Plano de saúde. Um seguro sem teto.
Dizem que a famosa música infantil de Vinícius de Moraes “A Casa”, de 1980, era uma alegoria referente ao útero de uma mulher grávida e não uma casa literalmente. Pensando em plano de saúde, imaginei outra alegoria para esta mesma música. Explicarei a seguir.
No ramo da saúde suplementar a analogia entre seguro e plano de saúde (inclusive planos odontológicos) é tão forte que toda a terminologia de contrato é a de seguros. A própria Superintendência de Seguros Privados (Susep), inclusive, regulamenta parte deste setor em determinadas modalidade de planos vendidos por seguradoras, como SulAmérica, Bradesco, Alianz, Porto Seguro, Seguros Unimed, etc.
Sendo assim, existe toda uma lógica de seguros praticada neste segmento até mesmo pelas operadoras que não são seguradoras, como as medicinas de grupo e cooperativas. Temos vários conceitos permeando os contratos coletivos empresarias que demonstram isto: sinistralidade, prêmio, sinistro, limite técnico, dentre outros.
Bom, se assim é a prática, fui buscar a definição de seguros no site da Susep:
“Contrato mediante o qual uma pessoa denominada Segurador, se obriga, mediante o recebimento de um prêmio, a indenizar outra pessoa, denominada Segurado, do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato. (Circular SUSEP 354/07).”
O conceito de seguro tem uma lógica muito simples. Você estabelece um prêmio para segurar algo mediante a análise de ocorrência de riscos. É importante observar que todos os modelos de seguro têm como premissa um teto. Se você contrata um seguro de carro, o teto máximo é o valor do veículo conforme a tabela Fipe. Se você faz um seguro de vida ou de acidentes pessoais, o teto é o valor contratado para indenização. Um seguro residencial tem como teto o valor do imóvel. Assim por diante. Mediante a regra de um valor máximo indenizatório, a seguradora precisa calcular apenas a chance de incidência do risco que ela está segurando. Ainda assim esse cálculo é um desafio que pode levar as empresas seguradoras a péssimos resultados se o valor final for mal precificado.
É justamente sobre esta a questão que gostaria de chamar a atenção do leitor para uma reflexão. O plano de saúde é o único seguro sem teto. Voltando à definição da Susep, para um seguro funcionar é preciso prever riscos futuros, mas, como fazer isto se a indenização prevista não tem valor mínimo de indenização?
No segmento de saúde, por conta da lei 9.656/98, dos planos de saúde, praticamente todos os procedimentos são ilimitados na quantidade permitida e os valores dos procedimentos podem custar qualquer valor. Além disso, o contrato realizado a qualquer época terá revisão bianual pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para inclusão de novos procedimentos médicos.
São inseguranças assim que impedem iniciativas como, por exemplo, a contratação do resseguro para planos de saúde. Eu mesmo, em outro tempo, tentei intermediar inúmeras tentativas deste tipo de contratação, mas o preço final em função do risco sempre foi impraticável e as empresas queriam resseguro para gerar saving e não para estabilizar o risco. No fundo desta polêmica estava a dificuldade de se estabelecer um teto de indenização.
Num cenário de desejos ilimitados para recursos financeiros limitados (das pessoas e das empresas), acredito que fazer analogia com o conceito de seguro praticada desde sempre, é um equívoco. Justamente por isso um alto reajuste não protege o cliente de um próximo ano novamente ruim. A lei 9.656/98 sem dúvida trouxe benefícios fundamentais ao setor e eu sou totalmente favorável à existência dela, mas por outro lado talvez ela tenha nascido com um pouco da genética da famosa transferência de responsabilidade ao privado. Como costuma dizer um grande amigo meu, “não se pode comer o bolo e querer ficar com o bolo”. Não se pode contratar um seguro sem teto e querer que o prêmio encontre facilmente sua suficiência.
Estou expondo aqui a reflexão sobre a essência de um conceito, mas se pudesse dar alguns conselhos às empresas que contratam o plano de saúde coletivo eu diria:
- Não acredite que você está protegido apenas porque você tem um contrato em pré-pagamento;
- Conheça sua inflação médica verdadeira e faça dela um norte para gestão;
- Se você tem massa crítica suficiente (número de vidas) negocie bem o seu limite técnico;
- Repense a forma de contratar o seu risco com a operadora (quando as condições mínimas estão presentes para uma transição);
- Verifique qual o delta existente entre a conta realizada e a conta paga e processada como resultado oficial da sinistralidade que lhe foi apresentada;
- Pactue com os colaboradores as formas de copatrocínio do plano médico, seja pela coparticipação, franquia ou contribuição (todos trazem vantagens e desvantagens);
- Acompanhe a demanda! Se a demanda é estável e adequada a previsibilidade aumenta.
Acredito que no futuro alguma revisão terá de ser feita neste sentido da falta de teto para o risco. Se isso não acontecer veremos cada vez mais forte a tendência de descentralização da contratação dos serviços médicos. Se isto fará o serviço de saúde ficar mais barato, veremos, mas com certeza aumentarão os desafios da gestão do plano médico pelas empresas. Quem sabe um dia possamos cantar esta canção realmente no passado: era um seguro muito engraçado, não tinha teto…