Na saúde suplementar, “quem (sofre) faz a hora, não espera acontecer” | Arquitetos da Saúde
Reflexões para Ontem

Na saúde suplementar, “quem (sofre) faz a hora, não espera acontecer”

Confesso que não me lembrava da última vez que saí energizado de um evento sobre saúde suplementar. Até por esse motivo deixei de frequentar parte deles nos últimos anos. Afinal, o resumo era sempre o mesmo: um bando de gente reclamando do setor ao mesmo tempo em que recitavam, com tom quase convincente, as soluções a serem colocadas em prática. Pautados por “sempre ele, Michael Porter!” ou alguns dos milhares de artigos compartilhados em grupos temáticos de mídias sociais, as soluções davam um ar de inteligência ao seu propagador e uma percepção de simplicidade em sua execução. Porém, da porta para fora, o mundo continuava em grande parte velho, com muito discurso sobre a necessidade de mudança, mas com pouca demonstração de mudar. Mas, desta vez foi diferente, na medida em que ao invés de sair com o lenço enxaguado de lágrimas, saímos todos com uma lanterna que nos permitia enxergar um futuro melhor.

Pois bem, como moderador do evento “Eficiência na Gestão de Saúde Corporativa”, promovido pelo ComSaúde da Fiesp, sob a coordenação de Ruy Baumer, Eduardo Santana e competente equipe, iniciei minha breve introdução compartilhando as principais mensagens absorvidas das brilhantes exposições de Rodrigo Aguiar (Diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar), Edson Demarchi (VP Global Benefits AMBEV e CEO da Fundação Antonio e Helena Zerrener), Rodrigo Filus (Supervisor de  Benefícios de Saúde e Ergonomia Corporativa da Volkswagen do Brasil) e Leonardo Piovesan (Médico do Trabalho do Hospital Alemão Oswaldo Cruz). Destaco alguns pontos que foram inicialmente destacados por boa parte dos presentes.

  1. Em sua fala de abertura, o diretor da Agência Nacional de Saúde Suplementar, Rodrigo Aguiar, demonstrou, a partir de ações e normativos já existentes, o protagonismo (reconhecido por vários dos palestrantes) que o órgão regulador vem exercendo não só de forma estruturante, mas também indutora, na construção de um sistema de saúde suplementar sustentável, naturalmente nos limites do que lhe cabe como órgão regulador.
  2. Coletivamente, operadoras, corretoras de planos de saúde, prestadores de serviços médico-hospitalares, distribuidores de insumos, indústria de equipamentos, indústria farmacêutica, etc. foram incapazes de implementar soluções do ponto de vista assistencial e de modelo de remuneração entre as partes que contribuíssem para tornar o benefício saúde minimamente sustentável.
  3. Em função disto, contratantes desistiram de aguardar “soluções” e se cansaram do “mundo velho” da saúde, pautado por pouca transparência, absoluta desintegração entre os atores, incentivos financeiros conflitantes, ausência de políticas de saúde e, consequentemente, aumento de custos de forma recorrente em duas casas decimais.
  4. As alternativas de prateleira oferecidas por operadoras de planos de saúde não mais atendem a parcela de empresas que têm realidades e necessidades distintas daquelas oferecidas. Para serem efetivas, as soluções precisam ser construídas a partir das particularidades das empresas contratantes.
  5. Fazendo uma analogia, empresas contratantes deixaram o assento de passageiro do avião e assumiram a cabine de comando na condição de copilotos do Boeing chamado saúde corporativa (o papel de piloto cabe ao usuário). Enfim, deixaram de ser expectadoras e entenderam a importância de não mais delegar a condução deste voo.  Ficou claro que a terceirização da gestão foi um erro que não estão mais dispostas a correr.

A partir do diagnóstico inicial das instituições acima citadas, passo a compartilhar caminhos trilhados na construção do “mundo novo” da saúde nas empresas. Ainda que não sejam receitas de bolo, contribuem como auxílio para a reflexão de tantas outras empresas que desejam mudar seu destino em relação ao plano de saúde de seus colaboradores e dependentes.

  1. É fundamental partir de um diagnóstico técnico e estratégico que permita ter uma visão muito clara do quadro atual da empresa e do que se espera num cenário de contínua inação. Naturalmente, o quadro será sempre assustador.
  2. Feito o diagnóstico, necessariamente acompanhado por um mapeamento de oportunidades em inúmeras frentes (política de benefícios, rede credenciada, modelos de remuneração e políticas assistenciais), é fundamental obter o patrocínio da alta direção com a compreensão de se tratar de um longo processo com investimentos iniciais necessários.
  3. Uma vez aprovado o plano, deve-se investir tempo e recursos na construção de um banco de dados próprio com informações padronizadas, que deve ser de propriedade da respectiva empresa.
  4. O que chamo de micro regulação (co-regulação feita pela área médica das empresas) é um caminho necessário para preencher as lacunas que a macro regulação das operadoras não atinge, porém, isto deve ser feito de forma alinhada com as operadoras parceiras tendo em vista questões regulatórias.
  5. Estratégias de comunicação junto às colaboradoras (e sindicatos quando for o caso) são fundamentais para desconstruir a histórica e equivocada imagem do que vem a ser cuidado com a saúde, gerando adesão e comprometimento às boas práticas em saúde.
  6. Empresas não querem mais as operadoras como meras intermediárias financeiras, mas contam com as mesmas na construção de soluções desde que pautadas por novas abordagens alinhadas com as necessidades reais dos beneficiários e da empresa.
  7. Redução de custos são consequência da revisão de políticas, redesenho de redes (definidas pelo que está disponível em termos de KPYs) definição de produtos que atendam às necessidades específicas, correção de incentivos e, principalmente, pautados por políticas de saúde.
  8. A preocupação com o melhor cuidado aos colaboradores, bem como a satisfação dos mesmos, é ponto fundamental e de constante acompanhamento por parte dos contratantes.
  9. Destaco neste particular, o caso específico e impressionante da AMBEV, a redução de custos, já descontados os investimentos estruturantes em BI, equipe, controladoria médica, etc. foi de R$ 90 milhões entre 2017 e 2018. Surreal constatar uma redução de quase 30% sem ainda incluir captura de reduções esperadas por conta de iniciativas assistenciais recentes.
  10. Prestadores de serviços médico-hospitalares têm uma dúvida histórica com os contratantes no sentido de ainda não produzirem de forma isenta e/ou disponibilizarem indicadores de desfecho clínico de forma a contribuir para as melhores escolhas às quais os contratantes estão ávidos para fazer num contexto crescente de construção de redes próprias.

Ficou claro que os resultados já são importantes, tanto do ponto de vista assistencial, quanto de satisfação e financeiros. Naturalmente ainda há muito a se fazer, mas o caminho já está traçado. E o grande aprendizado que fica pode ser melhor resumido na adaptação da famosa frase de Geraldo Vandré, que disse em minha fala como moderador: “Quem sofre faz a hora, não espera acontecer.” Foi exatamente isto o que vimos a partir dos cases da AMBEV, Volkswagen e Hospital Alemão Oswaldo Cruz.