cadeia de saúde.  Médicos,  desprovidos de uma visão corporativista, precisam enxergar isto de forma estratégica, entendendo a vital importância que têm sobre os desafios da saúde suplementar. Trazê-los para perto, como participes das necessárias mudanças, parece ser o maior desafio de longo prazo de operadoras e prestadores de serviços.  E, nesse sentido, pouca competência tem sido observada.

CONJUNTURA

Por fim, há um ditado que diz “a dor ensina a gemer.” Até uns poucos anos atrás não tinhamos, coletivamente, chegado neste momento.  O crescimento econômico de então vinha impulsionando o crescimento de planos de saúde bem como da oferta de serviços de saúde por inúmeros hospitais.  E, sistemicamente vinhamos todos (aqui não me restrinjo apenas as operadoras e prestadores, mas a toda gama de atores da cadeia de saúde suplementar) expurgando as óbvias e necessárias mudanças estruturantes e disruptivas em função desta conjuntura que nos permitia uma falsa acomodação.

Mas com a crise economica (entre tantas outras), veio a “dor” e com esta vieram a perda no numero de beneficiarios, piora nos resultados de operadoras e prestadores. Assim como o Brasil, demos alguns passos para trás, sem termos feito o dever de casa.

Relembrando uma conversa de uns poucos anos atrás com o presidente de uma grande indústria,  que reclamava dos altos reajustes de sua apólice, ano após ano,  tive uma certeza. A partir daquele momento tive a visao de que, salve rarissimas excecoes, serão as empresas contratantes, responsaveis por quase 70% dos planos de saude,  que nos farão mudar. Se de um lado a conjuntura pouquissimo mudou a relacao entre operadoras e prestadores (pelo contrario, me arrisco a dizer que vivemos mais um momento de tensionamento deste infindável cabo de guerra), esta mesma conjuntura já faz co que grandes empresas entendam a importancia que tem como co-gestoras da saúde de seus colaboradores e assumam este papel de mudança. Afinal, a dor das ineficiências e desperdícios, ao fim e ao cabo, bate em seus bolsos!

Adriano Londres