Arquitetos da Saúde

Operadoras de saúde reencontram o lucro. Mas a situação está tão boa assim?

lucro operadoras

A divulgação dos dados econômico-financeiros das operadoras de saúde, relativos ao primeiro semestre de 2024, tem gerado alvoroço (como sempre). Os números divulgados pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostram que as operadoras médico-hospitalares registraram lucro líquido de R$ 5,1 bilhões nos primeiros seis meses deste ano. Um resultado expressivamente maior que o mesmo período de 2023.

Ainda assim, a remuneração das aplicações financeiras acumuladas pelas operadoras continua a contribuir fortemente com a composição do seu resultado líquido total. No primeiro semestre de 2024, o resultado de aplicações financeiras foi positivo em R$ 4,4 bilhões. Ou seja: o lucro operacional no período foi de R$ 0,8 bilhão.

De qualquer forma, o desempenho econômico-financeiro do primeiro semestre de 2024 é o mais positivo para o período desde 2019, com exceção de 2020, que teve o melhor resultado em razão do contexto da pandemia de Covid-19.

A situação está tão boa assim?

Os números apresentados pela ANS no Painel Econômico-Financeiro da Saúde Suplementar representam um sinal, pelo segundo trimestre consecutivo, de recuperação do setor. E foi isso, inclusive, o “gancho” usado pelas divulgações na imprensa a respeito da atualização dos dados. “Setor recupera prejuízos”, “Operadoras retomam patamar pré-pandemia” etc.

Mas… será que a situação está tão boa assim?

Vejamos. Os R$ 5,1 bilhões de lucro equivalem a 3,1% da receita total acumulada no primeiro semestre, que foi de R$ 167 bilhões. Ou seja, para cada R$ 100,00 de receitas, o setor arrecadou cerca de R$ 3,10 de lucro ou sobra. Sem o resultado de aplicações financeiras, o lucro diminui para R$ 0,8 bi, ou 0,5% da receita.

Essa deveria ser a notícia: um setor que opera com um baixíssimo percentual de lucro relativo à receita. É importante reconhecer a recuperação das operadoras, mas também acompanhar essa evolução com um olhar mais técnico e crítico, ainda mais colocando na balança os riscos, o alto nível de regulamentação, interferências do Judiciário, do Legislativo etc. É um negócio atrativo? Já se pode considerar um momento de sustentabilidade?

O resultado só pode ser comemorado na perspectiva de que o setor, finalmente, saiu de uma situação bastante difícil e atingiu um período estável – embora ainda curto – de operações no azul. Mas é isso que queremos, pensando no mercado como um ecossistema maior?

Média geral

Há que se considerar, ainda, que o resultado é uma soma do desempenho de todas as operadoras no Brasil – e não significa que todas elas tenham atingido lucro. Segundo a ANS, as operadoras médico-hospitalares de grande porte foram responsáveis pelo melhor desempenho no setor, registrando R$ 5 bilhões a mais de lucro no semestre em relação ao mesmo período do ano anterior.

Nas operadoras médico-hospitalares de pequeno porte, o aumento do lucro, na mesma comparação, foi de R$ 66,7 milhões. Esse é mais um indicativo de um mercado com particularidades e cada vez mais concentração e menos opção para o consumidor.

Além disso, essa recuperação do resultado operacional se deu em todas as modalidades, exceto autogestões, que tiveram prejuízo operacional na ordem de R$ 1,1 bilhão. Inclusive, as autogestões foram selecionadas como objeto da Agenda Regulatória da ANS. Estão em curso avaliações específicas dos normativos que regulamentam essa modalidade, para que haja maior transparência e esclarecimento sobre as regras relacionadas às autogestões, além de definir suas obrigações regulatórias.

Autocrítica

Os resultados registrados pelo setor são reflexo da organização complexa dos elos de sua cadeia. Não se deve atribuir fracassos ou sucessos exclusivamente a um ou a outro, pois o sistema de saúde suplementar é interdependente.

Ao mesmo tempo em que não se observa a implementação de ações que gerem resultados suficientes em promoção de saúde, ainda estamos presos apenas na regulação do tratamento de doenças.

Não podemos deixar de observar que novas regulamentações também tiveram sua parcela de responsabilidade na pressão sobre os custos, como a definição do rol exemplificativo de procedimentos e a liberação de terapias sem limites, por exemplo.

As operadoras têm falado sobre a necessidade de aumentar seus preços muito acima da inflação – e executado isso na prática. E isso ocorre ao mesmo tempo em que planos coletivos empresariais de microempreendedores tornaram-se parcela significativa dos contratos e beneficiários, mas com preço de entrada possivelmente abaixo dos coletivos empresariais de maior porte.

Ao menos temos essa sensação observando todas as propagandas de venda de planos coletivos de 2 a 5 vidas. Isso ajudou no crescimento do setor, criando um novo perfil de contratante, mas exigirá correções via reajustes, o que pode desacelerar o crescimento do mercado.

Com tudo isso, é preciso reforçar que essa recuperação não resolveu assuntos considerados de alto interesse dos consumidores. Por exemplo, a comercialização dos planos individuais, cujos reajustes são definidos pela ANS (portanto menores), está praticamente extinta; a aceitação da contratação coletiva por adesão também é cada vez mais escassa e os planos coletivos têm tido reajustes na casa dos 20% no último ano (considerando a proporção dos percentuais aplicados pela quantidade de contratos). Ou seja, a oferta de planos está cada vez mais limitada e os preços muito menos acessíveis.

Temos também a discussão entre operadoras e rede credenciada pela observação de que as provisões técnicas das operadoras têm aumentado sensivelmente para eventos ocorridos e não avisados, enquanto que os prestadores alertam sobre os prazos de pagamentos cada vez mais longos.

Próximos capítulos

Há uma expectativa de todo o setor em função da discussão promovida pela ANS junto ao mercado relacionada aos reajustes dos planos coletivos (definição do tamanho do agrupamento de contratos e cláusula padrão de reajuste), mecanismos financeiros de regulação (coparticipação e franquia), venda on-line de planos de saúde, a revisão técnica de preços de planos individuais/familiares, além do debate sobre a venda de planos exclusivamente ambulatoriais.

Segundo a própria agência, a intenção é discutir esses temas de forma ampla e integrada, buscando sustentabilidade econômico-financeira do setor, gerando concorrência entre as operadoras e proporcionando melhores ofertas aos consumidores. Vamos acompanhar as novidades e definições.

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