Representantes de todos os elos da cadeia de saúde suplementar têm trabalhado de forma ininterrupta para atender as demandas assistenciais já existentes, assim como aquelas que estão por vir a partir das previsões de crescentes casos de coronavírus. Médicos e demais profissionais de saúde que naturalmente já vêm atuando no front desde o início desta pandemia merecem nosso absoluto e especial reconhecimento e gratidão. Operadoras de planos de saúde, assim como prestadores de serviços médico hospitalares com os quais tenho conversado, vêm trabalhando incessantemente para acolher beneficiários e pacientes nas suas crescentes dúvidas e demandas assistenciais. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), por sua vez, incluiu no Rol de Procedimentos o exame para detecção de coronavírus, assim como acabou de aprovar o uso da telesaúde na saúde suplementar.
Centrais de orientação e atendimento, contratação de profissionais, construção de leitos de UTI e unidades específicas, criação ou ampliação de estruturas de telemedicina, entre outras, estão entre tantas valiosas medidas já em curso a toque de caixa.
Para contribuir com a viabilidade das urgentes demandas assistenciais, algumas medidas importantes têm sido divulgadas. No que se refere às necessidades do Sistema Único de Saúde, o BNDES lançou um programa de financiamento, com orçamento de R$ 2 bilhões, que visa à ampliação imediata da oferta de leitos emergenciais, bem como de materiais e equipamentos médicos e hospitalares.
Nesta mesma linha, o Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, defendeu que a ANS libere R$10 bilhões do fundo garantidor das operadoras para aquisição de equipamentos e estruturação de leitos de forma a não sobrecarregar ainda mais o sistema público de saúde.
Ato contínuo às ações de cunho assistencial, precisamos nos debruçar, em paralelo, sobre alguns dos possíveis efeitos colaterais econômicos decorrentes do coronavírus que, caso não tratados com muita atenção, poderão indiretamente comprometer a assistência que tanto temos procurado preservar e garantir. Dito isto, façamos algumas pontuações:
1. Diversos especialistas consultados pelo jornal Valor Econômico têm afirmado que hospitais terão queda de receita no curto prazo enquanto as operadoras de planos de saúde poderão se beneficiar;
2. Neste momento me parece difícil afirmar que a resultante disso será a redução da sinistralidade, uma vez que, de outro lado, pode ser esperado o aumento de despesas assistenciais em razão do aumento das internações de longa permanência que devemos observar nos próximos meses quando estivermos no epicentro do pico desta pandemia;
3. Neste sentido, a própria Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) emitiu nota onde afirma que “na condição de representante dos 16 principais grupos de operadoras de planos de saúde e seguros de assistência à saúde privados, considera prematura e inadequadas as “primeiras impressões” sobre os impactos da covid-19 no setor de saúde suplementar”;
4. É importante registrar que, independentemente dos cancelamentos consensados entre médicos e seus pacientes, na prática muitos hospitais com os quais converso afirmam estar sendo impactados pela forma abrupta com que algumas operadoras, utilizando-se de decisão da ANS em suspender prazos máximos de atendimento, cancelaram linearmente, e de forma inesperada, todos os procedimentos eletivos. Ato continuo a esta conduta, a ANS reviu a sua decisão, recrudescendo a flexibilização dos prazos máximos de atendimento;
5. Em maior ou menor grau pequenos e médios prestadores de serviços médico hospitalares, que não têm capital de giro para arcar com suas obrigações de curto prazo, já estão sendo fortemente afetados pelo cancelamento de procedimentos eletivos. Da mesma forma poderão vir a ser afetados outros tantos prestadores em função da abrupta mudança no seu mix de serviços;
6. Curioso observar que quase nada tem sido falado a respeito dos impactos do coronavírus, sob a ótica econômica, para as empresas contratantes de planos de saúde, responsáveis por dois terços dos beneficiários existentes. É possível imaginar que um grande número de pequenas e médias empresas venha a fechar as portas devido ao desmoronamento de suas receitas. Outras tantas, na ausência de capital de giro, terão dificuldades em manter muitos dos seus compromissos entre os quais o tão almejado plano de saúde. Aliás, este segmento de empresas que representou o principal vetor de crescimento na saúde suplementar, da mesma forma que ingressou no sistema com “facilidade”, em parte pode vir a ser obrigado a abandoná-lo;
7. Ainda no segmento corporativo, acredito que empresas de maior porte terão suas receitas afetadas e, assim como ocorreu na crise econômica e moral dos últimos anos, apesar dos válidos esforços do governo, estas eventualmente serão obrigadas a fazer demissões;
8. Indo além, é razoável imaginar que demissões além do padrão usual nas empresas trarão um impacto importante na sinistralidade dos meses subsequentes a estas medidas na proporção em que o run-off (sinistros a serem pagos de beneficiários que terão perdido o benefício) recairá sobre as empresas contratantes;
9. Pontualmente me arrisco a dizer que eventualmente o impacto poderá ser menor para empresas de microempresários individuais que, na prática, têm quase que exclusivamente suas famílias cobertas e tudo farão para garantir a continuidade;
10. Em resumo, é possível ainda imaginar o impacto que isso tudo poderá trazer para a liquidez das operadoras de planos de saúde tendo em vista o previsível aumento na inadimplência por parte das empresas contratantes de planos de saúde;
11. É bem verdade que aquelas operadoras que não têm liquidez e solvência e tampouco cumpriram as constituições das reservas regulatórias, podem ficar pelo meio do caminho;
12. Durante a última crise, da qual apenas recentemente ensaiávamos uma saída, muitas empresas se utilizaram da munição que ainda acreditavam ter, visando garantir a manutenção do plano de saúde dos colaboradores e dependentes. Medidas como migração para verticalizadas, downgrades nos contratos existentes e/ou aumento de custeio pelos colaboradores, entre outras tantas, me parecem já ter sido utilizadas próximo do limite. Consequentemente, neste momento restam menos margens de manobra para as empresas contratantes que historicamente apenas têm enxergado suas soluções entre aquelas acima citadas.
Em função das reflexões acima, entendo que não devemos ter uma visão estreita sobre alguns dos efeitos colaterais esperados. Tampouco devemos ter uma visão simplista a respeito das suas soluções. Mas me parece que cabe ao órgão regulador priorizar, evitando inclusive oportunismo por parte de alguns, medidas que garantam a liquidez das operadoras de planos de saúde permitindo que estes recursos em discussão, a partir de regras claras, sejam destinados aos fins que estão previstos na Lei 9.656, que é o pagamento à rede de prestadores de serviços médico hospitalares. Curioso observar que, até o presente momento, apenas observei um único pronunciamento neste sentido, advindo da Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde).
Resumindo, não questiono a necessidade de recursos, como aliás já propôs nosso respeitável Ministro da Saúde, para fins de estruturação de serviços (leitos, equipamentos, contratação de profissionais). Estes são urgentes e necessários. Da mesma forma devem ser pensados recursos para minimizar o impacto da eventual mudança no mix de serviços que poderá vir a afetar hospitais e demais prestadores de serviços médicos. Mas entendo que ambas as possíveis demandas não deveriam caber ao órgão regulador a partir da liberação de parte das reservas das operadoras, mas sim ao BNDES e eventualmente a bancos comerciais.
À ANS cabe agir, com todo o cuidado necessário, no sentido de garantir liquidez às operadoras de planos de saúde necessariamente atrelando o destino destes recursos ao pagamento de prestadores para que, em última análise, seja preservada a assistência para a qual todos têm trabalhado com tanta dedicação.