Arquitetos da Saúde

Saúde Suplementar: o maior inimigo de uma entidade de classe está dentro de casa

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Saúde suplementar: quem é o inimigo?

Participei recentemente da convenção nacional de uma importante entidade de classe na área médica. Ao verificar a agenda do encontro, chamou-me a atenção, positivamente, o fato de ter inserido em sua programação a participação de inúmeros profissionais externos à área de atuação da referida especialidade.

Nas entrelinhas, compreendi a preocupação dos organizadores em agregar às discussões, visões externas de economia e da saúde suplementar, entre outros temas, que pudessem contribuir para as reflexões que fariam entre si ao longo do evento. Notável a meu ver, na medida em que o setor, além de composto por vários elos de interdependência, enfrenta ainda rápidas e expressivas transformações de paisagem, demandando, portanto, um olhar mais abrangente.

Durante minha apresentação, procurei compartilhar algumas reflexões sobre as grandes incertezas que se apresentam no horizonte de 2022, apontando iniciativas, do ponto de vista de estudos e pesquisas técnicas e isentas, que poderiam ser pensadas para o plano estratégico da entidade.  Nesta direção, destaquei a absoluta importância de que os próprios associados que, ao fim e ao cabo, “vivem o sistema na ponta”, se comprometam com o fornecimento de preciosas informações que contribuíssem nesta direção.

Em determinado momento, um dos presidentes de uma sociedade regional na referida especialidade, fez um emblemático desabafo ao relatar a grande dificuldade em justamente obter de seus associados, “insumos” mínimos que pudessem ser úteis às análises, estudos, pesquisas e assim por diante.

Aquela sua fala me tocou fundo e imediatamente voltei no tempo em que, vinte anos antes, presidi o Sindicato de Hospitais do Município do Rio de Janeiro (SINDHRIO). Foi quando, com o intuito de me solidarizar com ele e, ao mesmo tempo, trazer um exemplo concreto do que também tinha vivenciado neste sentido, pedi a palavra.

Apenas para citar um exemplo, discorri sobre quando contratamos o IBOPE (sim, é absolutamente fundamental que estudos produzidos por entidades de classe sejam feitos de forma isenta, técnica e responsável, necessariamente por entidades renomadas) para criar o primeiro Ranking de Planos de Saúde no Brasil.

Àquela altura defendia, e continuo defendendo, que médicos e hospitais, entre outros tantos prestadores de serviços na área de saúde, na condição de serem aqueles que efetivamente entregam os serviços que os planos vendem, podem contribuir com informações que, uma vez consolidadas, também contribuam para o processo decisório de quem contrata um plano de saúde. Trata-se, portanto, do que considero uma informação de utilidade pública, que deve ser complementadas as usuais informações já fornecidas em estudos de mercado no ato da contratação de uma operadora de planos de saúde. Em tempo, há muito mais que poderia e pode hoje ser informado nesta linha, mas isto fica para um outro texto.

Voltando ao ranking em questão, a divulgação de seus resultados foi impressionante, resultando em matéria de página inteira na Revista Veja (entre outras tantos matérias em veículos de expressão à época) assim como a veiculação, em meia página, nos principais jornais da cidade, pela operadora vencedora.

“Sem o insumo do associado, a entidade limita o seu campo de atuação ao chororô de sempre, baseado em opiniões rasas e tendenciosas que nada contribuem para uma atuação estratégica”

Mas o que poucos sabem é que foi necessário um enorme esforço de convencimento, quase a fórceps, para se obter informações dos associados que contribuíssem com o instituto de pesquisa na elaboração da referida pesquisa. Naquela altura, não tínhamos ainda a cultura de compartilhamento de informações de todo o tipo de natureza. E, ainda hoje, salve raras exceções, entre os quais a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP), esta parece ser a regra vigente.

Recordo-me, por exemplo que, ainda que garantido o absoluto sigilo da resposta individual dos participantes, fornecida diretamente ao instituto de pesquisa, um importante hospital associado à entidade se recusou a participar da iniciativa. Lamentável, na medida em que esquecia que o papel da entidade de classe também era de atuar, necessariamente pautado por uma visão sistêmica, como “um para-raios da categoria”.

Notem, se o desafio de adesão a uma simples iniciativa como esta já era difícil numa entidade restrita a cinquenta gestores hospitalares, o que dizer sobre desafios desta natureza em entidades de profissionais de saúde cujo quadro, além de muito mais expressivo do ponto de vista numérico, frequentemente carece de uma visão mais ampla e crítica a respeito da saúde suplementar, suas inter-relações e desafios?

Voltando ao papel do associado, sem o seu “insumo”, seja ele em que contexto for, a entidade limita o seu campo de atuação ao chororô de sempre, baseado em opiniões rasas e tendenciosas que nada contribuem para uma atuação estratégica. Discursos vazios, desprovidos de análises técnicas e isentas, resultam apenas em crescente vitimização e vulnerabilidade. Sozinha, a entidade de classe, não vai a lugar algum e acaba se apequenando.

Pois bem, durante a vigência do meu mandato, várias foram as iniciativas no sentido de produzir estudos, pesquisas e posicionamentos importantes para a classe e o setor. Em determinado momento, quando alguns temas rateavam na sua devolutiva, decidi criar um que chamei de MCA (mapeamento de conduta do associado).

Nada mais era do que uma simples planilha onde registrávamos, a cada demanda, aqueles associados que respondiam e aqueles que se omitiam. Simples assim. Curiosamente, aqueles que mais reclamavam eram exatamente os que depois se omitiam. Com a simples divulgação do relatório em questão, que trazia absoluta transparência sobre a postura de todos, conseguimos dar alguns passos em iniciativas posteriores.

Resumindo, é preocupante observar os riscos às entidades, decorrentes da omissão de parcela de seus associados, o que acaba inviabilizando a construção de uma agenda associativa colaborativa.

É preciso compreender que a velha postura meramente política e corporativista que talvez muitos ainda esperem, não tem mais espaço num cenário grandes desafios do setor como um todo. A verdadeira defesa de uma categoria deve estar pautada na colaboração de seus associados, premissas técnicas e visão sistêmica.

Contrário ao que muitos pensam, procuremos refletir se o verdadeiro inimigo, seja lá de que categoria for, não é aquele que está dentro de casa. Inimigo este que, quando foge a sua responsabilidade, não apenas compromete a categoria, mas o setor como um todo.