O Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, anunciou recentemente a retomada do Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu). Despertado após um período de quase 18 anos de hibernação, o Consu “tem como principal objetivo estabelecer e supervisionar a execução de políticas públicas e diretrizes gerais para o setor de saúde suplementar, bem como construir uma política de Estado para o setor, alinhada com as demais políticas e ações de saúde pública e de proteção ao consumidor.”
De um lado, vejo esta decisão com bons olhos na medida em que o Consu pode preencher uma preocupante lacuna ao alinhar o tratamento regulatório do setor de saúde suplementar às políticas de Estado previamente definidas. Quero crer que este alinhamento, pautado pela boa governança, pode ser benéfico, contribuindo inclusive para minimizar a frequente e inadequada interferência de outras esferas de governo em relação às iniciativas regulatórias recentes.
Este parece ser também o entendimento de membros da própria Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), entre os quais o seu diretor de Desenvolvimento Setorial, Rodrigo Aguiar, que, em entrevista à imprensa disse “acreditar que a retomada da atuação do Consu pode melhorar a interlocução com o governo e não necessariamente esvaziar o papel da ANS.”
Porém, de outro lado, analisando o contexto em que ocorre a retomada, acende-se uma preocupante luz amarela em relação ao tema. Vejamos:
- Matéria recente publicada na imprensa destaca que “o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defende regras mais flexíveis para as operadoras de convênios médicos. As negociações ocorrem via Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu)”;
- Site da Prospera Consultoria traz a informação de que o “nosso ministro anuncia que pretende, sim, retomar o Consu e na sua pauta estão temas como: redução do ônus que a regulamentação infralegal traz para as OPS, rever exigência de lastro para as garantias como PEONA e a não exigência de intermediação para planos de saúde;
- Em seu recém-publicado artigo “Os planos de saúde voltam a atacar” o jornalista Elio Gaspari destaca pontos de um projeto sigiloso que foi vazado na imprensa. Segundo seu texto, o projeto em questão desidrata a ANS, derrubando conquistas importantes (ex: prazos máximos de espera), facilitando outras (ex: reajuste por faixa etária) e transferindo para o Consu outras tantas (ex: reajuste de planos individuais e definição do rol de procedimentos);
- Ainda sobre o sigiloso projeto acima, em outra matéria publicada na imprensa, consta que: “capitaneada pela FenaSaúde, a proposta é focada em melhorar o desempenho financeiro das operadoras e tira vários direitos dos consumidores”;
- E, para coroar a série de acontecimentos, destaco o fato do anúncio da retomada do Consu ter sido feito pelo ministro Mandetta em seu discurso de abertura no 24º Congresso da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).
Traduzindo os pontos acima e compartilhando reflexões, destaco:
- Conforme texto de Carlos Pereira, publicado no Estado de São Paulo, “é natural que um novo governo democraticamente eleito busque mudanças no perfil de política pública e regulatória. Boa governança, entretanto, exige que essas mudanças sejam implementadas por meios previamente acordados e institucionalizados”;
- Entendo que se faz necessária a revisão de determinados aspectos regulatórios, entre eles alguns pontos que constam no documento vazado na imprensa, mas discordo da forma como foi capitaneado. Se de fato houvesse conforto quanto à sua condução, não teriam hesitado em assumir a paternidade;
- Reconheço conquistas inequívocas no processo regulatório do setor de saúde suplementar sob o comando da ANS. Indubitavelmente o setor hoje é mais estruturado e transparente e os direitos daqueles aos quais todos servimos estão bem mais preservados. Mudanças, portanto, têm que representar aperfeiçoamento e não retrocesso ou agenda paralela;
- Cabe lembrarmos do parecer da Procuradoria Geral da ANS, de 06 de setembro de 2001, que cita que “a partir da criação da ANS houve um deslocamento daquelas competências operacionais genericamente atribuídas ao Consu para a ANS, sem prejuízo da função precípua de elaboração do planejamento estratégico das ações governamentais em matéria de saúde suplementar cometida ao Consu.”
- Mais adiante, no mesmo parecer, consta que “se o Consu chamou a si questões operacionais, o fez na ausência de normas específicas da ANS, seja porque esta ainda não existia, seja porque suas competências para o assunto específico ainda não estavam legalmente estabelecidas. No momento em que tais circunstâncias desapareceram, a ANS passou a exercer plenamente suas atribuições reguladoras, evidentemente em conformidade com as diretrizes gerais em matéria de saúde suplementar estabelecidas pelo Consu.”
- Até onde me recordo, não li uma única linha veiculada na imprensa e nas mídias especializadas sobre assuntos relacionados ao Consu que não estivesse exclusivamente relacionada à pauta das operadoras de planos de saúde. Os demais elos da cadeia não têm nada a dizer?
- E sobre os temas amplamente divulgados como sendo da futura pauta do Consu, questiono se, em parte, não se caracterizam como matérias que caberiam à ANS como órgão técnico?
- Alinhado com os objetivos do Consu, fica a recomendação de que sejam convidados representantes dos diversos elos da cadeia de saúde suplementar para compor a recém-criada Câmara Técnica Consultiva, voltada a propor diretrizes gerais para o setor de saúde suplementar e não para partes específicas da cadeia;
- Entendo como um equívoco de alto teor simbólico o fato de que a retomada do Consu tenha sido divulgada em evento de entidade de classe representativa de operadoras de planos de saúde.
Por tudo o que já foi dito aqui, estejamos alertas para que o bem-vindo Conselho Nacional de Saúde Suplementar (Consu) não se transforme no Conselho Nacional para Operadora se Lamentar (Consolo).