A escalada dos custos dos planos de saúde e a necessidade de conhecer sua própria inflação médica
A escalada dos custos de saúde está muito ligada à forma como foi construída a remuneração dos prestadores de serviço: a lógica do fee for service. Paga-se por produção. Quanto mais consultas, mais exames, mais cirurgias, mais o prestador ganha. Isto conflita com a vontade de se criar protocolos, de se aprimorar a racionalidade do uso, da inovação tecnológica, da transparência.
Ao longo do tempo esta forma de remuneração criou várias distorções, já que qualquer aperfeiçoamento em mecanismos de regulação e auditoria de sinistro médico é sempre insuficiente frente ao aumento da demanda autogerada e incentivada pela remuneração baseada por produção. No meio de tudo isto, está o beneficiário, refém de uma lógica de atendimento que nem sempre está isenta quanto às opções de tratamento e à quantidade de “acessórios” no diagnóstico o que produz excesso de consultas, exames, materiais etc.
Internacionalmente existem outros sistemas alternativos ao fee for service, tais como o DRG (Diagnosis Related Groups) que impõe uma lógica de pagamento por performance combinando protocolos de atendimento, graus de complexidade e gravidade que orientam os valores a serem pagos. Quanto mais eficiente o prestador de serviços (hospitais e clínicas), maior a sua margem de lucro. Esta lógica impacta toda a cadeia produtiva, pois equaliza melhor o risco e a gestão dos custos de atendimento.
Junte-se a isso o incremento tecnológico mal planejado, a falta de teto nas coberturas, o envelhecimento populacional e temos um ambiente em que tudo colabora e contribui para a escalada dos custos.
As regras da lei 9.656 e do regulador impõe uma agenda rígida em termos de produto e rol de coberturas, há também uma pressão constante dos órgãos de defesa dos consumidores, e isto sem falar na judicialização da saúde, que muitas vezes não avalia o mérito ou o contrato.
A verdade é que o setor todo (ou quase todo diriam alguns), estrangulado com margens apertadas por causa desta inflação, criou um círculo vicioso para si mesmo.
No Brasil, a cadeia produtiva fica esperando quem vai ceder primeiro, quem vai dar o primeiro passo e o impasse tem permanecido. Podemos dizer que a cadeia se comporta muito mais como uma “cadeia alimentar” do que produtiva.
Como o maior mercado de saúde suplementar está nos planos coletivos empresariais (dois terços do mercado) e estes contratos têm livre negociação do índice de reajuste, no final do dia são as empresas que absorvem a maior parte desta inflação, visto não conseguirem repassar isto totalmente aos seus colaboradores.
Neste contexto do plano coletivo empresarial saber medir, conhecer e compreender sua própria inflação médica, é fundamental para traçar estratégias eficientes de controle da escalada dos custos e também permite não ficar refém da VCMH (variação dos custos médicos hospitalares) divulgada pela operadora, pois aplicada de forma linear para sua carteira muitas vezes pode não refletir ou estar desconectada da realidade do cliente.
É angustiante a empresa ficar refém deste índice sem poder compreendê-lo, medi-lo, contrapô-lo. É preciso transparência e independência na discussão deste índice que impacta o reajuste do contrato coletivo.
As empresas que são as grandes patrocinadoras deste mercado estão no limite da sua capacidade de manter este benefício. Talvez estejamos chegando perto de uma necessidade imposta às partes para sentarem e conversarem para construir um novo pacto. Sem isto, o sistema implodirá por falta de capacidade de patrocínio. Notem que os sinais desta problemática são tão crescentes que recentemente a ANS promoveu de forma inédita um evento para a Pessoa Jurídica Contratante para ouvir o empregador sobre esta e outras problemáticas na gestão do plano de saúde coletivo.
Se não há mais de onde tirar recursos para manter o benefício, o mercado que se cuide, pois as empresas podem estar próximas de também dar seu grito em relação à inflação médica ou VCMH (como preferirem): Independência na análise da inflação médica ou morte do benefício.