Diante de tanta turbulência entre os elos da cadeia de Saúde Suplementar, peguei-me pensando: qual a meta da Saúde Suplementar? Triste, concluí que ela simplesmente não existe. Não há sequer uma agenda positiva dos objetivos comuns ao setor. Pensando bem, pudera, afinal jamais li uma única linha conjunta a respeito de qualquer tema que una todos os elos do sistema de Saúde Suplementar em torno de um objetivo comum. Mas o inverso não é verdadeiro. Perdi a conta da quantidade de críticas, artigos, notícias negativas e cartas de repúdio que já foram veiculadas.
Aliás, não precisamos ir longe. Para exemplificar, basta olharmos para o passado muito recente para entendermos o nível de desarticulação entre os elos da cadeia (im)produtiva deste setor. Afunilando um pouco a cadeia para exemplificar a questão, o que faz com que entidades de classe representativas de operadoras e de prestadores, por exemplo, não tenham emitido uma única linha conjunta a respeito de temas de interesse sistêmico, como o reajuste de planos individuais e a resolução normativa 433 que trata da regulamentação de franquias e coparticipações, por exemplo? Da mesma forma não o fizeram conjuntamente as próprias entidades de um mesmo elo do sistema. E, menos ainda, isoladamente, também não o fez uma única entidade de classe representativa de operadoras de planos de saúde ou prestadores de serviços médico-hospitalares. O que faz com que jamais, em momento algum sobre tema algum, se tenha tido um olhar estratégico e voltado para a sustentabilidade do sistema?
Com toda certeza este comportamento condenável das partes tem sua parcela expressiva de culpa na redução de 3 milhões de beneficiários de planos de saúde nos últimos poucos anos. O estrago não acaba aí. Quantos outros tantos beneficiários não tiverem redução na qualidade de sua rede e/ou aumento no seu custo de forma que o plano de saúde pudesse continuar a ser oferecido (até quando não sabemos) pelos seus financiadores?
A meu ver não seria razoável jogar esta conta apenas na crise pela qual o país passa. Como disse Alceu Alves da Silva (na minha opinião, o maior especialista em Saúde Suplementar neste país) em seu trabalho Relação Entre Operadoras de Planos De Saúde e Prestadores de Serviços – Um Novo Relacionamento Estratégico, “merecem críticas as operadoras de planos de saúde e os prestadores de serviços de saúde… que não conseguiram articular forças para um ambiente de negócios capaz de proteger o segmento, colocando como centro da relação a certificação da qualidade do atendimento, a preservação do cliente e o foco nos resultados clínicos, baseado em evidências e previamente contratados…” E se isoladamente as partes não conseguem pensar de forma estratégica, é de se compreender (ainda que longe de concordar) que as suas respectivas entidades de classe também não o façam. Afinal, a segunda é mero reflexo da primeira.
A falta de confiança e a teimosia em se enxergar curto (do ponto de vista temporal, sistêmico e de busca de resultados) tem feito com que a imensa maioria das operadoras e prestadores pautem sua relação em aspectos operacionais do dia a dia. Aumento das estruturas de controles, congelamento e/ou sub-reajustes de tabelas, dilatação de prazos de pagamento e aumento de glosas, entre outras ações de um lado. Ampliação de leitos e unidades (aumento de oferta), foco em especialidades mais rentáveis, otimização de unidades, mais eficiência no ciclo de receita e outras tantas ações de outro lado. Ao fim e ao cabo, “cada um na sua” sem que isto tudo se traduza na geração de valor e no crescimento do sistema.
Na realidade, raras são as situações em que as decisões conjuntas de preços se baseiem em indicadores de qualidade, inclusive comparativamente ao desempenho do restante da rede de serviços, de forma a gerar valor assim como otimizar custos. Inclusive porque, na maioria dos casos, estes indicadores simplesmente não existem.
Novamente citando Alceu, “… é preciso inverter a relação. Primeiramente, o pensamento estratégico compartilhado, ajustando os interesses e as decisões que mantêm o setor atrativo.” Ou seja, é fundamental desmamar a pauta de conflitos operacionais e insistir na construção de um foco estratégico para o setor.
Quanto mais tempo vamos esperar para fazer o que já estamos cansados de saber que precisa ser feito? Quantos mais beneficiários vamos expulsar do já combalido sistema de Saúde Suplementar? Quando que os atores e suas respectivas lideranças vão de fato trabalhar estrategicamente pelo sistema?
Em tempo (e para nos envergonhar de vez), o trabalho aqui citado de Alceu foi publicado em 2003.