Ao longo deste ano a divulgação de reajustes de produtos e serviços importantes, como gasolina, energia e planos de saúde, gerou um comportamento distinto na mídia e, em consequência, da sociedade. Entre os três, o menor reajuste incidiu sobre planos de saúde individuais. Mas, curiosamente, o barulho ocorrido foi na proporção inversa ao seu impacto. Por que será?
Vamos procurar entender a proporção dos reajustes em questão? Em agosto último a Aneel aprovou reajuste médio de 24,42% para consumidores no interior de São Paulo. Já no Paraná, o impacto para consumidores foi de 20,51%. No Maranhão, por sua vez, os consumidores residenciais sofrerão reajuste tarifário médio de 16,67%. Em outros tantos estados os percentuais não ficaram muito distante disso.
No caso dos combustíveis, o aumento foi ainda maior. Apenas no período de junho de 2017 a maio de 2018, o preço médio ao consumidor aumentou na proporção de 21,48%.
Já para planos de saúde individuais, a Agência Nacional de Saúde Suplementar autorizou reajuste de até 10%.
Mas então, porque tanta “chiadeira reversa”, ou seja, quanto menor o reajuste maior a gritaria? Pode parecer incompreensível este comportamento em princípio, mas quando se analisa com um pouco mais de detalhe, entende-se, em parte, o porquê.
Quando o assunto é combustível ou energia, por exemplo, observa-se uma abordagem mais equilibrada e responsável da mídia em geral. No caso específico de energia, as mesmas matérias que citam o indesejado reajuste, complementam informando alguns dos motivos para tal. O site G1 de 21 de agosto de 2018, por exemplo, explica que “em 2017, o que foi arrecadado com as bandeiras tarifárias não foi suficiente para pagar pelo acionamento das térmicas para compensar o baixo nível dos reservatórios das hidrelétricas. Esse déficit teve que ser transferido para as tarifas de energia.”
A população naturalmente não recebe com bons olhos qualquer informação de reajuste, mas passa a ter um certo grau de compreensão na medida em que entende minimamente os motivos. Outro trecho da matéria informa que “o reajuste da Elektro Eletricidade também foi impactado pela alta do dólar em 2018. A usina recebe energia de Itaipu, que tem a tarifa cotada em dólar.” Por fim, a matéria cita a agência reguladora do setor elétrico (Aneel), segundo a qual “o que mais influenciou no reajuste da Elektro foram os chamados componentes financeiros, principalmente relacionados à aquisição de energia e ao risco hidrológico.”
Já quando o assunto é reajuste de gasolina, o assunto também parece ser tratado na mesma linha, trazendo números a apontando suas causas. O site da Época Negócios de julho de 2018, por exemplo, informa que a gasolina subiu 21,48% em 12 meses nas bombas, e que esta variação foi impactada pela atual política de preços da Petrobras.
Em momento algum, tanto num caso quanto no outro, se compara o aumento do insumo à inflação geral ao consumidor. No limite, se faz uma comparação de quanto aquele determinado ítem representou na apuração de índices de inflação. O site do Correio Brasiliense (Economia) cita, por exemplo, que “o grande vilão do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), equivalente a 0,81 ponto porcentual da taxa de 2,86% acumulada pelo IPCA no período.”
