Mudanças disruptivas no sistema de saúde suplementar começam a ser provocadas pelas empresas, responsáveis por financiar mais de 70% dos planos de saúde no Brasil. Afinal, entendem que já está mais que vencido o prazo para que intermediários financeiros (ou operadoras de planos de saúde) e prestadores de serviços médico-hospitalares coloquem em prática soluções assistenciais e de remuneração que efetivamente eliminem as tão alardeadas ineficiências e desperdícios. Os financiadores simplesmente não podem mais esperar.
Isso não vem ocorrendo apenas no Brasil onde já temos algumas frentes neste sentido. Recentemente foram divulgadas iniciativas similares nos Estados Unidos, país do qual historicamente insistimos em copiar alguns dos piores exemplos. Desta vez, no entanto, parece que temos a chance de nos redimir a aprender e refletir com iniciativas que apontam para o caminho correto.
Acaba de ser divulgado que a planta da General Motors na cidade de Detroit, cansada do contínuo repasse de ineficiências e desperdícios aos preços de seus planos de saúde, resolveu eliminar o intermediário financeiro (operadora de plano de saúde) e conversar diretamente com uma rede de hospitais naquela região. Mais importante do que esta mudança por si, foi a introdução de mudanças no modelo de relacionamento entre as partes, pactuado em um contrato de cinco anos. O mesmo necessariamente envolve a correção de incentivos na medida em que foram estabelecidas metas de acesso (tempo de marcação de procedimentos), de custos, de qualidade e de saúde (contribuir para que os colaboradores reduzam sua pressão arterial, por exemplo). Ou seja, a própria rede de hospitais deixa de ter o incentivo por volume e passa a ter incentivos alinhados com as necessidades dos beneficiários em primeiro lugar e, consequentemente, com as necessidades da General Motors.
Fica apenas a dúvida do porquê desta rede de hospitais, conjuntamente com a operadora que pode vir a perder 24 mil vidas, não terem sido capazes de construir esta mesma solução entre si. Falta de confiança com certeza está entre os motivos. Porém, pelo que li na matéria a este respeito, a rede de hospitais terá que “trocar o pneu com o carro andando” na medida em que assume que tampouco tem esta expertise. Ou seja, a mudança parece ter vindo com uma certa dose de imposição e acredito que isto esteja correto já que é o financiador quem mais sofre as dores das mazelas do sistema.
Com as mesmas dores (do descontrole de custos da assistência médica) e objetivos (melhorar a assistência aos seus colaboradores, simplificar processos e reduzir custos), a Amazon, a Berkshire Hathaway e o JPMorgan Chase anunciaram no início deste ano a formação de uma nova companhia de saúde. Assim como no caso da General Motors, é um caminho inevitável a eliminação daqueles que na percepção do financiador não estejam efetivamente gerando valor. Tanto lá como também começamos a ver aqui, há o entendimento que não se justifica a alocação de mais recursos e sim o foco na eliminação de desperdícios no sistema de saúde. Afinal, não há dinheiro novo disponível, mas sim a necessidade premente de se fazer melhor uso dos recursos disponíveis. E isto se faz pela eliminação de ineficiências e desperdícios.
Interessante ainda verificar que ambas as iniciativas dão a entender que também envolverão seus beneficiários nesta grande revolução. E não tem como ser diferente para que de fato seja exitosa. Fazendo uma analogia, costumo dizer que os financiadores precisam deixar o banco do passageiro do avião e assumir a sua posição como copiloto. Para se ocupar o assento do piloto, necessariamente deve ser instruído e convocado o próprio colaborador que não pode mais se eximir de sua responsabilidade em relação aos seus hábitos e cuidados de saúde. Ao citar como exemplo a questão do controle da pressão arterial, entre outros indicadores, a General Motors deixa subentendido que o colaborador será chamado à sua responsabilidade. Nesta mesma linha, o médico e jornalista americano Atul Gawande, CEO da nova empresa que reúne a Amazon, a Berkshire Hathaway e o JPMorgan Chase, fala em atacar o uso indevido do plano de saúde.
A boa noticia por aqui é que nós também já começamos a ter iniciativas alinhadas com estes mesmos objetivos e, em alguns casos, de forma proativa. Citarei uma que considero diferenciada pela sua dimensão. Enquanto financiador de plano de saúde, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz oferece ampla estrutura de cuidado ambulatorial aos seus colaboradores (CASC – Centro de Apoio à Saúde do Colaborador), assim como adota incentivos econômicos alinhados com uma visão efetiva de saúde ao atrelar 10% da participação de resultados a indicadores relacionados à saúde do colaborador. Em linha com sua visão inovadora, o hospital migrou seu modelo de risco de pré para pós pagamento há praticamente três anos, assumindo de fato o risco que já era seu, eliminando ainda parte dos intermediários e reduzindo a velocidade de crescimento dos custos do plano de saúde de seus colaboradores.
Enquanto prestador de serviços, o mesmo Oswaldo Cruz inovou em seu modelo de remuneração na nova unidade Vergueiro, desatrelado do tradicional fee-for-service que remunera por volume. Nesta nova unidade são adotados modelos de procedimento gerenciado com preços fixos elaborados a partir de protocolos de alta performance. O risco financeiro da complicação, por exemplo, é do hospital. Ou seja, em parte já começa a adotar práticas alinhadas àquilo que a rede de hospitais de Detroit se propõe a fazer junto à GM.
Em suma, tanto com o chapéu de financiador como o de prestador, o Oswaldo Cruz está alinhado com as necessidades prementes de busca de sustentabilidade do sistema de saúde suplementar. Um belo legado plantado pelo saudoso José Henrique do Prado Fay, que foi presidente do hospital, e que nos anos recentes vem se renovando capitaneado por seu sucessor, Paulo Bastian.
O que disse o executivo-chefe da Berkshire, Warren Buffet, por conta deste novo empreendimento nos Estados Unidos quando se referia ao aumento insustentável de custos de saúde, também vale para inúmeros casos aqui no Brasil, além do Oswaldo Cruz: “nosso grupo não chega a esse problema com respostas. Mas nós também não o aceitamos como inevitável”.