Extremamente louvável a iniciativa da Agência Nacional de Saúde Suplementar em promover o evento “Ouvindo os Contratantes: Como os Grandes Consumidores de Planos de Saúde podem Participar das Decisões Regulatórias?” Em sua fala de abertura, Rodrigo Aguiar, Diretor de Desenvolvimento Setorial convocou as empresas contratantes a refletirem sobre a necessidade de uma atuação mais efetiva nas decisões da saúde suplementar, lembrando que os mesmos são responsáveis por financiar dois terços dos planos de saúde existentes. Mostrou, por meio de exemplos, o que reflete a apatia histórica deste fundamental elo da cadeia, como a baixíssima adesão de financiadores nas diversas frentes existentes do órgão regulador, como as audiências e consultas públicas, entre outros.
Este recente evento, dividido em cinco painéis expositivos, teve o objetivo de demonstrar as formas de participação possíveis, esclarecer algumas das principais dúvidas que chegam ao órgão regulador e ouvir os questionamentos dos presentes.
Entre outros pensamentos, saí de lá refletindo sobre o teor de várias das perguntas realizadas pelos participantes. Muito mais que o seu conteúdo em si, gostaria de abordar o espírito do que foi perguntado e posteriormente respondido (em algumas ocasiões apenas parcialmente) pelos técnicos presentes. Foram inúmeras as vezes em que estes (financiadores, operadoras, corretoras ou consultoria), colocaram seus pontos de vista com tintas de vítimas do contexto para, em seguida, sugerir que a ANS deveria fazer algo a respeito. A estes, pareceria que nada mais lhe cabia a não ser denunciar e reclamar.
Assim foi quando se abordou, por exemplo, a qualidade e transparência do banco de dados de operadoras, valores de OPMEs cobrados às empresas e qualificação da rede assistencial, entre outros tantos. Em boa parte dos temas, aquele que perguntava, além de apontar um culpado pelo problema, não demonstrava enxergar o seu papel na busca das soluções e, por fim, jogava no colo da ANS a responsabilidade pela solução de todas as mazelas do sistema.
Em determinado momento pedi a palavra para fazer algumas considerações. Em primeiro lugar, deixei clara a minha visão de que as empresas pareciam não entender a sua importância no contexto, assim como a necessidade de uma atuação efetivamente protagonista. Em segundo lugar, registrei que este processo não deveria se tratar de uma caça às bruxas com o objetivo de eliminar operadoras, corretores, hospitais, médicos, fornecedores etc. da cadeia, mas sim de liderar, enquanto financiadores do sistema, o processo de cobrança de valor (resultados, experiência, custos) ao longo de todas as suas interfaces com estes elos da cadeia. Por fim, com o objetivo de exemplificar minhas considerações anteriores, citei um simples caso que poderia contribuir com o encaminhamento de todos os pontos acima citados e que dependia apenas da empresa. Referi-me (sem obviamente querer aqui simplificar um tema complexo, mas sim demonstrar que muitas das soluções estão absolutamente ao alcance das mesmas), ao processo de seleção de uma operadora de plano de saúde por parte do financiador. Vamos a ele.
É absolutamente corriqueiro que o processo de estudos de mercado se preocupe apenas com temas como rede, valores, reembolso, acomodação etc. Ou seja, aborde apenas características do produto e temas relacionados a aspectos financeiros (lembrando que é este o incentivo, desalinhado e conflitante inclusive, da imensa parte dos corretores de planos de saúde). Algumas destas, para florear suas apresentações em powerpoint, apenas tangenciam outras vertentes que deveriam ser fundamentais no processo de escolha. Incluem, no limite, o Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS) da ANS, mas passam rapidamente sobre os mesmos, deixando de efetivamente contribuir de forma pedagógica para melhor compreensão do financiador a respeito deste importante indicador (entre outros tantos existentes).
Pois bem, falar disto tudo é naturalmente importante, mas passa ao largo de ser suficiente. Esta abordagem, no contexto atual da saúde e do país, chega a ser um desserviço de parte dos corretores na contribuição para a construção de uma cultura baseada em valor.
Voltando aos temas acima citados, por que no processo de estudo de mercado os financiadores não demandam de suas corretoras e estas das operadoras de planos de saúde informações tecnicamente fundamentadas sobre temas como: qualidade e pontualidade da base de dados da operadora, rede de prestadores de serviços acreditados nacionalmente ou internacionalmente, existência de programas efetivos de atenção básica, existência de estruturas de coordenação do cuidado, indicadores de desfecho de prestadores da rede das respectivas operadoras, percentual do sinistro da operadora contratada sobre formas inovadoras de remuneração como diária global e procedimentos gerenciados, relação de preços de determinados OPMEs de suas redes (já que as operadoras não fornecem as suas tabelas) a ser selecionado pelo financiador em função de suas dores pregressas em relação a este tema muitas vezes policialesco, para que se tenha alguma noção do patamar destes?
Isto não é feito por alguns motivos. De um lado muitas vezes falta por parte do intermediário que faz a tomada de preço, vulgo “cotação”, o conhecimento técnico e visão sistêmica para tal. De outro lado, há essa obsessão pelo menor prêmio a curto prazo (por parte do empregador) mesmo que seja insustentável a longo prazo ou por parte do intermediário, a prioridade do produto com o melhor comissionamento conforme contexto.
O financiador, por sua vez, começa a entender que precisa mudar, mas muitas vezes não sabe por onde começar. Precisa ser assessorado por aqueles que tenham atuação isenta e ofereçam soluções reais, visando a contribuição para a sustentabilidade do plano de saúde. Felizmente, a partir de iniciativas dos próprios financiadores, e com contribuição da ANS, este cenário começa a mudar. Falando em ANS, me pergunto diante do que assisti, qual a proporção de propostas que chegam a ANS, independente do elo da cadeia, e que estejam alinhadas com uma visão sistêmica e de longo prazo? Parece-me que o que chega é mais do “cachorro correndo atrás do próprio rabo.”
Saí do evento pensando na famosa frase do discurso de posse de John Fitzgerald Kennedy como presidente dos Estados Unidos da América, em 20 de janeiro de 1961: “não pergunte o que seu país pode fazer por você. Pergunte o que você pode fazer por seu país.” Inspirado em Kennedy e baseado no espírito de muitas das perguntas e considerações que vi por parte dos participantes, já é mais que hora de “pararmos de perguntar apenas o que a ANS pode fazer por nós, e sim aquilo que nós podemos fazer pela sustentabilidade da saúde suplementar.”