O setor de saúde suplementar se comunica muito mal com os consumidores | Arquitetos da Saúde
Reflexões para Ontem

O setor de saúde suplementar se comunica muito mal com os consumidores

Tenho escrito de forma recorrente a respeito dos danos causados pela truncada comunicação entre os atores da cadeia de saúde suplementar toda vez que ela respinga no consumidor. O fato é que temos agido de forma pouco cuidadosa em diversas frentes. Em algumas horas tratamos de temas complexos de maneira simples e pouco pedagógica, confundindo e deixando mais dúvidas do que respostas. Em outras, damos margem a interpretações e interferências quando escancaramos as nossas diferenças muito mais do que as nossas semelhanças. Em outras ocasiões, ainda, falamos com linguajar técnico que não é de compreensão do consumidor. Com frequência, ainda procuramos a mídia como escudo e meio de repercutir os culpados por nossas dificuldades. E, por fim, muitas vezes nos calamos, exatamente quando deveríamos nos pronunciar. Em comum, o fato de que pecamos sempre por confundir mais do que preservar e educar o consumidor de serviços de saúde.

Em novembro último, publiquei o artigo “Comunicação da dinâmica de custos em saúde: um desserviço ao consumidor” onde criticava a forma como o setor de saúde suplementar historicamente se comunica mal com a sociedade na medida em que continuamos a desconsiderar a ausência de conhecimento dos cidadãos e da mídia a respeito de temas complexos e técnicos, como é o caso da dinâmica de reajuste de planos individuais. Pouco tempo antes, no artigo “CMED: quando os interessados não se entendem, vem alguém de fora e mete a mão”, discorro sobre o quanto que a falta de entendimento entre hospitais e operadoras de planos de saúde faz com que se deixe para aqueles que têm pouco ou nenhum conhecimento técnico, decisões importantes. E logo antes, no texto “A luz do sol é o melhor detergente” destaco, de um lado, a importância de estudos técnicos como os produzidos pelo Instituto de Estudos em Saúde Suplementar (IESS) e a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) na ocasião, mas os critico pela mensagem embutida nas entrelinhas dos mesmos onde fica claro que parte dos estudos tem o objetivo de procurar culpados muito mais do que esclarecer temas importantes para os consumidores. Meses antes, no texto “Os 10 Mandamentos à Frente de uma Entidade de Classe” cito em seu sexto item (investir tempo junto aos atores indiretos), a premente necessidade de entidades de classe dedicarem tempo para decodificar a complexa teia da saúde suplementar junto à imprensa, ao judiciário, ao legislativo e ao executivo. Por fim, no texto “O desserviço quanto à RN 433 da ANS” faço uma crítica à postura de parte da imprensa e dos órgãos de defesa do consumidor quando prestam um desserviço ao noticiar esta importante resolução com um tom que leva o consumidor a se achar vítima. Ao mesmo tempo, critico o silêncio de operadoras e prestadores de serviços médico-hospitalares quanto a esta importante medida.

Existem outros tantos exemplos não abordados em textos, mas que gostaria de abordar, pois igualmente penalizam, de uma forma ou outra, a compreensão do consumidor. Um exemplo claro se refere à acreditação hospitalar de hospitais e demais instituições de saúde. Hoje já temos centenas acreditadas por órgãos nacionais ou internacionais. Mas, me arrisco a dizer que praticamente nada foi feito no sentido de comunicar ao consumidor do que se trata e qual o benefício que isto traz para ele. Sob a ótica dos hospitais, em boa parte, a comunicação se resume aos quadros emoldurados com os certificados que uns poucos consumidores veem e menos ainda perguntam a respeito.

Uma outra falha histórica em nossa comunicação junto aos clientes vem da forma como operadoras e hospitais fazem publicidade a respeito dos seus serviços. No passado mais remoto uns “vendiam saúde” como sendo o acesso a helicópteros e ambulâncias hollywoodianas. Mais à frente páginas e páginas de tecnologias de alta complexidade em revistas de grande circulação, na televisão e na internet, como tomógrafos, ressonâncias, aceleradores nucleares, robôs, etc., mais uma vez deseducando consumidores quanto ao que realmente faz sentido em termos de serviços. Tecnologia é absolutamente necessária, não questiono, mas é meio e não fim. Além de não ter ideia de para que servem esses equipamentos, consumidores são levados a desejá-los independentemente da real necessidade para seus casos específicos. Com o tempo, os ensinamos a acreditar que médicos que não pedem esses e outros exames de alta complexidade não são bons médicos. “Ensinamos” ao consumidor que a tecnologia é protagonista e induzimos estes a acreditar que médicos são coadjuvantes, talvez o maior erro historicamente cometido ao longo dos anos.

