Decisões recentes da ANS desagradaram determinados setores da opinião pública, gerando desgaste na imagem do órgão regulador. Entre estas, destacamos duas: a tentativa da Justiça Federal de São Paulo, atendendo a um pedido do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), em limitar o reajuste máximo de planos individuais em 5,72% e a revogação, pela ex-presidente do STF, Ministra Carmen Lúcia, da resolução normativa 433 que trata de franquias e coparticipações.
Antes de prosseguirmos, precisamos nos recordar que a ANS tem como finalidades institucionais promover a defesa do interesse público na assistência suplementar, regular as operadoras de planos de saúde, inclusive quanto às suas relações com prestadores de serviços médico-hospitalares e consumidores e contribuir para o desenvolvimento das ações de saúde do país. É rigorosamente isto que cabe ao órgão regulador perseguir, a partir das dimensões de atuação previstas, quais sejam, regulação econômica, regulação assistencial, fiscalização e indução à qualidade.
Com acertos e erros (que desde já registro que não serão objeto deste texto), a regulação setorial tem evoluído desde a criação da ANS. Em sua primeira década de atuação, a ênfase principal do órgão foi na regulação econômica, a partir de medidas fundamentais para se garantir a entrada e saída ordenada de operadoras de planos de saúde no mercado. Já em sua segunda década de atuação, podemos dizer que além do natural refinamento da regulação econômica, a atuação da ANS foi pautada por maior ênfase na regulação assistencial. Nesta fase foram definidas resoluções normativas com estímulo à saúde prestada por operadoras e prestadores de serviços de saúde. Muito ainda se tem a caminhar na direção da sustentabilidade do sistema de saúde suplementar (lembrando inclusive que não cabe apenas ao órgão regulador esta responsabilidade), mas é inquestionável que o setor, ainda que vivendo um inferno astral, é melhor com a regulação em prática.
Voltando aos exemplos citados no início deste texto, o que eles têm em comum além da grande repercussão na imprensa? Em primeiro lugar, em ambos os casos, pautados por premissas equivocadas, houve interferência de esferas distintas do judiciário, em temas de regulação sobre os quais os mesmos não têm menor conhecimento técnico. Em segundo lugar, tanto em um caso quanto no outro, se desrespeitou a dinâmica do comportamento de custos da cadeia de saúde suplementar. Em terceiro lugar, ambos os temas têm relação direta com o bolso do consumidor que paga pelo plano de saúde (seja por reajuste ou por coparticipação e franquia) e, portanto, são sensíveis a posturas e interpretações populistas. Por fim, em ambos os contextos, a imprensa não prestou um bom serviço ao noticiar os temas com um tom que induz o consumidor a se achar vítima das “maldades alheias”.
Em suma, num contexto de dificuldades reais e necessidade de mudanças estruturais prementes na saúde suplementar, há que se ter respeito, diálogo e conhecimento técnico na construção de soluções sistêmicas e sustentáveis que respeitem premissas técnicas e incentivem boas práticas. Sim, mas diante do conhecido e frequente histórico de comportamentos sem fundamentação técnica da imprensa e demais stakeholders em temas da saúde suplementar, o que pode a ANS fazer de diferente? A meu ver o desafio que o órgão regulador tem à frente, de forma a minimizar (mas com certeza não eliminar) danos de imagem, se resume em uma única palavra: comunicação!
Cabe ao órgão regulador fazer o que tem que ser feito, colocando em prática, com acertos e eventuais erros, ações que contribuam para políticas efetivas de saúde. À ANS não cabe ser popular e à população não cabe “mandar” em assuntos técnicos, inclusive porque a população não tem fundamentos necessários para entender o que precisa ser feito do ponto de vista técnico.
A meu ver, o que se faz absolutamente necessário é o aprimoramento dos canais de comunicação junto aos beneficiários de planos de saúde, explicando o quê e porquê, de fato, precisa ser feito. Mas, como fazer isto, dirão alguns, se nem sempre a imprensa é adequadamente informada e, em grande parte, apenas uma “especialista em generalidades”? Por que não investir na correta informação dos jornalistas para que eles possam exercer o esperado papel estratégico na formação de opinião? E por que não pensar em criar canais de comunicação complementares e alterativos junto à sociedade?
Temos vivenciado experiências bem sucedidas, tanto no mundo público quanto privado, de instituições que souberam passar o recado com eficácia e eficiência aos seus públicos, sem ficar na dependência de interlocutores, simplesmente por meio de uma comunicação direta com a sociedade, mesmo que isso ainda seja uma experiência nova.
Portanto, é inevitável que a ANS tenha desgastes de imagem quando o assunto é tão sensível quanto a saúde e o bolso dos indivíduos. Simplesmente, não há como não o ter e muito menos se render aos apelos de interlocutores, que nem sempre compreendem com exatidão a missão da regulação. Da mesma forma, não se pode esperar nada diferente de poderes constituídos como o judiciário, entre outros, se não foram criados canais de comunicação contínuos, técnicos e transparentes junto aos mesmos. E nesta mesma linha, se faz necessário evoluir junto às empresas, responsáveis por financiar dois terços dos planos de saúde e, mesmo assim, muitíssimo distantes do órgão regulador.
A boa notícia, ainda que aparente ser o início de uma longa jornada sem fim, é que começamos a ver o plantio de algumas sementes nesta direção, o que pode representar um amadurecimento do órgão regulador do ponto de vista da compreensão quanto à importância de se manter uma comunicação estratégica com os diversos públicos. Coincidência ou não, recentemente foram realizados reuniões e eventos com grandes empregadores e o STJ. Que seja o começo de algo que já vem tarde. E que não nos esqueçamos o que dizia o velho guerreiro Chacrinha: “quem não se comunica, se trumbica.”