Recentemente fui perguntado sobre quais aspectos de transparência deveriam ser exigidos por empresas na contratação de planos de saúde para seus colaboradores e dependentes. Neste sentido, pensei em sugerir um breve guia prático abordando apenas alguns aspectos nas diversas interfaces dos contratantes com os demais atores da cadeia de saúde suplementar.
1. Comissão dos Corretores: Você tem o direito de saber a remuneração do seu corretor de seguros, seja no ato da troca de operadora (agenciamento), seja na gestão recorrente de sua apólice (comissão). Raros são os corretores que proativamente e de forma transparente formalizam quanto recebem na íntegra. Apesar de conter dezenas de páginas, desconheço operadoras que registram esta importante informação nos contratos com seus clientes.
Lembre-se ainda que as comissões estão sempre embutidas no prêmio pago por você. E, por fim, convenhamos, sem esta informação fica prejudicada a avaliação adequada de valor na prestação de serviços do corretor.
2. Clareza nas Regras de Reajuste de Comissão: A dinâmica de custos que impacta no reajuste do plano de saúde não tem qualquer relação com aquela de uma corretora de seguros. Portanto, no momento do reajuste do seu contrato, procure negociar que pelo menos parte do excedente do reajuste, que ultrapasse índices usuais de inflação, lhe sejam revertidos sob a forma de serviços adicionais e/ou auxílio no custeio de outros benefícios como plano odontológico ou seguro de vida, por exemplo.
3. Formas Alternativas de Contratação: Visando maior transparência e eliminação de potenciais conflitos de interesse na medida em que maiores reajustes representam maiores comissões, uma alternativa adotada cada vez mais por empresas tem sido a formalização da eliminação de corretagem junto às operadoras e a negociação de pagamento de um fee mensal, direto com o corretor de seguros. Isto atende três objetivos fundamentais: garante transparência absoluta, elimina conflitos de interesse (quanto maior a sua dor maior o reajuste da comissão) e, por fim, pode ser usado para reduzir o seu prêmio mensal e/ou aumentar seu limite técnico.
4. Experiência e Reputação: Nomeações de corretores de seguros frequentemente se dão por laços pessoais de confiança (casos de empresas familiares) ou alinhamento mundial (caso de contratantes multinacionais). Que fique claro que não há absolutamente nada de errado nisso por si só como um dos critérios de contratação. Porém, devido à peculiar complexidade, a garantia de efetivo conhecimento técnico assim como de comprovada reputação, pode lhe poupar dissabores. Neste sentido, seria altamente recomendável consultas prévias às atuais e, por que não, ex-clientes anteriormente à nomeação.
5. Acordo de Nível de Serviço: Existem diversas vertentes na relação de um corretor de seguros, incluindo aspectos comerciais, operacionais, de pós-venda, técnicos, estratégicos e eventualmente até de gestão de saúde. Formalizar um acordo de nível de serviço, com especificações mensuráveis e claras (indicadores, metas e prazos) é fundamental, inclusive para alinhar expectativas de início. Naturalmente que a abrangência do escopo de serviços será maior ou menor a depender da remuneração embutida no prêmio e repassada pela operadora ao corretor.
6. Elimine as Barreiras de Saída: Regras protecionistas de determinadas operadoras de planos de saúde garantem o pagamento da comissão ao corretor até o próximo aniversário do contrato. Na prática isto deveria ser aprovado por você, na medida em que é quem efetivamente paga pela comissão. Como antidoto, recomendo a exigência de uma carta de anuência de seu corretor onde ele concorda em transferir a corretagem, a qualquer momento, caso esta seja a sua vontade como cliente. Naturalmente que as bases para esta eventual transição devme estar pactuadas entre as partes, uma vez que corretores muitas vezes têm investimentos envolvidos. Em suma, aqui cabe a máxima de que você “não deve contratar ninguém que não possa demitir.”
7. Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS): Solicite ao seu corretor, no momento da apresentação de estudos de mercado, os resultados da avaliação das operadoras que são traduzidos pelo Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS). Segundo o site da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o IDSS “permite a comparação entre operadoras, estimulando a disseminação de informações de forma transparente e a redução da assimetria de informação, falha de mercado que compromete a capacidade do consumidor de fazer suas escolhas no momento da contratação ou troca de um plano de saúde e a ampliação da concorrência baseada em valor no setor”.
8. Programa de Certificação de Boas Práticas em Atenção à Saúde de Operadoras de Planos Privados de Assistência à Saúde (PCBP): Recente resolução normativa da ANS (440) instituiu este programa voluntário de “avaliação da adequação a critérios técnicos pré-estabelecidos para uma rede de atenção à saúde específica ou para uma Linha de Cuidado específica de uma Operadora.” Entre seus principais objetivos constam: (1) a melhoria do acesso à rede prestadora de serviços de saúde, da qualidade da atenção à saúde e da experiência do beneficiário, (2) o fomento à adoção de boas práticas em atenção primaria de saúde e (3) a ampliação do acesso a médicos generalistas na rede de cuidados primários da saúde suplementar. Procure entender quais as certificações ou iniciativas do ponto de vista assistencial que estão sendo adotadas pela sua atual operadora de planos de saúde.
9. Indicadores de Desfecho Clínico: Prestadores de serviços médico-hospitalares têm procurado evoluir, cada vez mais, na construção de indicadores que tangibilizem a efetiva qualidade dos serviços que entregam. De início procure saber, por exemplo, quais as instituições acreditadas por órgãos certificadores nacionais e/ou internacionais e como isto se traduz em benefícios para seus colaboradores e para sua empresa. Mas é preciso ir além. Solicitar informações sobre indicadores de desfecho clínico é mais um passo no sentido de poder fazer comparações e, consequentemente, escolhas entre hospitais.
10. Abrangência de Novos Modelos de Remuneração: É consenso que o modelo preponderante de remuneração de prestadores de serviços médico-hospitalares constitui um dos maiores ofensores de aumento de custos em saúde. Resumidamente, remunera-se por volume e não por valor em saúde. O estímulo à implementação de modelos de remuneração inovadores para melhora da qualidade assistencial e sustentabilidade do setor é uma das bandeiras capitaneadas pela ANS. Portanto, seria altamente recomendável, como critério de avaliação de operadoras no momento de um estudo, a exigência de informações sobre a abrangência e especificação de novos modelos de remuneração já em vigor pelas mesmas e os impactos após a sua adoção.
Em suma, a tão falada agenda de valor em saúde precisa obrigatoriamente permear todos os elos que compõem o sistema de saúde suplementar. Neste sentido, colocar luz e corrigir as práticas de remuneração frequentemente conflituosas e pouco transparentes assim como exigir informações a respeito de modelos assistenciais em vigor, se traduzem no único caminho viável na construção de um sistema de saúde suplementar que seja sustentável. A meu ver, não há como se falar em valor em saúde para o paciente se não reconstruirmos todos os degraus do caminho que efetivamente nos levam nesta direção. Não os subestimemos!