Participamos do e-book “O Que a Sua Empresa Precisa Saber Sobre Saúde – Conceitos e Dicas para Começar Hoje”, organizado pela Oli Saúde e publicado em ocasião do Dia Mundial da Saúde, comemorado em 7 de abril.
No livro, o sócio da Arquitetos da Saúde Luiz Feitoza escreveu sobre a necessidade de gestores de benefícios estarem bem alinhados com as motivações da sua empresa ao subsidiar o plano de saúde aos colaboradores para evitar fracassos. ele pode estar sujeito ao fracasso. Ele traça um panorama sobre os perfis mais comuns das empresas e como esse gestor pode identificá-los.
Segue abaixo o texto na íntegra.
O gestor, a visão da empresa e a relação com a gestão do plano de saúde
Na gestão de plano de saúde coletivo, uma das ferramentas mais importantes que o gestor pode dispor é o redesenho das políticas de benefício do plano médico. Na verdade, muito se pode resolver através de uma política de benefícios alinhada aos valores da organização, porém, muitas vezes esta política não vai ao encontro das características do plano de saúde, do modelo de regulação da operadora ou das decisões que as empresas tomam.
Claro que se pode sempre rever um contrato, rever a parceria com uma operadora, ou até mesmo trocá-la através de uma concorrência bem organizada, mas antes disso, uma das primeiras necessidades, é que o gestor identifique a postura da sua organização entre o discurso e a prática quanto ao plano de saúde.
As vezes existem mudanças que o gestor do plano de saúde não enxerga por falta de orientação e tantas outras, o gestor sabe o que é certo, mas a empresa não apoia ou pior sabota toda a tentativa de mudança. Mas faz sentido isso? Claro que não. Mas acontece? Com certeza acontece mais do que se imagina.
Imagine o seguinte cenário fictício:
Olá, sou o head de recursos humanos e sob minha gestão também bem está o plano de saúde. Eu particularmente preferiria que esse assunto estive com o financeiro porque nem sempre eu dou a palavra final sobre o tema, pois tem um alto custo para a empresa a manutenção deste benefício, mas como este benefício está altamente relacionado com a retenção de talentos e com obrigações sindicais, sobrou para minha área.
Estamos em dezembro. Apesar do clima festivo típico do final de ano, passamos por sérias dificuldades na gestão do benefício médico. Logo agora que eu, gestor de benefícios, estaria saindo de férias, tive de adiá-las até resolver uma séria questão que se aproxima: o reajuste do plano médico. Somos uma empresa grande, com muitos funcionários e no plano também estão seus respectivos dependentes. Temos um contrato de plano coletivo em pré-pagamento com uma operadora renomada. Nossa sinistralidade está bastante alta e não é de hoje que está muito acima do limite técnico estabelecido em contrato.
O próximo reajuste será aplicado em fevereiro do ano seguinte, ou seja, daqui a dois meses e numa reunião de diretoria, fui informado que nosso reajuste tem que ser de no máximo 4,5% porque esta foi a inflação geral de preços e dos nossos produtos também, ademais, o dissídio já foi de 5%, o que pressiona ainda mais nossas margens.
Levantei todas as informações possíveis do benefício e constatei que nossas tentativas anteriores era um misto de “sorte” porque a operadora muitas vezes flexibilizou pela metade o índice inicialmente proposto ou de trocas de operadoras que sempre após um ou dois anos nos levavam para o mesmo lugar: não conseguimos repassar o reajuste anual aos colaboradores ou absorver tranquilamente sem afetar nossas margens.
Enquanto eu reunia as informações, fui surpreendido com uma carta da operadora com uma prévia de reajuste propondo 20% de reajuste técnico mais 18% de reajuste por Variação dos Custos Médicos Hospitalares – VCMH. Meu Deus! A meta é 3,4% e a diretora comercial já soube do assunto e me ligou dizendo que sua área não aceitará outra troca de plano médico. O nosso presidente (que neste momento está de férias), quase ao mesmo, enviou um e-mail me parabenizando pelo desafio e está confiante em minha capacidade de resolver. Ele me pediu que eu inclusive pensasse numa solução de redução do custo, ao mesmo tempo que tentássemos resolver a harmonização de uma empresa menor que compramos que tem custos bem menores que nossa matriz em uma outra operadora. Aliás, ele perguntou por que a gente não tenta entender o que tem de tão bom na outra operadora e se não poderíamos chegar aos custos dela, mas sem perder qualidade. Ele me pediu uns 15 cenários e disse que tenho carta branca ainda que não tenhamos nenhuma verba adicional para esse tema “saúde dos colaboradores”.
Ainda que o caso hipotético seja um tanto caricato, eu posso quase apostar que se você já esteve a frente da gestão de um plano coletivo empresarial em algum contexto, em alguma parte desse relato você se identificou.
