Inflação médica, mas afinal o que é? | Arquitetos da Saúde
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Inflação médica, mas afinal o que é?

Uma abordagem mais simples sobre a VCMH e outros termos usados para definir inflação médica.

Por definição a inflação se dá pelo aumento do nível de preços de um determinado setor ou cesta mais abrangente de serviços, tais como, IGPM, IPCA, IPC/FIPE, INPC, etc. Do mais abrangente ao mais específico, todos consideram a variação de preços como inflação ou para descrever mais tecnicamente, a inflação é o “Aumento persistente dos preços em geral, de que resulta uma contínua perda do poder aquisitivo da moeda.” (SANDRONI, Paulo – Novíssimo Dicionário de Economia)

No caso da inflação médica, temos vários componentes adicionais que colocam muita confusão sobre o tema.

A primeira dificuldade está na falta de uma única entidade que seja considerada uma unanimidade no cálculo deste índice. Enquanto que na inflação geral de preços temos institutos isentos, com metodologias transparentes e longa série histórica. Ainda que encontremos algum crítico, algumas entidades são amplamente aceitas no cálculo da inflação de suas cestas, como FGV, FIPE e IBGE, este último calculando a medida  oficial da inflação no Brasil através do IPCA. No caso da inflação médica, a medição é feita pelo próprio setor de saúde e quando não, os institutos tradicionais só medem a variação do preço final e não do custo da saúde.

A ANS regula o reajuste apenas dos planos individuais e considera a variação dos planos coletivos empresariais. As operadoras criaram o IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar) e divulgam a variação do sinistro apenas das operadoras que participam dele, a FIPE tem o componente saúde (IPC/FIPE-Saúde) dentro da sua cesta de inflação geral, mas mede apenas a variação do preço final do plano médico além de misturar com outros índices, tais como remédios e produtos farmacêuticos.

Qualquer crítico mais atento poderá argumentar que temos como referência de índice o órgão regulador que impõe limite em apenas uma pequena parte dos reajustes de plano médico, um instituto que representa as operadoras de plano de saúde que, por sua vez, têm como padrão de reajuste  em seus contratos a inflação médica (uma das modalidades previstas) ou como se denomina no mercado, a VCMH (Variação de Custo Médico- Hospitalar). O índice, inclusive, elas mesmas medem e divulgam para reajustar seus próprios contratos.

Todos até podem fazer um trabalho sério e técnico como eu particularmente acredito que façam, porém, me parece óbvio que sempre ficará muito fácil a crítica sobre um índice de reajuste calculado por um dos lados interessados numa relação de livre negociação de reajuste, como é permitido no caso de contratos coletivos empresariais. Até porque cada operadora não divulga seu racional ou qualquer indicador sobre o tema.

A segunda dificuldade da inflação médica é que por partirem de premissas diferentes, acabam tendo resultados também muito distintos, o que só reforça o argumento do mercado do alto viés no cálculo conforme a entidade que calcula a inflação médica. Vejamos um quadro histórico resumido da inflação geral versus inflação médica:

Enquanto a inflação geral de preços tem certa normalidade apesar dos diferentes institutos e metodologia, a inflação médica tem forte oscilação conforme o instituto que faz a medição.

 

Alguém poderia facilmente dizer que o IESS tem interesse numa inflação médica mais alta, a ANS teria um viés político e puxaria o mesmo indicador para baixo e o IPC-FIPE (saúde) mede por reflexo da ANS e ainda por cima mistura com outros itens da cesta saúde que não estariam diretamente relacionados com a questão dos planos de saúde. O fato é que todos não podem estar certos ao mesmo tempo com tanta oscilação observada na medição do mesmo índice. E é por isso que há sempre grande polêmica na questão da inflação médica. Começa na fonte, no conceito e no método.

A terceira questão e talvez a mais importante é que a inflação médica comumente chamada de VCMH mede não só a variação do custo, mas principalmente a variação da demanda.

