Sócios da Arquitetos da Saúde, Adriano Londres e Luiz Feitoza compartilham, nesta entrevista, informações e visões sobre temas relevantes e atuais que têm levado empresas a participarem mais efetivamente da gestão do seu benefício saúde coletivo. Incomodadas com a falta de entrega de mais valor nas relações com a cadeia produtiva, elas partiram para a ação, deixando claro que a terceirização total da gestão foi um erro que não estão mais dispostas a correr. Tema de muita polêmica, a questão do reajuste, permanentemente acima da inflação, exige medição setorial ampla, um instituto fora da cadeia produtiva do setor e, até, que as empresas comecem a medir seus próprios indicadores de inflação médica. Prevenir ainda é a melhor forma de economizar em saúde. O privilégio de se dar acesso à saúde por um plano corporativo pode ser o início de um caminho virtuoso, mas também uma baita responsabilidade social. E as instituições que compõem a saúde suplementar, têm cumprido o seu papel? Pelo menos enquanto incentivos conflitantes e desalinhados com uma visão sistêmica continuarem gerando prejuízo ao beneficiário, motivo de ser de todo o sistema, certamente não!
Qual a finalidade do plano de saúde nas empresas? Um benefício a mais para cumprir obrigações diversas ou um incentivo à prevenção da saúde?
Luiz Feitoza: A finalidade do plano de saúde nas empresas como mais um benefício concedido é bem diverso. Existem as que dão o benefício por força de acordo coletivo de trabalho e as que veem nele uma importante ferramenta de retenção de talentos. Entretanto, quando pensamos na finalidade do plano, naquilo que é intrínseco ao conceito do que é o plano, penso que a real finalidade é conceder acesso à saúde. Ainda que com diversas críticas em relação à saúde suplementar, no contexto da maioria das cidades no Brasil o plano é, sim, um sistema de qualidade para o acesso à saúde. Para um empregado, ter o plano pela empresa muitas vezes é a única forma viável de conseguir arcar com o pagamento de tal benefício, é ter certa tranquilidade em relação a eventos inesperados de doenças e poder realizar consultas de rotinas. Não é por menos que dois terços do sistema suplementar é formado por planos empresariais. No fim, as empresas deram um benefício tal como refeição, odontologia ou cesta básica, mas terminaram com uma baita responsabilidade social. Sim, isto mesmo, as empresas que dão plano de saúde não conseguem simplesmente deixar de dar o benefício porque criou-se uma dependência e expectativa muito grande em relação a este benefício. Por outro lado, quanto mais tempo o empregado tem o plano médico, mais ele perde a capacidade de comparação e de valorização do benefício. Por vezes ele só se dá conta do valor de ter um plano de saúde empresarial quando perde o benefício.
Acredito na oportunidade de transformar o plano de saúde em algo mais proativo. Que as pessoas em geral ainda não têm boa prática de prevenção e que as empresas têm um papel muito importante no aculturamento destas práticas. Prevenir ainda é a melhor forma de se economizar custos em saúde ainda que a longo prazo. Então, a questão é: se você contratou o plano de saúde para a sua empresa apenas por obrigação, talvez consiga uma boa cotação de preços ou talvez o plano seja tão restrito que as pessoas não conseguirão utilizá-lo de maneira plena e, por outro lado, não haverá nem ganho no acesso à saúde e nem uma satisfação dos empregados. Se você entende a importância e privilégio de se dar acesso à saúde por um plano corporativo, este pode ser o início de um caminho virtuoso para o cuidado com a saúde dos seus colaboradores que verão, além do salário, bons motivos para se trabalhar e permanecer na empresa.
Por que ainda existe tanta desproporção entre indicadores adotados por instituições de referência para o setor para calcular o reajuste do plano de saúde? O que seria correto?
Luiz Feitoza: A questão dos reajustes é sempre tema de muita polêmica porque eles estão permanentemente acima da inflação mesmo no caso dos planos individuais que são regulados pela ANS. Nos planos empresariais existem duas formas previstas em contrato. Uma delas e a mais fácil de compreender é a sinistralidade, que recompõe por reajuste o limite técnico estabelecido em contrato. Se a sinistralidade estiver acima do limite técnico, o reajuste técnico é aplicado. A outra forma prevista é a VCMH que propõe uma recomposição da inflação conforme a média da própria carteira da operadora. E aí mora a complicação. A VCMH da operadora nem sempre reflete a inflação médica do cliente e quanto mais vidas o contrato tem, mais relevante se torna levar em conta esta diferença. É claro que o principal motivo de se entender a inflação médica específica do cliente não é para levar vantagem sobre a operadora (quando tudo está bem, usa-se a da empresa e quando está mal, usa-se a da operadora), muito pelo contrário, é trazer transparência e uma possibilidade melhor de gestão. Outro ponto é que não há um índice seguro de referência externa. Os poucos institutos que se propõem a medir a VCMH, ou a própria ANS, têm um aparente viés (ainda que façam um trabalho sério), ou apresentam amostras de um ambiente que não representa bem determinados contextos dos planos empresariais, ou são muito resumidos na forma de demonstração. O fato é que se observarmos, por exemplo, os indicadores de inflação médica da ANS (reajuste dos planos individuais), do IESS e do Fipe Saúde veremos uma discrepância muito grande entre eles. Isto já é motivo suficiente para gerar certa insegurança nas empresas quanto aos indicadores disponíveis.
O correto seria uma medição setorial mais ampla e de um instituto de medição fora da cadeia produtiva do setor de saúde e, em outra frente, que as grandes empresas comecem cada vez mais a medir seus próprios indicadores de inflação médica.
Recentemente você participou como moderador de um seminário sobre eficiência na gestão da saúde corporativa, que incluiu debates com grandes representantes da saúde suplementar. O que efetivamente há de novo?