É um cenário onde ninguém se compromete, todos te cobram por resultado, mas sem renunciar a suas premissas de “não mexa nisso”, “imite o modelo do vizinho”, “sempre foi assim”, “seja radical, mas não afete o clima organizacional”, etc. É muito mais fácil encontrar fogo amigo do que aliados quando o assunto é mexer no plano de saúde da empresa. Isso sem falar no inegável interesse pessoal que todos tem pelo assunto já que plano de saúde é de fato mais que um benefício. É encarado como uma necessidade de primeira ordem. Quase uma “obrigação” da empresa para tantas que tem essa obrigação em acordo coletivo com o sindicato.
Não é para menos que dois terços dos 47,5 milhões de beneficiários de planos de saúde até setembro de 2020 sejam de planos coletivos empresariais.
Em meus anos de experiência atendendo empresas sobre gestão do plano médico, eu gosto de citar cinco modelos mais comuns dentre várias possibilidades de posturas da empresa quanto a gestão do plano médico:
1. A obrigação sindical: existem empresas que dão plano de saúde por uma questão de mera obrigação sindical. Em geral você é cobrado apenas em relação ao menor preço? Talvez investir em programas de prevenção frustre a direção da empresa quanto ao que ela entende por resultado na gestão do plano médico. Uma empresa de baixos salários, alto turnover e pouco investimento em treinamento pode se dar ao luxo de pensar diferente? Nem sempre a mudança de visão é possível, pois também tem a ver com o modelo de negócio da empresa, por exemplo, uma terceirização de serviços gerais, um telemarketing, uma indústria de baixos salários etc.
Nesse modelo, o ideal para o gestor é garantir o acesso com produtos regionalizados que tenham um mínimo de coerência com o produto e acesso. Mecanismos de regulação como coparticipação ou contribuição por cargos podem ser um caminho eficiente.
2. A gestão de custos: Uma empresa pode olhar o benefício apenas como mais um custo a ser gerido, ou seja, o plano de saúde está no mesmo patamar de outros benefícios obrigatórios como, por exemplo, o vale transporte. Neste ambiente ninguém leva a sério questões de gestão da saúde. O plano é dado porque está no acordo coletivo de trabalho ou por mero benchmarking. Este perfil de empresa até diz se importar com a gestão do plano médico, mas costuma não ter muita paciência ou repete os erros anteriores de gestão ou de tentativas frustradas. Por exemplo, já retirou todo o subsídio para os dependentes ou após fazer uma transição ao pós-pagamento, volta ao pré-pagamento porque “se convenceu” de que a gestão do custo não tem jeito, ou porque encontrou uma operadora de baixo custo sem considerar as diferenças de acesso do novo plano.
Nesse ambiente, as ações costumam ser descontinuadas sem dar tempo ao resultado. Um caminho possível é alinhar as expectativas antes. Aprender a fazer as perguntas certas ao corretor e a operadora para comprometê-las em algum grau com boas condições para a renovação do contrato. Afinal, quem precificou foi a própria operadora que eventualmente deu o preço errado. Lógico que casos excepcionais podem ocorrer, mas se este não for o caso no curso da primeira vigência do contrato, a operadora deveria se responsabilizar pela flexibilização do reajuste. O necessário é que o gestor não faça a opção por um caminho mais cômodo por causa de um cenário que a curto prazo parece bom.
Neste perfil a empresa quer reduzir custo sem investir e é preciso mostrar que mudanças duradouras cobram um preço nem que seja no desenho do plano médico ou “perder uma batalha” para “ganha a guerra” se por exemplo tiver que dar um passo atrás para corrigir o desenho do plano investindo em modelos novos de regulação, mas que irão diminuir a variação anual dos custos e por consequência os reajustes anuais.
3. Um benefício a ser mantido: Este tipo de empresa até já tem uma visão de que o plano de saúde é um benefício positivo e importante ao colaborador e ele tem que ser mantido, mas não se tem uma visão estratégica a respeito. Às vezes o básico operacional bem feito pela corretora já é dado como suficiente ou, “se não está fazendo barulho, então está bom”. Ainda que a sinistralidade esteja alta, a empresa se conforma de certa forma com o cenário porque ela ainda consegue absorver o custo. Podemos citar, por exemplo, empresas de prestação de serviço com colaboradores com boa remuneração média. Quando o resultado da companhia aperta é difícil reeducar os colaboradores ou fazer qualquer redução do padrão do plano de saúde. Essas empresas por anos deram o melhor que podiam sem muita distinção, altos tetos de reembolso, acomodação apartamento para 100% dos colaboradores, nunca teve coparticipação, a contribuição era baixa ou não existia e a rede médica era a melhor da região. A gestão passa por aculturar novamente os colaboradores e não é tarefa fácil ou rápida.
