Existe uma categoria de beneficiários no plano de saúde que cada vez mais vem se tornado notória por causa do seu contexto específico, que extrapola em muito o conceito meramente de oferecer um benefício aos colaboradores. Estamos falando dos inativos ou mais especificamente dos demitidos e aposentados que têm previsão de permanência no plano de saúde coletivo empresarial a partir do momento em que o beneficiário e seu grupo familiar assumem esta característica. Desde o início da lei 9.656/98, a proteção desta categoria estava prevista através dos artigos 30 e 31 da lei dos planos de saúde.
O que vinte anos atrás parecia apenas um detalhe menos importante, ou algo que soava muito bem a quem avaliava a lei, tornou-se um problema a ser gerido e, mais uma vez, pesando sobre o empregador. Afinal quem poderia ser contra a manutenção de um demitido ou de um aposentado no plano de saúde? Até porque a lei sempre deixou claro que a condição do beneficiário para exercer este direito era que ele arcasse com 100% do custo do seu grupo familiar nas mesmas condições da empresa. Não só o custo, mas também todas as características do contrato, como o último plano vigente e demais regras estabelecidas pela empresa.
De lá pra cá, o cenário do que deveria ser um assunto sem ônus para as empresas e de decisão particular e individual de cada beneficiário foi se tornando um problema cada vez maior.
Os artigos 30 e 31 da lei previam a continuidade mediante não só ao pagamento integral do plano, mas também que só teria direito quem um dia contribuiu de forma fixa durante sua condição de ativo. Depois a RN 279 da ANS deixou mais claro o conceito de contribuição e coparticipação, sendo que a primeira dá direito à manutenção do inativo e a segunda não. É sempre bom lembrar que o texto da lei diz que os demitidos podem permanecer 1/3 do tempo que contribuíram, limitado ao mínimo de 6 meses e ao máximo de 2 anos. Os aposentados podem permanecer 1 ano para cada ano de contribuição e, caso a contribuição fixa tenha excedido 10 anos, podem ficar de forma vitalícia.
A oferta de planos individuais ficou escassa, deixando este público com poucas opções se imaginarmos que ele tem como comparação de custo o valor da sua contribuição (uma pequena parte do valor total) com os valores integrais e por faixa etária disponível para contratação individual ou nos contratos coletivos por adesão.
O país começou a envelhecer e a crise econômica aumentou o desemprego, o que fez a demanda deste público aumentar sem que ele tivesse condições de arcar adequadamente com os custos.
A judicialização, que já é alta no segmento de saúde suplementar, trouxe uma enorme insegurança para as empresas, já que começaram a surgir várias decisões judiciais contrarias à lei e às resoluções da ANS. No campo das liminares tem de tudo: inativos que nunca contribuíram e pagam valores irrisórios, inadimplentes que não podem ser cancelados etc.
Muitas empresas (e quanto maior ela é, maior o problema), impossibilitadas de manter sob controle o aumento dos inativos e do seu passivo, começaram a rever suas políticas extinguindo a contribuição fixa ou transformando-a em coparticipação, ou começaram a cobrar apenas dos dependentes (a RN 279 dá essa brecha, sem caracterizar como contribuição se cobrada exclusivamente dos dependentes). Existiam até mesmo diversas situações de grandes empresas que no passado mantinham os inativos por liberalidade e depois se depararam com um alto custo.
Acontece que quanto maior a massa de inativos e quanto menor a possibilidade de cobrar adequadamente o inativo pelo seu custo efetivo, mais empresas se viram obrigadas (algumas legalmente) a reconhecer isto como um passivo atuarial no balanço das empresas.
As polêmicas são diversas:
- Pode-se cobrar os inativos por faixa etária se o contrato de ativos tem valor médio?
- Qual o valor adequado de cobrança quando o contrato é de pós-pagamento?
- O inativo pode fazer down grade para pagar menos?
- Como saber se o demitido conseguiu um novo emprego e, por conseguinte perdeu o direito de permanecer na extensão pós-emprego?
