Arquitetos da Saúde

Saúde suplementar: 2021 começa agora?

Participei como palestrante do 64º Congresso do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, cujo tema era “2021 começa agora”.  De início destaquei que este segmento, do ponto de vista de acesso, vem diminuindo de tamanho desde o final de 2014 a uma taxa de 1,45% ao ano.

Analisando sobre um outro prisma, segundo dados recém divulgados pela ANS, crescemos 1,5% em número de beneficiários entre 2011 e junho de 2020. Claramente um crescimento pífio. Não bastasse isto, neste mesmo período o reajuste máximo de planos individuais autorizados (apenas para usar este referencial) foi de mais de 100%. Números que falam por si. Estamos coletivamente, há quase uma década, destruindo valor e restringindo acesso a este setor estratégico da saúde em nosso país.

Pois bem, como o tema seria 2021, fomos buscar na pesquisa macroeconômica recém divulgada pelo banco BTG Pactual, previsões da taxa de desemprego para este ano e o ano de 2021 para em seguida traçar uma previsão do número de beneficiários em 2021. Cabe lembrar que os dados da ANS apresentam uma correlação de 94,88% entre variação de empregos e número de beneficiários. É importante usarmos este indicador na medida em que aproximadamente dois terços dos planos de saúde são concedidos a partir de vínculos empregatícios.

Dito isto, baseado nesta correlação e na previsão da taxa de desemprego para o ano que vem, perderemos ainda mais vidas, chegando a 45,8 milhões de beneficiários em 2021. Isto representa uma redução de 1,2 milhões de vidas entre 2019 e o final de 2021. Dados da ANS de junho deste ano já confirmam uma redução de aproximadamente 316 mil vidas desde o final de 2019. Nos faltam ainda a bagatela de 905 mil vidas até lá.

Até aqui, imagino que muitos dirão: “mas é razoável esta redução, afinal fomos duramente afetados por uma grande crise econômica a partir de 2015 e agora pelos efeitos econômicos da pandemia. E, como você bem cita acima, há uma forte correlação entre empregos e beneficiários. Não tínhamos e não temos muito a fazer.” Ledo engano.

O que fizemos coletivamente nos últimos anos para minimizar a escalada de custos de aproximadamente duas casas decimais ao ano? E aqui entram os acomodados de plantão dizendo: “temos o efeito do envelhecimento populacional, do aumento da longevidade da incorporação de tecnologia de forma complementar, fatores inerentes à saúde que levam ao aumento de custos” Sim, verdade. Mas ainda assim, o que fizemos do ponto de vista de correção de incentivos e de alteração no modelo assistencial na medida em que continuamos aferindo resultados com base em volumes de serviços, tendo prioritariamente como pano de fundo o tratamento de doenças?

O quanto efetivamente fizemos do ponto de vista de uma transformação digital, permitindo a interoperabilidade de dados, integração do cuidado e engajamento dos beneficiários? Muito pouco. Mas por quê? Simples, porque o dinheiro está no centro do sistema e não o paciente. Que fique claro, o lucro é absolutamente fundamental, mas sempre será questionável quando este for obtido às custas do que não for rigorosamente o melhor para o paciente em primeiro lugar. Não nos esqueçamos, empresas existem para gerar valor para a sociedade, mas parece que simplesmente não temos levado isto em consideração.

Dito isto, volto à provocação que fiz na abertura da minha fala. Não seria correta a meu ver, a afirmação de que “2021 começa agora”, mas sim uma pergunta: “2021 começa agora?” E respondo: mas é claro que não! 2021 vem de muito longe, conforme confirmam os números acima. Esta é a verdade dura e crua.

É fato que este mercado não quebrou e não vai quebrar. Ou, diferente do que muitos dizem aos quatro cantos, a saúde suplementar não se tornou insustentável. Sistemas de saúde não são insustentáveis. São eficientes ou ineficientes. Ponto.

Pois bem, parece que estamos acordando para o óbvio, qual seja, a importância de fazermos diferente. E temos alguns sinais neste sentido que espero que venham a contribuir para um divisor de águas. Vejamos:

  1. Claramente a pandemia despertou maior consciência sobre a importância do cuidado com a saúde;
  2. Ainda que de forma “imposta”, empresas (os principais contratantes de planos de saúde) se viram obrigadas a minimamente começar a entender a importância de zelar pela saúde de seus colaboradores;
  3. Muitas operadoras acolheram empresas e beneficiários com informação, orientação e estruturas de atendimento físico e virtual para minimizar os impactos da pandemia;
  4. De forma crescente, ainda que lenta, algumas empresas contratantes de planos de saúde entenderam a importância de assumir a sua parcela de responsabilidade quanto à efetiva gestão de saúde (e, consequentemente, de custos) de seus colaboradores. Certamente esta tendência irá crescer exigindo da cadeia mais eficiência e transparência;
  5. Interferências externas (judiciário e legislativo), ainda que despidas de fundamentação técnica e encorpadas de populismo, sinalizam uma recrudescente intolerância com nossa incapacidade coletiva de gerar mais eficiência para a saúde suplementar. Se não fizermos a nossa parte, tentaram fazer por nós.

Portanto, temos sinais crescentes de uma possível e necessária correção de rota, que nos sinaliza a importância de abandonarmos a atual marcha da insensatez para juntos trilharmos de vez a jornada da eficiência.  Será?

Em tempo, ao fim do evento perguntaram aos palestrantes se recuperamos cinco anos em cinco meses. Em minha fala final, fiz duas reflexões:

  1. Sim, mas não nos esqueçamos que, se recuperamos cinco anos, estávamos pelo menos dez anos atrasados;
  2. Estamos apenas no começo. Ainda não construímos pontes, mas temos sinais de que possamos estar começando a desconstruir muros.