É comum que empresas de baixo turnover tenham colaboradores antigos que simplesmente perderam toda a capacidade de comparação ao que eles têm e o que o mercado em média oferece. Nesse sentido, as janelas de oportunidade do gestor são raras. Uma crise temporária pode ser uma oportunidade de mudança, uma fusão ou aquisição pode permitir um benchmarking mais razoável. Uma troca de comando da companhia pode ser o apoio que o gestor precisava para promover mudanças. Muitas vezes as companhias fazem planejamento apenas de curto prazo. Apenas dentro do ano civil, de janeiro a dezembro de cada ano comparando orçado e realizado. Ao gestor do plano médico cabe pensar numa janela muito maior.
4. O plano como fator de retenção de talentos: com uma visão mais estratégica do plano de saúde, algumas empresas veem no benefício uma forma de manter os seus colaboradores, sobretudo os mais talentosos que estariam mais “blindados” dos convites da concorrência. Obviamente que isto acontece num ambiente mais competitivo e quanto mais especializada a mão-de-obra ou quanto maior o investimento no treinamento e capacitação do colaborador. Neste sentido, o plano de saúde pode ser considerado “mais barato” se os investimentos em ações no plano médico diminuírem o turnover. Neste tipo de ambiente o discurso de gestão é mais bem-vindo e o investimento em ações fora da operadora são mais possíveis.
Esse tipo de empresa quase sempre teve uma “época dourada” conseguindo aprovar quase tudo o que tinha cara de moderno, mas sem necessariamente provar ou demonstrar resultados de forma consistente, empírica ou cientifica. Isso muitas vezes cria ceticismo ou dificuldade em renovação de determinadas ações que são boas apesar de não terem sido alinhadas corretamente quanto ao resultado esperado.
Aqui o meu conselho ao gestor é que primeiro ele defina o que é Resultado, assim mesmo, com R maiúsculo porque nem sempre resultado é financeiro. Qualidade pode ser resultado, ficar abaixo de uma meta de variação de custo pode ser resultado, aumentar a previsibilidade pode ser resultado, diminuir o spread entre prêmio e despesa pode ser resultado. O importante é alinhar antes e entender se o seu prestador de serviço de saúde, corretor ou operadora pensam igual.
5. O benefício estratégico: quando o plano de saúde está alinhado aos valores da companhia, as empresas obviamente têm mais expectativa sobre ele e mais preocupações a respeito de sua gestão não só quanto aos aspectos financeiros, mas também quanto aos aspectos técnicos e no impacto na qualidade de vida que efetivamente o plano médico tem sobre as pessoas. O que deveria preocupar o gestor de benefícios em qualquer contexto é quando sua empresa quer redução de custo sem fazer os investimentos correspondentes. Existem muitas empresas que ainda entendem que gestão do plano médico é obrigação da corretora ou da operadora. Para que orçar ações de gestão do plano médico se alguém já recebe para isto? Se já está “embutido no prêmio”. A questão é se o seu corretor ou operadora pensam da mesma forma. Lembro que numa pesquisa desenvolvida pela Arquitetos da Saúde em 2020, 55% das empresas não cobram um SLA dos seus corretores e 57% não cobram este compromisso de entrega das suas operadoras. Se sua empresa é assim, ela provavelmente não enxerga o plano de saúde como totalmente estratégico. Mas se o perfil confere com o descrito neste tópico, talvez sua empresa já esteja em pós-pagamento, já tenha um SLA muito bem definido para a operadora, a remuneração do corretor seja paga diretamente pela empresa ou esteja desatrelada de um percentual do prêmio e do alto índice de reajuste afastando o potencial conflito de interesse e tenha um orçamento para várias ações de gestão do plano médico.
Muitas vezes uma empresa não tem uma única visão internamente. Dentro de uma mesma organização o RH pode ver o plano de saúde como um fator de retenção de talentos, enquanto o CFO vê o plano de saúde apenas como um custo a ser gerido.
O importante para o gestor é buscar qual é a essência da organização, porque se as ações do gestor estiverem desalinhadas com o que a empresa acredita, seu plano pode estar fadado ao fracasso. Cabe ao gestor compreender essa visão corporativa e adaptar as soluções de maneira alinhada à organização, ajustando uma melhor visão a cada conquista ou resultado com o plano médico.
Quanto mais percebido esse ambiente, mais fácil identificar oposições e alianças internas. Aliás, buscar alianças internas para aprovação de um redesenho também é uma ótima estratégia para garantir o sucesso e aprovação do seu plano.