- Como lidar com um estoque de inativos numa reestruturação de plano ou até mesmo troca de operadora?
- Como manter um controle de adimplência nas situações onde a operadora não faz a “boletagem” deste público?
Minha visão é de que a empresa hoje se depara com uma situação em que ela não é simplesmente uma gestora de benefícios, mas também uma gestora de bem-estar social. Há certamente uma transferência da responsabilidade de dar acesso à saúde de qualidade. Antes deliberada livremente pela empresa, agora passou a ser praticamente uma responsabilidade social. A questão dos inativos que tentam a todo custo manter sua extensão no plano médico é totalmente compreensível sob a ótica do beneficiário que se vê desassistido na hora em que mais precisa de plano de saúde pela falta de oferta do mercado e pelo acesso precário oferecido pelo Estado através do SUS. Por outro lado, é preciso entender que esta situação só cria tensão num problema cuja origem é a seguinte: quem deve de fato pagar a conta de saúde de um demitido ou aposentado? Esta pergunta levanta uma série de questões políticas e ideológicas que não é o foco deste artigo, mas que certamente polemiza ao máximo a questão dos dois lados (beneficiários e empresas).
É fácil se distanciar da questão humana e achar que os inativos passaram a ser um peso para o seu antigo empregador, sobretudo quando o beneficio pós-emprego se dá por força de uma liminar, mas o drama de quem precisa de um acesso mais efetivo à saúde só pode ser entendido por quem o viveu. É mais fácil ainda demonizar de maneira genérica todas as empresas que tentam ao máximo mitigar nos limites da lei a manutenção dos inativos, porém, o que não se noticia é o peso sensível que os inativos geralmente causam no custo independentemente da existência ou não de passivo atuarial reconhecido em balanço.
Imaginar que cada vez mais empresas repensam o plano de saúde coletivo empresarial, pressionados sob a perspectiva de ter um público de ex-colaboradores gerando um passivo que a longo prazo pode durar tanto quanto a própria empresa, pode colocar em risco a manutenção tranquila deste benefício avaliado como tão importante para a retenção dos funcionários.
Finalmente, cenário posto, resta ao gestor de benefícios se adaptar da melhor forma possível. Quando eu me lembro dos pouquíssimos exemplos de “quase perfeita harmonia” que já presenciei entre inativos e empregadores, vejo a maioria das características abaixo sempre presente:
- A precificação é por faixa etária, porém, representa de maneira justa o custo médio geral. Se o inativo representasse um passivo irreconciliável, não teríamos alguns modelos de sucesso que atendem justamente este nicho;
- Os inativos estão organizados e conscientes da vantagem que é manter o benefício via empresa;
- Houve em algum momento um pacto entre ativos e inativos mediado pela empresa. Ficaram claros os impactos e responsabilidades;
- O plano de saúde é estável em termos de políticas e regras;
- A comunicação com os inativos é clara e efetiva. Muitas vezes as empresas perdem o contato de tal forma com este grupo que não conseguem sequer cobrar as mensalidades, não têm telefone e endereços atualizados. A empresa deveria manter um contato atualizado mesmo quando é quem controla a cobrança e a inadimplência;
- Algumas empresas criam uma estrutura ativa e, por vezes, presencial de acesso e suporte em ocasiões especiais, como por exemplo, reajuste ou alterações de produto, e até mesmo cobrando e controlando as mensalidades quando a operadora não faz este papel ou quando não opera facilmente as particularidades da cobrança.
A manutenção do plano coletivo empresarial é sem dúvida do interesse de todos (ativos, inativos, empresas e toda a cadeia produtiva). Olhar para a outra parte como um aliado para equilibrar a questão é um caminho mais duradouro do que tomar o outro lado como um adversário. Nem sempre é possível, mas deveria ser sempre o impulso. Afinal, todos nós somos potencialmente os futuros inativos. O pacto deveria ser planejado desde já.