Causa desanimo verificar a forma leviana com que parcela da imprensa e órgãos de defesa do consumidor trata temas relacionados à Resolução Normativa 433, publicada esta semana pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A referida resolução traz regras a respeito de mecanismos financeiros de regulação, mais especificamente coparticipação e franquia.
Estes mecanismos de regulação financeira já são amplamente utilizados na área da saúde em outros países assim como em outros ramos de seguros em nosso próprio país, como os de automóvel, por exemplo. Coparticipação refere-se ao valor pago pelo consumidor à operadora (no caso de planos de pré-pagamento) ou empresa à qual é vinculado (no caso de planos de pós pagamento). Já a franquia refere-se ao valor previsto em contato até o qual o consumidor tem responsabilidade de cobertura. Ambos são altamente pedagógicos pelo simples fato de fazer com que aquele que utiliza o plano de saúde (paciente) pense também como o chapéu de quem, em última instância, paga a conta (financiador). Eles contribuem para produzir consciência no cidadão, a quem cabe de uma vez por todas assumir o protagonismo da gestão de sua saúde. Contribui ainda para que o consumidor final também seja um fiscal dos serviços prestados, passando a ter uma postura mais crítica e questionadora a respeito da real necessidade dos mesmos num contexto atual onde, temos que convir, há enormes desperdícios.
A adoção de coparticipação em planos de saúde, principalmente corporativos, já existe há mais de 10 anos, tendo crescido de 22% para 52% de presença nos produtos ofertados. Dados da consultoria Mercer Marsh apontam que, desde o ano passado este patamar já passou para 66%. Segundo o Diretor de Desenvolvimento Setorial da ANS, Rodrigo Aguiar, “mais de 50% dos quase 48 milhões de beneficiários de planos de saúde estão vinculados a planos com coparticipação ou franquia.” Diante desta tendência, esta resolução é muito bem-vinda tendo em vista a necessidade de definição de parâmetros e maior clareza nas regras. Mas a imprensa prefere não abordar desta forma.
Um importante jornal carioca de abrangência nacional, por exemplo, diz que “cobrança de 40% de procedimentos médicos pode dobrar mensalidades de planos de saúde.” Poderiam ter consultado o RH do próprio jornal antes de cometer este equívoco. Muito provavelmente estes mecanismos já são aplicados em sua apólice e é certo que, no momento em que foram introduzidos, geraram redução na negociação do reajuste apresentado ou redução de custos na troca de produto. Poderiam ter ido além e feito uma consulta como cliente potencial às operadoras de mercado sobre preços de produtos com e sem estes mecanismos. A conclusão é óbvia. O preço de um produto com coparticipação ou franquia é sempre menor do que ele mesmo sem estes mecanismos na medida em que parte adicional do risco passa a ser do cliente. Paga-se menos na mensalidade porque paga-se mais em determinadas utilizações. É matemático, simples assim.
Segundo renomada colunista também de abrangência nacional, “o discurso A ANS está dizendo que as novas regras vão valer apenas para os novos planos. Sabe o que vai acontecer? Os clientes serão constrangidos a sair dos seus planos e a fazer outros com as novas regras. Eles vão usar o seu poder econômico”. Fake News. Ninguém é obrigado a mudar de produto se assim não o quiser. Eu, assim como mais de 9 milhões de pessoas (não são 8 milhões?), temos um plano individual. Deste total, 88% são planos posteriores à lei. Uma parte importante destes planos foi contratada após a mesma, mas outra parcela significativa de clientes optou por migrar ou adaptar seus produtos, atualizando suas coberturas assistenciais e passando a ficar sob a regulação da ANS. Não faz qualquer sentido achar que esta mudança foi feita, e outras tantas viriam a ser feitas, por constrangimento das operadoras. Ela foi feita por decisão do cliente que entendeu que estar sob regulação seria melhor para ele.
Nesta mesma matéria, a colunista diz ainda que “o Brasil não tem um órgão que realmente fiscalize os planos e que ouça o que os consumidores têm a dizer.” Como não? Com todas as criticas que tenho à ANS, é inegável os avanços nos últimos 18 anos exatamente na defesa do consumidor. Produtos hoje são regulados quanto à sua cobertura mínima. Têm seu rol de procedimentos atualizado periodicamente. Operadoras têm seus produtos suspensos se não garantem prazos mínimos de atendimento previsto em resolução normativa. Reajustes de planos individuais são autorizados pelo órgão regulador (ainda que possamos discordar da metodologia de cálculo). Existem inúmeros canais de reclamação estruturados na ANS exatamente para atender o consumidor e fiscalizar o cumprimento de normas pelas operadoras. (sem contar que todas as normas regulatórias são desenvolvidas considerando também as audiências, consultas e participações públicas da sociedade, amplamente divulgadas e disponíveis no site da Agência).
A meu ver não é a Agência Nacional de Saúde Suplementar que não ouve os clientes. São os clientes (e aqui refiro-me principalmente às empresas responsáveis por 70% dos planos de saúde) que não recorrem à ANS. Não precisa ir longe para chegar a esta conclusão. Por mais que o órgão regulador crie espaços para a participação da sociedade, a participação de consumidores é sempre pífia. Neste caso em particular, segundo dados da Transparência Institucional da ANS em seu relatório final da Consulta Pública 60 (Mecanismos Financeiros de Regulação: Coparticipação e Franquia), representaram 17% das contribuições.
Já o diretor executivo do Procon-SP, questiona se a ANS “fez alguma avaliação sobre a capacidade de reserva financeira dos usuários de planos de saúde para saber se eles têm condição de arcar com esses custos”. Não é este o papel da ANS, sinto muito. Se o fosse não teríamos perdido os 3 milhões de beneficiários de planos de saúde nos últimos anos. Custos de planos de saúde não se reduzem por decreto, mas sim pela abordagem às causas que levam a este cenário. Ao criar estes mecanismos de regulação financeira e ainda por cima isentar de cobrança mais de 250 procedimentos e eventos em saúde (consultas com médico generalista, exames preventivos e de pré-natal e tratamento crônico), o órgão regulador contribui de forma definitiva para que os beneficiários também busquem o adequado cuidado à saúde.
Portanto, não concordo com a postura de parte da imprensa e dos órgãos de defesa dos consumidores. Prestam um desserviço ao noticiar o tema com um tom que induz o consumidor a se achar vítima das “maldades alheias”, provocando reflexos e não reflexões por parte daqueles que precisam mudar a postura diante de sua saúde. Não temos mais tempo a perder com discursos paternalistas, superficiais e sensacionalistas que aparentam defender o cliente, mas que, na prática, o infantilizam.
Absolutamente todos os elos da cadeia de saúde suplementar (financiadores, operadoras, médicos, hospitais e demais prestadores, indústria médica e, por fim, o cliente) têm responsabilidades a assumir na busca da sustentabilidade da saúde suplementar. E isto necessariamente inclui aquele que paga por um plano de saúde. E é exatamente sobre isto que a resolução normativa 433 coloca luz ao apenas normatizar, de forma necessária, o que já era largamente praticado.