Adriano Londres: A principal mudança a meu ver, de potencial tão expressivo quanto o que se imagina que as disrupções tecnológicas possam trazer para a saúde (acho que ainda não temos a real dimensão do seu potencial), está na atitude de quem paga a conta. O evento organizado pelo ComSaúude, da Fiesp, deixou isso muito claro. Adaptando a famosa frase de Geraldo Vandré, “Quem sofre faz a hora, não espera acontecer” , foi exatamente isto o que vimos a partir dos cases da Ambev, Volkswagen e Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Incomodadas com a falta de valor em saúde gerado pelos atores do sistema, as empresas cansaram de aguardar e partiram para a ação, assumindo o papel de protagonistas na gestão de saúde dos seus colaboradores e dependentes. Ficou claro que a total terceirização da gestão foi um erro que não estão mais dispostas a cometer. Os resultados já são expressivos do ponto de vista assistencial, de satisfação e financeiros. Naturalmente ainda há muito a se fazer, mas o caminho já está traçado. Entre os principais pontos abordados, destaco:
1. O “mundo velho” no qual ainda se encontra imensa parte do sistema de saúde suplementar não atende mais as empresas. Soluções de prateleira são coisas do passado.,
2. É fundamental partir de um diagnóstico técnico e estratégico e, a partir daí, ter o patrocínio da alta direção com a compreensão de se tratar de um longo processo com investimentos necessários,.
3. É fundamental dedicar tempo para a construção de um banco de dados próprio com informações padronizadas,.
4. O que chamo de micro regulação (feita pelas empresas) é um caminho necessário para preencher as lacunas que a macro regulação das operadoras não atinge, porém, em alinhamento com as mesmas, tendo em vista questões regulatórias.,
5. Estratégias de comunicação aos colaboradores são fundamentais para a compreensão de propósitos e adesão e comprometimento com as boas práticas em saúde.,
6. Empresas não querem mais as operadoras como meras intermediárias financeiras, mas contam com as mesmas elas na construção de soluções desde que pautadas por novas abordagens alinhadas com as necessidades reais dos beneficiários e da empresa.,
7. Redução de custos são consequências de inúmeras ações, entre as quais revisão de políticas, redesenho de redes (definidas pelo que existe em termos de KPYs enquanto o sistema não disponibiliza indicadores de desfecho) e , definição de produtos específicos que atendam necessidades particulares das empresas.
Por fim, ficou claro ainda a importância do papel da ANS, que vem agindo de forma exemplar como protagonista (conforme destacado pelos presentes) e/ou indutora na construção de um sistema de saúde suplementar sustentável, naturalmente nos limites do que lhe cabe como órgão regulador.
Você acredita que as instituições diversas que compõem a saúde suplementar no país têm cumprido o seu papel?
Adriano Londres: Se você me limitasse a responder apenas “sim” ou “não”, necessariamente a partir de um olhar sistêmico, eu responderia que “não”. Explico. Do ponto de vista estratégico, temos dado demonstrações diversas de que o dinheiro está no centro do sistema ao invés do paciente. Incentivos conflitantes e desalinhados com uma visão sistêmica atingem em cheio a totalidade da cadeia em claro prejuízo ao beneficiário, motivo de ser de todo o sistema.
Operadoras de planos de saúde agem como intermediários financeiros, corretores são remunerados com base no ticket médio do cliente e ainda estimulados a trocas periódicas das mesmas, tendo em vista os enormes estímulos econômicos (agenciamento) patrocinados pelas operadoras. Hospitais têm sua remuneração quase que totalmente baseada em volume, além de ter insumos como pilar de sustentação de suas margens. Médicos também são remunerados por volume de serviços, chegando ao ponto, conforme já amplamente noticiado, de uns poucos se submeterem ao absurdo de serem remunerados pelos dispositivos utilizados. A indústria de equipamentos por sua vez transbordou o sistema brasileiro com a oferta de tecnologias muito além das necessidades reais de suficiência, naturalmente gerando demandas incompatíveis. Já a indústria farmacêutica, por sua vez, não adota no país algumas das boas práticas que tem em suas matrizes e/ou países desenvolvidos, em franco desalinhamento com uma visão pública da saúde. Em suma, escolhemos coletivamente o caminho da aritmética ao invés do caminho da ética.
Como consequência destes incentivos conflitantes, construímos uma cadeia predatória pautada por uma visão de ganha-perde de curto prazo e perde-perde de longo prazo. E isto se traduz nos pilares assistenciais equivocados onde doença, tecnologia e hospitais como porta de entrada do sistema, têm sido a regra.
Felizmente, muito provocados pelo despertar do então adormecido contratante (empresas que financiam 67% dos planos de saúde existentes), começamos a observar uma mudança de posturas e estratégias não só das próprias empresas, mas também de umas poucas operadoras e prestadores de serviços médico-hospitalares. Como disse recentemente Mauricio Ceschin em seu artigo “O valor do sistema suplementar para o usuário”, “tem sido crescente a utilização de serviços de atenção primária como porta de entrada do atendimento. Para serem efetivos, precisam estar integrados às demais especialidades e estruturas de saúde. Há de se avançar nas ações de prevenção para os portadores de risco e de patologia, nas de promoção de saúde e na conscientização do usuário em relação à utilização correta dos recursos de saúde.” Tudo indica que começamos a ver luz no fim do túnel para a construção, a partir de políticas básicas já previstas no Sistema Único de Saúde, também no universo suplementar. Não há outro caminho que não este (ainda que não se resuma a este ponto específico). Novos modelos de remuneração, pautados por maior transparência, correção de incentivos e disponibilização de desfechos começam a ser rascunhados pelo setor e também se apresentam como fundamental para as necessárias correções de rota.