A resposta estava na xicara de café à minha frente. Acordei no final da noite e, de repente, senti-me inspirado para escrever. Quem gosta de escrever sabe bem que idealmente não escolhemos quando vamos fazê-lo, mas o fazemos em resposta a uma inquietação que nos coloca a pensar livremente de uma hora para outra.
A fotografia de Pepe Mujica na xícara do primeiro e sempre inesquecível café ao amanhecer me encarava dizendo: “aprendi que si no puedes ser feliz com pocas cosas no vas a ser feliz com muchas cosas.” Juntei o espasmo criativo com um tema instigante relacionado à saúde das pessoas. Aliás, para quem não sabe, José Alberto Mujica Cordano, conhecido popularmente como Pepe Mujica, é um agricultor e político uruguaio que foi Presidente da República do Uruguai entre 2010 e 2015. Sou grande admirador de sua forma simples e rica de viver.
Pois bem, recentemente foi publicado um levantamento divulgado pela agência Bloomberg a respeito do ranking de felicidade. Nele o Brasil aparece na 9º posição entre os países mais infelizes, entre 63 países, com base nas taxas de desemprego e inflação. No ano passado, uma pesquisa realizada em 21 estados brasileiros pelo consultor de carreiras Fredy Machado (livro “É possível se reinventar e integrar a vida pessoal e profissional”), concluiu que cerca de 90% das pessoas estão infelizes em seus trabalhos por diversos motivos.
Como sabemos que pessoas felizes produzem mais do que as infelizes, podemos concluir que somos uma população infeliz e pouco produtiva, seja como brasileiros, seja como profissionais. Temos trabalhado a vida inteira apenas para ganhar dinheiro e com péssimas rotinas e comportamentos. Onde isso tudo vai dar? Saúde precária e doenças, sobretudo as crônicas. Aliás, já somos considerados o quinto país do planeta em número de casos de depressão, doença que segundo a OMS é uma das principais causas de afastamento de profissionais no mundo. Pela minha vivência profissional de mais de 25 anos, percebo que é cada vez mais comum observar exatamente o que relata a pesquisa. E arrisco-me a apontar, de forma puramente intuitiva, algumas possíveis causas para isto.
Em primeiro lugar, vivemos uma era, particularmente no Brasil e em parcela expressiva de determinadas camadas sociais, de um culto excessivo ao que é material. Propagandas têm evoluído tanto (nem sei se chamaria isto de evolução…) a ponto de transformar o desejável em necessário. E as pessoas saem comprando desenfreadamente acreditando que isso se traduz em felicidade. Outros acreditam que sinais externos materiais trazem status. E aí, recordo-me de uma brilhante definição sobre o tema, cujo autor desconheço, que diz que “status é comprar o que você não precisa, com dinheiro que você não tem, para mostrar para pessoas que você não gosta, aquilo que você não é.” Em busca desta ilusão, muitas vezes alimentando os filhos com o mesmo veneno, pessoas se matam de trabalhar para pagar por prazeres fugazes, abrindo mão do bem mais valioso que é o tempo. E, com frequência, nesta ciranda desenfreada se tornam ansiosos, pouco se cuidam e adoecem. Aí volto ao Pepe Mujica quando diz que “pobre é quem precisa de muito para viver. Não sou pobre. Sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”
Em segundo lugar, a tecnologia, independentemente de seus enormes benefícios, se mal utilizada pode trazer prejuízos à saúde como um todo. Basta pararmos para refletir sobre o teor do que nos chega pela televisão e internet. Pergunto-me se estas informações que nos metralham diariamente (se assim permitirmos), efetivamente nos agregam algo de positivo e construtivo. Honestamente, penso que não. E isto tudo parece que vai nos corroendo por dentro, sendo pauta de conversas diárias, nos colocando em sintonias com tragédias. As pessoas passam a falar mais das tragédias do que de si mesmas e menos ainda dos sentimentos. Não estou propondo nos isolarmos do mundo, mas essencialmente filtrarmos quando, quanto e ao que queremos ter acesso. Com enorme frequência temos deixado que a tecnologia sequestre parte valiosa do nosso tempo, em detrimento de algo extremamente valioso e terapêutico: o convívio com gente. E gente precisa de gente. Já dizia o meu primeiro psicanalista, o sábio Abram Eksterman: “o melhor remédio é gente.” Tom Jobim também dizia: “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”.
Em terceiro lugar e com mais impacto no adoecimento da sociedade, está a falta de um propósito na vida. Experimente e pergunte a si mesmo e aos seus entes queridos: qual o seu propósito? Porque você está aqui nesse mundo? O que lhe faz sentido? Qual o sentido da sua vida? Eu costumava dizer para meus filhos, quando menores de idade, que eles tinham a obrigação de serem felizes. Passado algum tempo, dei-me conta da burrice que fazia e ajustei o que dizia. Afinal, é impossível ser feliz o tempo todo, mas se temos um propósito de vida isto nos ajuda a superar os momentos difíceis. Já há algum tempo digo para eles: tenham um propósito, seja ele qual for. O meu propósito é simples: na esfera pessoal, cuidar da minha saúde física e espiritual, procurar sempre agir com humildade e afeto e ajudar o próximo. Na esfera profissional, dar a minha contribuição para a construção de um sistema de saúde pautado por relações de confiança e que o lucro seja consequência do trabalho ético e bem realizado.
O fato é que para ter um propósito não é preciso ter dinheiro, como muitos pensam. Um propósito em si é a verdadeira “riqueza”, mesmo na adversidade. Viktor Frankl, que viveu na própria pele os horrores do holocausto, tendo perdido sua família e sobrevivido aos campos de concentração de Auschwitz e Dachau, nos ensina isso em seu impactante livro “O homem em busca de um sentido”, publicado em 1945. Frankl cita que “podem roubar tudo de um homem, salvo uma coisa: a última das liberdades humanas – a escolha da atitude pessoal frente a um conjunto de circunstâncias – para decidir seu próprio caminho.”
Quando perguntado sobre o que mais lhe surpreendia na humanidade, Dalai Lama respondeu: “os homens…. porque perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver nem o presente nem o futuro. E vivem como se nunca fossem morrer…e morrem como se nunca tivessem vivido.”
E, para concluir e nunca esquecer: empresas e países são feitos por pessoas!