“Desenhando” o Esclarecimento da ANS sobre a Suspensão de Reajustes | Arquitetos da Saúde
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“Desenhando” o Esclarecimento da ANS sobre a Suspensão de Reajustes

A ANS publicou em seu site na quarta-feira, 26 de agosto, informações sobre a suspensão dos reajustes de planos de saúde. O “esclarecimento” dado, a meu ver, apenas esclarece uma questão: o equívoco embutido nas entrelinhas desta decisão.

Vejamos o que disse a ANS sobre como vai funcionar a suspensão da aplicação dos reajustes de planos de saúde (maio/2020 a abril/2021) no período de setembro a dezembro. Em seguida “desenharemos” alguns exemplos hipotéticos do que pensarão muitos consumidores em várias das situações previstas.

1)   PLANOS INDIVIDUAIS / FAMILIARES

O que diz a ANS: “Como a ANS ainda não divulgou o percentual máximo para esse período, não haverá qualquer cobrança em 2020. É importante esclarecer, ainda, que a partir de janeiro de 2021, as cobranças voltarão a ser feitas considerando os percentuais de reajuste anual e de mudança de faixa etária para todos os contratados que já tiverem feito aniversário. A ANS informa que a recomposição de valores não aplicados em 2020 será realizada ao longo de 2021”.

O que pensará o consumidor: “De um lado, não terei reajuste até dezembro, mas de outro, terei um enorme aumento de custos a partir de janeiro do ano que vem, na medida em que, além dos reajustes (anual e de faixa etária) pagarei pela recomposição dos valores não cobrados este ano. E como será o pagamento desta cobrança? O que quer dizer exatamente a ANS com “ao longo de 2021”? Isto sem falar que em maio de 2021 já terei novo reajuste. Pensando bem, já sei o que vou fazer. Em janeiro recorro ao judiciário”.

2)   PLANOS COLETIVOS POR ADESÃO E COLETIVOS EMPRESARIAIS COM ATÉ 29 VIDAS (AGRUPAMENTO DE CONTRATOS)

O que diz a ANS: “Para os contratos que já tiverem sido reajustados entre maio e agosto de 2020, a mensalidade acrescida do percentual de reajuste NÃO PODERÁ SER COBRADA nos meses de setembro a dezembro de 2020. Nesses meses, a mensalidade voltará a ter o valor cobrado pela operadora antes do reajuste de 2020. Os contratos que ainda não tiverem sido reajustados não poderão ter o percentual aplicado em 2020”.

O que pensará o consumidor: “Sou dono de um pequeno comércio que vem sendo enormemente afetado pela pandemia desde março. Pagava uma fatura de R$ 3.000,00 por mês (10 vidas). Fui reajustado em 9% em maio, passando a desembolsar R$ 3.270,00 por mês. Em junho tive que demitir 30% dos meus colaboradores e passei a pagar R$ 2.289,00 por mês. Quer dizer que entre setembro e dezembro não serei cobrado os 9% de reajuste, alterando minha fatura mensal para R$ 2.100,00? Mas logo ali em janeiro, terei que voltar a pagar os 2.289,00 acrescidos da recomposição de R$ 756,00 (R$ 189,00 por quatro meses). E como será esse pagamento? Quanta confusão para pouco resultado. Como já fizeram alguns pequenos comerciantes amigos meus no passado recente, estou seriamente pensado em simplesmente cancelar a minha apólice de plano de saúde. Não será uma medida politiqueira como esta que irá tornar o plano viável para minha empresa e para tantos outros pequenos negócios.”

3)     PLANOS COLETIVOS POR ADESÃO COM 30 VIDAS OU MAIS

O que diz a ANS: “Não existe data-base para aplicação de reajuste anual e o percentual é negociado entre a pessoa jurídica contratante e a operadora/administradora. Para os contratos que já tiverem sido reajustados entre janeiro e agosto de 2020, a mensalidade acrescida do percentual de reajuste NÃO PODERÁ SER COBRADA nos meses de setembro a dezembro de 2020. Nesses meses, a mensalidade voltará a ter o valor cobrado pela operadora antes do reajuste 2020. Os contratos que ainda não tiverem sido reajustados não poderão ter o percentual de reajuste aplicado em 2020”.