E assim seguimos na nossa absoluta incompetência do ponto de vista de comunicação ao consumidor. Recordo-me de participar, em dezembro de 2015, de um painel promovido por um dos mais importantes hospitais de São Paulo, onde destacava exatamente as nossas falhas recorrentes. Provocando os presentes, disse que jamais havia testemunhado (com exceção de algo pontual do Hospital Pró-Cardíaco no Rio de Janeiro anos antes) a divulgação de indicadores de desfecho de hospitais. Ao fim do evento, fui abordado pelo Diretor Médico da instituição com um pendrive onde dizia constar os indicadores de sua instituição. Perguntei a ele quem mais sabia do que ele me trazia além dos profissionais do hospital. Ter a informação, mas não a divulgar, não ajuda o consumidor a criar uma necessária cultura de demandar informações que possam lhe ajudar a fazer escolhas.

Pois bem, o fato é que operadoras de planos de saúde, médicos e hospitais, jamais contribuíram de forma pedagógica para que consumidores pudessem entender o que de fato se traduz em medicina de boa qualidade, medicina a um preço justo, medicina baseada em evidência e outros tantos termos impactantes que insistimos em usar para impressionar e aparentar estar agindo em defesa dos mesmos. Não é verdade isto, sinto dizer. Se o fosse, já teríamos aberto a caixa preta para ajudar consumidores com informações relacionadas à rede de prestadores que pudessem ajudá-los a escolher quem entrega mais valor. Ou seja, falam sobre estes temas de forma superficial quando interessa, mas jamais se aprofundam, apresentando resultados concretos. Talvez porque não os tenham para mostrar e por isso ficam no discurso, novamente prestando um imenso desserviço ao consumidor. A relação ainda é baseada em preço e não em valor. Ponto!

Por fim, o caso mais recente envolvendo a disputa travada entre duas grandes redes assistenciais e os equívocos do ponto de vista de comunicação. Que fique claro que a notícia deste rompimento em si não me surpreende, pois o rearranjo dessas placas tectônicas da saúde suplementar era esperado na medida em que ambas as partes já vinham há anos caminhando na direção de minimizar a dependência um do outro, pelo simples fato de serem concorrentes diretos. Era uma questão de tempo. Não há, entretanto, como comunicar algo desta magnitude sem gerar insegurança nos consumidores pelo simples fato de que muitos destes depositavam na “boa convivência deste casamento” parte importante de suas referências em termos de escolhas de instituições de saúde nas regiões afetadas.

A meu ver, o mais honesto teria sido agradecer a outra parte pelos anos de convívio, informando em seguida, e idealmente de forma conjunta, a necessidade de readequação desta relação pela dificuldade de chegarem a bons termos comerciais. Infelizmente, para prejuízo do consumidor, não foi isto o que ocorreu. Ciente do dano que seria causado, provavelmente a saída foi alguém atirar a primeira pedra, colocando-se em posição de defesa do beneficiário. Acredito, porém, que o tiro saiu pela culatra. Afinal, acusou-se publicamente e de forma deselegante de um (ex-sócio) e parceiro até então, falou-se de alguns dos temas acima citados sem explicar porque jamais foram tornadas públicas as informações existentes (ou não) que contribuíssem para melhores escolhas por parte do consumidor e, por fim, fez-se uma associação equivocada a meu ver entre modelos de remuneração e desperdícios, levando o consumidor a pensar que todos que o utilizam não adotam práticas adequadas. E, para coroar os equívocos do ponto de vista de comunicação, observamos o absoluto silêncio da Agência Nacional de Saúde Suplementar. Deveria ter dito algo, nem que fosse para dizer que nada diria e porquê.

Enfim, quando vamos aprender que para mudarmos comportamentos que tanto criticamos temos que começar por nós mesmos refletindo sobre a forma como nos comunicamos com o consumidor? Um imenso desserviço coletivo que prestamos! Eu me envergonho disso e você?