O setor de saúde tem certo grau de auto geração de demanda. O médico prescreve, o paciente em tese faz, o pronto socorro dá entrada, o paciente segue um protocolo de procedimentos pré estabelecidos, o hospital interna com um sistema de conta médica aberta e o mesmo procedimento pode custar um valor absolutamente distinto num mesmo hospital. São as velhas e conhecidas críticas ao modelo de fee for service do setor de saúde.

Com isto podemos afirmar que em saúde variação da demanda é tão ou mais importante que a variação dos custos. Ninguém deve supor que a alta inflação médica se dá porque a operadora reajustou os procedimentos sua rede credenciada acima da inflação. Custo e demanda devem sempre andar juntos no cálculo de qualquer inflação médica.

Logico que não é apenas o fee for service que cria este ambiente confuso. Temos também outros fatores amplamente discutidos:

  • Incremento de nova tecnologia sem substituir a antiga;
  • Envelhecimento populacional;
  • Informação farta criando um efeito reverso de desconhecimento do que é adequado no tratamento, incentivando desperdícios;
  • Honorários bem menos importantes no custo médico em detrimento do custo de materiais e medicamentos.

Diante disso, o que temos?

Um contrato coletivo empresarial de plano de saúde que além do reajuste técnico por sinistralidade, impõe um reajuste por VCMH (leia-se inflação médica) que não tem uma contra referência de aceitação pacificada no mercado. Uma solicitação de reajuste total (sinistralidade + VCMH) que muitas vezes não se realiza por total inviabilidade. Uma desconfiança sobre o índice adequado que de fato precisa ser aplicado num contrato.

E qual o papel da empresa na interação com o VCMH?

Empresas com poucas vidas no contrato não têm margem de diluição, porém, empresas maiores podem e devem mediar sua inflação médica. Ela pode ser destrinchada como uma cesta de serviços de saúde e inclusive se medir separadamente a variação do custo dos eventos e da demanda destes eventos e como eles impactam na inflação médica total.

Pode-se descobrir, por exemplo, que a inflação médica histórica da empresa não tem relação com a VCMH divulgada pela operadora. É uma forma de ter os verdadeiros indicadores de gestão do custo médico e transformar isto em ação estratégica planejada, em se ter fatos para uma negociação mais racional do reajuste do plano médico.

Esta medição é totalmente possível com o banco de dados já disponibilizado para a maioria das empresas, que basicamente é um cadastro, e contas médicas pagas de 24 meses ou mais (quanto mais histórico melhor).

A síntese das etapas para mensuração e equação também é conceitualmente simples:

Os parâmetros mínimos desta análise na FASE I do diagrama acima seriam:

  • Ajuste de casos isolados em cada ano analisado (outliers);
  • Ajuste de todos os montantes em valor per capita para evitar viés de um pico isolado ou da variação do número de vidas;
  • Constituição de grupos de despesas bem planejados para se definir uma cesta de custos médicos para análise e gerenciamento;
  • Estabelecer conceitos de ponderação para equilibrar o peso de cada grupo de despesa estabelecido;
  • Ter-se relevância estatística (número de vidas suficiente para se diluir o risco);
  • Ter-se uma série histórica suficiente para o cálculo histórico de inflação médica;
  • Ter-se uma normalidade na oferta do plano médico. Períodos de transição de operadora ou de alterações significativas no plano médico precisam ser considerados e, se possível, compensados no cálculo.

Como sou um defensor da gestão do sinistro e não do prêmio ou da sinistralidade (cuidar da causa e não do efeito), acredito que o entendimento e acompanhamento constante da inflação médica real de cada contrato não é apenas uma questão de sofisticação técnica. Num futuro próximo será uma necessidade. Será a diferença entre um plano de ação bem estruturado versus uma queda de braço inglória entre empresa contratante e operadora.

Luiz Feitoza