O que pensará o consumidor:

Exemplo1: “Bom, apesar de estar ligado a um contrato coletivo, eu não tenho um RH e tenho uma analogia mais próxima ao plano individual, já que pago integralmente pelo meu plano e minha adesão e permanência é livre. Meu plano foi reajustado em julho e minha operadora / administradora já tinha me garantido uma suspensão, porém, até outubro. Eu gostaria de poder escolher se quero ou não este adiamento. Será que haverá mesmo uma cobrança retroativa dos valores suspensos? Como ela se dará? Em seis parcelas até o próximo reajuste? Em 12 vezes?

Exemplo2: “Não fui reajustado ainda e minha data base é setembro. Já que não haverá aplicação do reajuste em 2020, quem me garante que o índice proposto não será afetado por esta medida, já que minha administradora alega que sempre consegue um reajuste menor do que o previsto contratualmente? Teremos ao menos a divulgação do índice antes de setembro para poder nos programar? Como será este parcelamento dos valores suspensos a serem cobrados retroativamente a partir de janeiro de 2021?

4)   PLANOS COLETIVOS EMPRESARIAIS COM 30 VIDAS OU MAIS

O que diz a ANS: “Nos casos em que os percentuais já tiverem sido negociados até 31 de agosto de 2020, as mensalidades serão mantidas da forma acordada entre as partes e NÃO HAVERÁ SUSPENSÃO de cobrança de mensalidade reajustada nos meses de setembro a dezembro de 2020. Para os casos em que os percentuais não tiverem sido definidos, o percentual de reajuste NÃO PODERÁ SER APLICADO nos meses de setembro a dezembro de 2020. É importante ressaltar que no caso dos planos com 30 ou mais vidas, a pessoa jurídica contratante poderá optar por não ter o reajuste suspenso, se for do seu interesse, desde que a operadora faça uma consulta formal junto ao contratante. Caso contrário, o reajuste não poderá ser aplicado nos meses de setembro a dezembro de 2020”.

O que pensará o consumidor:

Exemplo 1: “Tenho uma indústria com 35 funcionários (não tenho dependentes na apólice). A duras penas, negociei um reajuste de 12% no meu plano de saúde (me pediram 30%), passando a pagar R$ 12.500 mensais a partir de agosto. Li no jornal que, no meu caso, por ter mais de 29 vidas, não terei suspensão de cobrança de mensalidade reajustada nos meses de setembro a dezembro de 2020. Mas como terei que demitir 20% do meu quadro agora no final do mês, ficarei com 28 funcionários a partir de setembro. Neste caso o reajuste não será cobrado a partir de setembro até dezembro, correto? Mesmo não achando que esta medida resolve o desafio de continuar arcando com aumentos de custos proibitivos ano após ano, estou confuso.

Em tempo: Se a ANS pode suspender a aplicação de um reajuste em contratos coletivos, ela entende que o consumidor final também precisa ser protegido dentro deste tipo de contrato, o que muda o seu entendimento com relação à definição dos valores de reajuste dos planos coletivos. Estaria a ANS a um passo de “controlar” o percentual do reajuste de planos coletivos?”

Exemplo 2: “Sou diretor de uma empresa que tem 2.500 vidas na apólice de planos de saúde. Negociei com a operadora com a qual tenho contrato há cinco anos um desconto na minha apólice de 10% a partir de julho. Isto foi possível em função da empresa que dirijo efetivamente cuidar da saúde dos colaboradores a partir de um programa muito bem estruturado nos últimos anos, o que acabou gerando redução de custos. Desde a crise de 2015, entendi que não fazia sentido simplesmente terceirizar a gestão de custos de saúde e assumi as rédeas da gestão nesta área. Pergunto-me por que o órgão regulador, ao invés de interferir de forma temporária em aspectos contratados e pactuados livremente, não foca suas ações em endereçar as causas que fazem aumentar os custos da saúde na proporção que temos visto nos últimos anos? Isto sim seria benéfico para empresas e consumidores. Felizmente, de minha parte, acordei para isto há tempos.

Em suma, pelo que se vê, a emenda deverá sair pior que o soneto. Basta estar minimamente atento para confirmar o que os “esclarecimentos” da ANS confirmam sobre a recente decisão: além de confusa, gera insegurança jurídica por desconsiderar regras contratuais estabelecidas, potencializa a judicialização ilegítima, abre a porta para interferência em reajustes coletivos e está longe de proteger o consumidor!!

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