A presidente da Associação Brasileira dos Profissionais de Recursos Humanos (ABPRH), Milva Gois, organizou recentemente uma publicação intitulada Boas Práticas de Gestão de Saúde Corporativa, com a participação de 29 profissionais de referência na saúde suplementar. Nesta entrevista ela conta que a motivação para o livro foi, entre outras coisas, instrumentalizar as empresas, passar informação e ferramentas para que possam contratar, implantar e fazer a gestão de serviços de saúde de forma adequada. Especialista em Direito Empresarial e Regulação em Saúde, com mais de 20 anos na área de saúde suplementar, Milva aborda temas como a transformação do sistema, LGPD e, sobretudo, a importância de olhar a saúde corporativa como estratégia e não mais como um pacote de benefícios, como se fazia no passado.
Em novembro foi lançado o livro Boas Práticas de Gestão de Saúde Corporativa, um projeto organizado por você com a participação de 29 coautores dos mais diversos segmentos da saúde suplementar. O que motivou o projeto?
Milva Gois: O Livro Boas Práticas em Gestão de Saúde Corporativa faz parte de um projeto maior, de implantação efetivamente de boas práticas de gestão corporativa nas empresas. É uma forma de disseminar boas práticas. Ele foi desenvolvido com o objetivo de instrumentalizar as empresas empregadoras, contratantes dos serviços de saúde, para contratarem, implantarem e fazerem a gestão efetivamente da saúde, justamente por entendermos que as empresas empregadoras devem ser as protagonistas, pois elas são efetivamente a fonte pagadora no sistema de saúde e eu acredito que esse sistema é transformado a partir de quem contrata, a partir de quem coloca dinheiro. Essa empresa, contratando de forma adequada, demandando de forma diferenciada, começa a transformar o sistema e o nosso objetivo é justamente esse: instrumentalizar as empresas, passar informação, passar ferramentas para que possam contratar, implantar e fazer a gestão de serviços de saúde de uma maneira mais adequada. Reuni 29 coautores em 17 capítulos. Uma obra bastante abrangente que trata sobre a contratação do plano coletivo, gestão de saúde populacional, identificação de perfil de saúde dos colaboradores, implantação de programa de promoção de saúde de acordo com o perfil identificado, integração de saúde assistencial com ocupacional, proteção de dados, educação para a saúde, saúde mental, que hoje em dia é um tema tão relevante nas empresas, entre outros temas.
Quais as principais transformações que vêm ocorrendo no sistema de saúde suplementar e quais os impactos sobre as relações entre os diversos atores da cadeia?
Milva Gois: O sistema de saúde vem se transformando muito. Hoje em dia a forma de pagamento vem sendo questionada e alterada em muitas relações, com um foco maior em resultado, em desfecho clínico. A atenção tem sido efetivamente mais centrada no beneficiário. Os players, pressionados pelo custo, têm buscado soluções e mudanças. Nos últimos anos, especialmente quem contrata todos esses serviços, um importante player, começou a ser mais protagonista, passou a exercer um papel mais ativo dentro desse sistema, dentro dessa cadeia, que é a empresa contratante. Hoje fala-se muito de valor em saúde, atenção primária. Há, cada vez mais, a necessidade de uma relação de parceria entre todos e existe um custo altíssimo que é o custo da desconfiança dentro do sistema. Um tem que ficar auditando o outro. O sistema como um todo vem se transformando, especialmente pressionado pelo custo. Isso tem impactado nas relações entre os players para que possam trabalhar de uma forma mais conjunta, mais harmônica, colaborativa. Oportuno mencionar a Lei Geral de Proteção de Dados, que vai impactar bastante o sistema, muito mais do que as pessoas possam imaginar. A transmissão de informação vai ter que mudar, sofrerá ajustes para atender essa nova legislação. Existe previsão de multas altíssimas, inclusive há expectativa por parte da União de alta arrecadação com essas multas, porque as empresas não estão ainda preparadas para isso. Então nós estamos efetivamente em forte transformação, o que vejo de uma forma muito positiva.