Lembra do nosso gestor no início deste capítulo? Esse quadro ainda pode estar acontecendo agora, esse gestor pode estar ao seu lado, pode ser você em algum grau, mas queremos tranquilizar que há caminhos possíveis. Que o tema plano de saúde é realmente complexo e necessita de um especialista. Um RH, por exemplo, não tem obrigação de conhecer todos os detalhes da lei 9.656 dos Planos de Saúde ou todas as mais de 500 resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde – ANS. O importante é reconhecer o quão importante é o entendimento da visão da companhia antes de propor a solução certa. Existem muitos caminhos que parecem bom, mas estará sempre subordinado a ótica de quem decide sob o risco de que esse decisor está longe do dia a dia do plano médico. É preciso trazê-lo para seu lado de forma estruturada demonstrando segurança, se responsabilizando por suas falas e planos de ação.
Um gestor de benefícios na vanguarda dos conceitos de gestão do plano médico se preocupa em buscar ferramentas que o auxiliem efetivamente a controlar o custo de saúde, tem uma visão mais arrojada quanto às formas de exigir entrega por parte do corretor e/ou das operadoras e pensa em deixar um legado sustentável na organização em relação ao plano de saúde. Afinal, em algumas empresas o plano de saúde é tão importante que faz parte da história da organização (exemplo em autogestões), então perder qualidade ou correr o risco de descontinuidade deste benefício seria destruir um legado. Algo que ninguém quer no seu currículo profissional.
Todas estas visões e comportamentos das empresas não tratam de uma questão de certo ou errado, mas às vezes de cultura organizacional. Eu já presenciei diretor enfrentar o CEO em reunião de diretoria porque a proposta era de uma revisão da rede médica e ele entendia que não era possível “vender” qualquer mudança no plano de saúde para a sua equipe e mantê-la motiva ainda que não houvesse uma análise objetiva para a sua resistência. Já vi CEO pedir dezenas de cenário e simplesmente não conseguir decidir por insegurança e apelar para um amigo ou conhecido corretor como se o fato de se conhecer os produtos do mercado fosse garantia de sucesso ou de entendimento das motivações e necessidades internas da empresa.
Apesar dos desafios, é obrigação do gestor identificar e entender a motivação pela qual a empresa contratou plano de saúde aos seus colaboradores e alertá-la caso a política de benefícios esteja desalinhada da missão escrita e comunicada aos colaboradores e sociedade. Talvez este seja um caminho mais efetivo para acertarmos o ritmo internamente na gestão do plano médico.
Apêndice: mas o que é redesenho de plano médico?
São todas as ações que acordam, ajustam ou alteraram a regra do benefício coletivo de plano de saúde em algumas frentes:
1. No conceito do produto: sua segmentação assistencial (hospitalar, ambulatorial e obstetrícia), sua acomodação (enfermaria ou apartamento), sua abrangência (nacional ou por grupos de estados ou municípios), da rede médica (própria ou credenciada), dos mecanismos de regulação (reembolso, coparticipação ou franquia), da modalidade de contratação (pré ou pós pagamento). O conceito do produto define a visão geral do acesso a assistência de saúde dada ao colaborador.
2. No conceito do contrato: as regras contratuais da operadora seguem um padrão mínimo estabelecido pela ANS, mas ainda assim são importantes por causa de alguns temas específicos ou pelas suas condições particulares, por exemplo, o reajuste anual quanto ao limite técnico e período de apuração as cláusulas de rescisão referente ao aviso prévio ou multa por rescisão antes do final da vigência, da renovação automática etc.
3. No conceito da regulação e mitigação de riscos: por exemplo, o que diz a regulação da ANS quanto a manutenção de inativos (demitidos e aposentados) e como isso tem relação com suas políticas de benefício ou com o eventual risco de reconhecimento de passivo atuarial na companhia.
4. No conceito da política interna: talvez o tema mais importante e de maior ingerência do gestor, tem a ver com a harmonização de cargos e salários garantindo que não há conflitos de equidade e equiparação de funções, o maior acesso possível (titulares e dependentes), meritocracia (cargos e salários), modelo que evite ante seleção de risco (adesão compulsória versus livre adesão), equiparações de abrangência por funções diferentes (fixas, de home-office e em trânsito), harmonizações quando existe a necessidade de mais de uma operadora para a cobertura de toda massa etc.
Em maior ou menor grau, existe a influência do gestor em todas essas frentes que devem ser ajustadas conforme o melhor interesse e capacidade de patrocínio da empresa ao mesmo tempo que dá assistência de verdade ao colaborador e eventualmente a sua família.
Quanto maior a história da empresa com este valioso benefício, mais amplas e seguras serão as ferramentas de análise para tomada de decisão.
Redesenhar um plano de saúde coletivo requer não apenas técnica, mas um profundo conhecimento da sua organização para um melhor ganha-ganha entre a capacidade da empresa e a satisfação dos colaboradores.