É curioso ver que quando o assunto é reajuste de planos de saúde, é totalmente previsível imaginar que praticamente todas as matérias sobre o tema trarão uma frase que equivocadamente faz associação direta entre o reajuste dos planos de saúde individuais e os índices de inflação geral ao consumidor. Enorme engano. Mesmo assim, o site do O Globo, por exemplo, traz a já manjada pérola jornalística quando o assunto é reajuste e diz que “o percentual de reajuste ficou muito acima do índice oficial de inflação, o IPCA — que acumulou alta de 2,76% nos 12 meses encerrados até abril.” E a Folha faz coro ao estampar que “o aumento previsto está acima da projeção da inflação para 2018, que deve ficar abaixo dos 4%.” Em lugar algum do mundo a inflação da saúde tem comportamento semelhante ao da inflação do consumidor. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Os equívocos não param por aí. Segundo manchete do site da Folha de São Paulo de 27 de junho de 2018, “Agência confirma reajuste de 10% em planos de saúde individuais.” E, logo a seguir emenda: “liminar tinha barrado alta de cobrança de 5,72%, mas TRF suspendeu o limite.” O site do O Globo vai na mesma linha de induzir o cliente a se sentir uma vítima quando traz em sua manchete que a “ANS derruba liminar e libera aumento de 10% para planos individuais.” E piora ainda mais o contexto quando emenda em seu subtítulo que a “decisão do desembargador revogou teto de 5,72% proposto por ação do IDEC.” Triste fim, acreditam os consumidores, já que o mal mais uma vez venceu o bem.
Antes que o órgão regulador e todos aqueles que atuam na cadeia de saúde, (incluindo operadoras de planos de saúde e prestadores de serviços médico hospitalares entre outros), se limitem a criticar a imprensa, cabe refletir onde eles próprios estão falhando e se efetivamente querem contribuir para uma mudança de abordagem.
Aqui, a meu ver, chegamos ao cerne da questão. O setor de saúde suplementar, historicamente comunica-se pessimamente com a sociedade. Por miopia, menosprezo ou falta de visão estratégica do ponto de vista da comunicação, desconsidera a ausência de conhecimento dos cidadãos e da mídia a respeito de temas complexos e técnicos. Não se trata daqui de propor que a sociedade se torne especialista no assunto, mas que no mínimo seja levada a entender, de forma recorrente, transparente e equilibrada, sobre pontos relevantes que impactam o seu bolso. Assim como, mal ou bem, já sabem, por exemplo, da relação que o preço do petróleo e o câmbio tem sobre o preço da gasolina e, nesta mesma linha, a relação que o ciclo de chuvas e o consumo tem sobre as tarifas de energia. Uma população corretamente informada é uma população empoderada, que ao invés de vítima, passa a ser protagonista capaz de contribuir até para a redução dos custos, como já faz nos demais setores de energia, por exemplo, onde é bem informada.
Portanto, fica claro que, se já há um mínimo de entendimento da sociedade sobre a dinâmica de preços de outros tantos setores, de outro lado o mesmo não acontece quanto o tema é plano de saúde. Muito pelo contrário, não bastasse uma imprensa mal informada, os próprios atores já dão conta de provocar enorme confusão sobre o tema quando produzem estudos, em parte travestidos de escudos, para acusar-se mutualmente ou procurar a culpa em terceiros. Afinal, não é isto o que tem feito entidades de operadoras que abordam a ineficiência e desperdícios em hospitais como importantes vilões dos custos em saúde, ao passo que os hospitais responsabilizam a ausência de gestão efetiva das operadoras e o resultante aumento de frequência de utilização?
É triste constatar que o maior culpado é o próprio setor que não consegue explicar a dinâmica de custos setoriais de forma coletiva, técnica e transparente, como isso afeta os preços e o que pode ser feito para minimizar a curva de crescimento de reajustes de planos. E, como bem me confidenciou um importante representante do próprio órgão regulador, “ao não sabermos comunicar isto junto à sociedade e à mídia, além de prestarmos um desserviço coletivo, abrimos espaço inclusive para decisões jurídicas equivocadas.” Portanto, antes de rapidamente e exclusivamente criticarmos o próximo jornalista quanto à forma com que trata de assuntos de tamanha seriedade, que reflitamos sobre a real seriedade que nós próprios damos quando o assunto envolve comunicação estratégica também na saúde. Quem sabe um pouco de combustível e energia da cadeia de saúde suplementar, corretamente direcionados, possam traz luz sobre a compreensão da dinâmica de custos em saúde para o consumidor?