Temos visto com alguma frequência interferências externas na saúde suplementar. Fico pensando qual seria a nossa parcela de responsabilidade diante deste cenário, como gestores, operadoras, intermediários, fornecedores e usuários de planos de saúde. Seríamos apenas vítimas? Acredito que não!
Ainda que não concorde com qualquer interferência de cunho político que desrespeita regras e carece de fundamentação técnica, tampouco concordo com as nossas atitudes coletivas que definitivamente contribuem para estas interferências. Não somos apenas vítimas. A nossa parcela de responsabilidade começa na atuação individualizada, que acirra a divisão, destrói valor para o sistema e abre espaço para interferências externas que só pioram o que já está ruim. Salve honrosas exceções que ainda não são suficientes, vejamos exemplos do que vigora neste sentido:
1. Via de regra, empresas contratantes de planos de saúde, lavam as mãos achando que sua responsabilidade na gestão da saúde de seus colaboradores se resume ao pagamento de um boleto;
2. Bons hábitos de vida, que têm relevante peso sobre custos em saúde, não são minimamente levados em consideração na precificação de produtos ofertados aos beneficiários;
3. Beneficiários, seja por falta de orientação, seja intencionalmente, muitas vezes fazem uso indevido de seus planos de saúde;
4. Corretores de planos de saúde são remunerados (comissão e agenciamento) por um percentual da fatura paga pelo cliente. Ou seja, quanto mais caro para o beneficiário, melhor para o corretor;
5. Salve raras exceções, planos de saúde não são planos de saúde. Simplesmente pagam despesas relacionadas a doenças;
6. Hospitais têm suas receitas diretamente atreladas a volume e não a resultados (desfechos);
7. Operadoras se utilizam de leis de mercado (oferta e demanda) para remunerar de forma igual (e injusta, por consequência), profissionais de saúde;
8. Distribuidores de OPMEs frequentemente remuneram médicos (com conhecimento das indústrias), por utilizarem seus materiais;
9. Indústrias de equipamentos inundam o mercado com tecnologias de última geração, sem qualquer embasamento sobre as efetivas demandas em suas áreas de atuação;
10. A indústria farmacêutica por vezes estimula a medicalização da vida;
11. Custos crescem absurdamente às custas de baixa eficiência das partes.
Onde está o tal do paciente no centro do sistema? E, de que forma os discursos em webinars e lives sobre valor em saúde têm se traduzido em resultados para um sistema mais eficiente? Esqueçam, isto simplesmente não tem ocorrido! Com raríssimas exceções, temos rezado a cartilha da própria “$OBREVIVÊNCIA” preferindo nos enganar quanto ao fato de que este comportamento vem destruindo a SOBREVIVÊNCIA coletiva. E assim seguimos, fazendo discursos, produzindo papers e visitando parlamentares com agendas de interesse prioritariamente individual.
O fato é que os atuais incentivos financeiros desalinhados, e por vezes conflitantes, têm nos feito reféns e estimulado uma perigosa divisão onde prevalece a conjugação do “eu ganho” e “tu perdes”. Quando vamos acordar para a dura constatação de que, no longo prazo, se só eu ganho, todos perdem?
Valor em $aúde tem sido a prática, enquanto valor em saúde tem ficado no discurso. Dito de uma outra forma, conhecemos o EBITDA e seus múltiplos para esta ou aquela empresa, mas não somos informados, por exemplo, sobre os indicadores de desfecho de serviços de saúde país afora, que seriam de grande valor para a tomada de decisão por parte dos beneficiários. Naturalmente não são informações excludentes, mas apenas confirmam o que temos priorizado em nossa agenda.
Sim, e qual o resultado disto? Os números não mentem: de 2011 a 2020 o número de beneficiários cresceu apenas 1,5%, enquanto o reajuste de planos individuais (para fins desta reflexão) foi de 140,36%. Desde a crise de 2015 vimos perdendo beneficiários, mas isto parece não nos incomodar. Vida que segue. Precisamos dizer mais ou vamos continuar preferindo culpar exclusivamente as crises econômicas por este fiasco?
É neste contexto que tenho me perguntado: até que ponto devemos apenas nos vitimizar quando os poderes constituídos, ainda que a partir de um olhar superficial, desprovido de conhecimento técnico e frequentemente oportunista, “mexem no nosso queijo” (ou seria na resultante dos nossos “incentivos”)?
Se eu fosse o presidente da Câmara dos Deputados (apenas para me restringir à recente interferência), teria tido uma atitude diferente. Convocaria entidades de classe como ANAHP, CNS, ABRAMED, FENACOR, FENASAÚDE, ABRAMGE, UNIMED, INTERFARMA, ABIMO, ABIMED, PROCON, entre outras tantas, apenas para lhes perguntar qual o plano estratégico que coletivamente têm para a saúde suplementar? E qual o plano de trabalho (metas e prazos) para que sejam endereçados temas de interesse comum como: transparência, acesso, correção de incentivos, desfechos, combate à corrupção, eficiência e, consequentemente, redução de custos?
Imagino que muitos acharam graça deste pensamento utópico de minha parte, afinal é impensável pensar em ações coordenadas neste sentido. Mas, passada esta primeira impressão, me pergunto se teríamos algo a dizer ou a fazer? E, que até lá, no mínimo não fiquemos na zona de conforto de achar que somos apenas vítimas.