A gestão de saúde corporativa sempre nos remete ao benefício do plano de saúde. Você acredita que seria possível correlacionar de forma positiva incentivos à prevenção de saúde através do plano médico e que este pode cumprir uma finalidade maior nas empresas além de ser meramente mais um benefício dado por elas para melhorar a retenção ou até mesmo apenas cumprir uma obrigação do acordo coletivo de trabalho?
Milva Gois: É um equívoco pensar em plano de saúde quando se pensa em gestão de saúde. Na verdade, a empresa do futuro é a empresa que olha para a saúde, olha para a gestão da saúde como algo dentro da sua estratégia porque vai impactar no seus resultados, no seu posicionamento de marcado, na sua imagem, vai muito além do benefício. Empresa que olha para a saúde apenas como um pacote de benefícios está com uma visão ultrapassada, é uma empresa do passado. O primeiro ponto é atualizar essa visão, colocar efetivamente a saúde como estratégia e não como pacote de benefícios. A questão da promoção da saúde é importante e requer foco. Não é implantar ações isoladas, é ter programa efetivamente, para isso é necessário conhecer o perfil de saúde dos colaboradores, conhecer a cultura da empresa, as necessidades da empresa para implantar algo que seja efetivamente alinhado e possa gerar resultados.
Com base na sua experiência, que mensagem você deixaria para as empresas que estão de fato dispostas a assumir a gestão da saúde dos seus colaboradores?
Milva Gois: A mensagem que deixo para as empresas, sem receio de ser repetitiva, mas salientando algo muito importante, é que o início de uma gestão efetiva deve ser o entendimento da cultura da empresa e o mapeamento do perfil de saúde dos colaboradores, tendo clareza sobre as necessidades reais da empresa em relação à saúde. Tem que colocar saúde dentro da estratégia da empresa e alinhar com os pares. Não podemos esquecer que na gestão da saúde existem os custos diretos, com relação ao benefício plano de saúde, mas existem os custos indiretos, com absenteísmo, baixa produtividade, afastamento, imagem, clima organizacional, tudo impacta diretamente no resultado. Mostrar aos colaboradores uma atenção real, genuína com a saúde deles, orientar adequadamente, entender o que está acontecendo: isso é efetivo. E para o RH isso é muito importante. Quando há uma área de saúde dentro da empresa, é fundamental que o RH trabalhe em parceria com essa área, orientando, acolhendo os colaboradores. Porque simplesmente implantar o plano de saúde não é fazer gestão de saúde.
A gestão pode ser construída em parceria com a operadora de plano de saúde e uma boa consultoria, buscando os recursos e soluções adequadas para cada situação, uma rede que ofereça uma atenção em casos específicos, casos mais delicados, que tenha prestadores de segunda opinião, atenção primária para orientar adequadamente os colaboradores num primeiro momento e direcionar de forma correta. A empresa pode efetivamente utilizar algo que ela já faz, que é a saúde ocupacional, de uma maneira mais produtiva, utilizar esses atendimentos da saúde ocupacional além daquilo que a legislação exige, com exames admissionais, exames periódicos, demissionais, utilizar as informações que são colhidas nesses exames para integrar com o assistencial e fazer uma gestão efetiva. Muitas vezes a empresa não consegue construir isso porque não tem esse foco, porque não tem o entendimento, as informações necessárias a respeito, então quando falamos em implantar boas práticas em gestão de saúde corporativa, o que se pretende é fazer com que as empresas tenham essas informações e ferramentas para adequar, oferecer mentoria, capacitação, desenvolvimento para implantarem efetivamente essas boas práticas, saberem o que pode e o que deve ser feito em cada caso. Muitas vezes a empresa fica preocupada apenas com o custo e acredita que realizar algumas ações vai gerar mais custo. Na verdade, pode diminuir o custo e melhorar os resultados. Vale a pena investir em saúde, vale a pena colocar a saúde como estratégia dentro da empresa. Isso sim é empresa do futuro.