Conforme já abordamos aqui neste espaço, trago alguns dos pontos que coloquei para reflexão durante o talk show do Seminário Pré Congresso da ANAHP em Brasília, tendo como tema central “Eficiência Operacional: o Preço da Desconfiança.”
Acredito que a frequente desconfiança entre operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços médico-hospitalares deve inicialmente ser tratada a partir do estreitamento de relações, lembrando que empresas são feitas de pessoas. Relatei, por ocasião do evento, um episódio de grande tensão ocorrido entre meu pai e o diretor de uma grande seguradora nos anos 90, quando ambos decidiram reinventar a relação até então estremecida, a partir da corajosa afirmação de que ambos não se confiavam.
Pois bem. Cuidar da relação é fundamental, inclusive para o dia em que os problemas surgirem. Se a mesma estiver “em dia”, o problema terá o seu exato tamanho. Se não estiver, será potencializado reduzindo-se ainda a boa vontade.
Em seguida cabe a elaboração de uma agenda positiva, o cuidado com o dia a dia da relação, o follow up constante, a transparência e a empatia como caminho, fundamentais para romper o muro da desconfiança e fazer com que nos coloquemos no lugar do outro e enxerguemos um futuro comum. Assim como ocorre em nossas vidas pessoais, naturalmente que isto não será viável em todas as relações, mas cabe a nós mapearmos aquelas que acreditamos.
Além do olhar para o outro faz-se fundamental olhar para dentro. Neste sentido, a busca de eficiência operacional contribui para a redução de desperdícios de tempo, energia e recursos. A estruturação de processos, identificação de gargalos, utilização de sistemas integrados, mensuração de etapas, definição de prazos e indicadores são fundamentais neste sentido.
A partir das conversas frequentes que tenho com operadoras e prestadores tenho visto que, no contexto de crise e pressão sobre custos e resultados, estão todos profundamente comprometidos com a otimização de eficiência operacional. E faz todo sentido que se busque sempre fazer certo as coisas (eficiência).
Ainda que positiva, esta onda de eficiência operacional está longe de ser suficiente diante dos desafios existentes. Afinal, qual o valor efetivo que isto por si tem trazido para o sistema de saúde suplementar? Arrisco-me a dizer que muito pouco. Caso contrário não teríamos observado nos últimos anos uma redução expressiva de usuários de planos de saúde (em torno de 3 milhões), a evolução constante das despesas assistenciais e, com frequência, o comprometimento do benefício (com downgrades e aumento de custeio pelos colaboradores, por exemplo).
Alguns irão culpar a crise para isto tudo e eu não questionaria o papel que a crise de fato tem. Mas, como diz Mario Sergio Cortella, “quando alguém se coloca na posição de vítima, essa é uma postura absolutamente confortável na medida mesma em que ele pode ficar na ausência da ação.”
O que questiono é a frequente falta de aproveitamento do momento de crise para a construção conjunta de algo disruptivo e sustentável por parte de operadoras e prestadores. Chega a impressionar a inércia neste sentido. Basta revisitar, por exemplo, algumas das diversas iniciativas da ANS ao longo dos anos no sentido de estimular um novo modelo de remuneração entre operadoras e prestadores.
O que efetivamente foi implantado a partir dos resultados do Grupo de Trabalho de Novos Modelos de Remuneração (que aliás, iniciou uma nova fase recentemente), iniciado em dezembro de 2012? Da mesma forma em que momento o programa Qualiss, voltado para a qualidade de prestadores, irá introduzir indicadores de desfecho que possam contribuir para a melhor escolha no processo de decisão de pacientes? Em que pé está a discussão do “fator qualidade” que trata de uma nova lógica para os reajustes? Independente da ANS ser a condutora/indutora de diversas iniciativas, grande parte da responsabilidade destas cabe às operadoras e prestadores.
Em suma, a busca de eficiência operacional é sem dúvida importante, mas está longe de ser suficiente diante dos desafios de sustentabilidade apresentados. Carecemos de ações do que chamo de efetividade sistêmica. Por isto me refiro a iniciativas que tenham como objetivo fazer corretamente (eficiência) o que tem que ser feito (eficácia). E que tragam impactos estruturantes e sistêmicos sobre o sistema de saúde suplementar, envolvendo iniciativas como a revisão do modelo assistencial, o alinhamento de incentivos ao longo de toda a cadeia, a redução de desperdícios, a criação de valor para o cliente que permita inclusive que o mesmo se encontre em um ponto melhor na relação entre seu gasto com planos de saúde e seu poder de compra.
Neste mesmo evento, fui perguntado por alguém da plateia sobre por onde começar a construção de um novo modelo de remuneração. De forma simples respondi que acreditava que se deveria escolher uma operadora com a qual a relação flui e é estratégica, definindo conjuntamente um piloto a partir daí. Este piloto, que pode ser de um procedimento ou serviço, deve ter regras claramente definidas e prazos para avaliação e eventuais revisões. Em linha com o que disse Martin Luther King, “é necessário ter fé. Você não precisa enxergar toda a escada. Apenas de o primeiro passo.”
Desconfiança no dicionário também se traduz por falta de esperança. E esperança, segundo Mario Sergio Cortella deve vir do verbo esperançar o que se traduz em ir atrás, não desistir. É desta esperança que precisamos e não da esperança que tem nos pautado há anos, a esperança de “esperar”. Enquanto se desconfia um do outro e se espera para mudar, as empresas (financiadoras do sistema) começam a esperançar.