Arquitetos da Saúde

Saúde em Tempos de Eleição

Participei do evento organizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Colégio Brasileiro de Executivos em Saúde (Cbex) e Instituto Coalização Saúde (Icos), durante o qual foram apresentadas propostas para a área de saúde dos presidenciáveis.  Estiveram presentes o representante da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB), David Uip,  o representante da candidatura de Ciro Gomes (PDT), Henrique Javi, o representante da candidatura de Fernando Haddad (PT), Arthur Chioro, a representante da candidatura de Marina Silva (Rede), Marcia Bandini e a representante da candidatura de João Amoedo (NOVO), Roberta Grabert. Entre os candidatos mais bem posicionados, o único que não esteve representado foi Jair Bolsonaro (PSL).

Saí do evento em questão refletindo sobre as mensagens que absorvi. Em primeiro lugar destaco o tom harmonioso com que os representantes se trataram.  Ainda que a dinâmica do evento não tenha induzido a troca de acusações, uma vez que se limitou a uma breve apresentação inicial de propostas seguida de respostas às perguntas dos organizadores e representantes da plateia, considero que o ambiente foi extremamente respeitoso. É bem verdade que, por terem vivência na área, muitos dos presentes já se conheciam de longa data, o que pareceu contribuir para o clima observado. Elogios tímidos chegaram a ser trocados entre eles quando, por exemplo, Roberta Grabert se referiu carinhosamente ao seu professor David Uip e este, em outro momento, fez referências positivas a Henrique Javi. De outro lado, este mesmo comportamento também pode ter sido influenciado pelo nível do evento, que reuniu representantes e plateia com executivos da área da saúde, o que dá menos margem para posturas agressivas e levianas e abre espaço para abordagens técnicas.  Por fim, cheguei a refletir ainda se isto também não poderia se traduzir no amadurecimento do setor quanto à necessidade de se abordar propostas efetivas envolvendo políticas de saúde ao invés de demagógicas propostas de politicagem em saúde. Será?

Em segundo lugar, foi positivo observar que há mais convergência do que divergência entre todos os candidatos em relação a temas como modelo assistencial, modelo de remuneração, integração público-privadas, judicialização e financiamento. Ainda que com eventuais e esperadas diferenças em suas propostas, naturalmente em função das características da linha de cada candidato representado, é bastante positivo verificar que, do ponto de vista técnico, todos concordam com estas vertentes. Houve consenso de que precisamos cuidar da saúde muito mais do que da doença, investindo mais em atenção primária, estabelecendo estruturas organizadas de coordenação de cuidado que respeitem particularidades regionais e corrigindo o equivocado modelo hospitalocêntrico ainda preponderante.

Já do ponto de vista de remuneração, os representantes concordam que desperdícios e ineficiências são gerados a partir da remuneração por volume e não por valor e que as bases de contratação precisam ser revistas de forma a contribuir para o melhor uso dos recursos.

Na mesma linha de consenso, os presentes reconheceram a importância histórica da integração entre os setores público e privado, com destaque para o papel das Santas Casas no Brasil.  Vários dos presentes pareceram concordar ainda que existem atribuições que são indelegáveis ao estado brasileiro, como o planejamento de políticas de saúde, porém podendo sim a sua contratação e execução ser feita a partir do setor privado. Afinal, nem tudo que é público precisa ser estatal.

Em relação ao (sub)financiamento houve consenso entre todos os presentes. O gasto de R$ 3,20 por dia com cada habitante, a aberração de se remunerar consultas a R$ 10,00, a necessidade de maior gasto público em saúde (no mínimo 6% do PIB), as dívidas bilionárias contraídas pelo somatório de Santas Casas que atendem o SUS e a necessidade de se revogar a Emenda Constitucional 95 que limita a variação de gastos públicos por 20 anos, foram alguns do exemplos citados pelos presentes para exemplificar a necessidade premente de se corrigir a questão do financiamento.

Se de um lado todos foram unanimes em concordar com este tema, de outro as propostas sobre como de fato colocar isto em prática foram muito vagas.  Ainda que de fato urgente, em função da realidade atual do país, dificilmente teremos mudanças neste sentido no curto-médio prazo, o que aumenta a necessidade de se pensar e efetivamente colocar em prática de forma criativa, técnica e responsável a questão da eficiência nos gastos a partir exatamente dos demais temas abordados, como revisão do modelo assistencial, de remuneração e integração público-privado, entre outros. Se o recurso disponível é insuficiente, as oportunidades de se reduzir ineficiências e desperdícios são imensas. A meu ver, o foco deve ser este. Por fim, particularmente, senti falta de um tema que, ainda que impopular, entendo como absolutamente necessário. Refiro-me à revisão do artigo 196 de nossa constituição que diz que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”  Apesar de sentir falta, confesso que jamais esperaria que isto fosse abordado num contexto de campanha eleitoral, mas não nos iludamos: esta equação prevista na constituição brasileira é absolutamente inexequível e, até onde sei, não é praticada em canto algum do mundo. Temos sim uma enorme e vergonhosa dívida com a população brasileira quanto ao nosso sistema de saúde e não resta dúvida que, a partir da fala de todos os representantes, há muito o que ser feito neste sentido, apesar de nos faltar coragem para colocar em pauta a necessidade de revisitarmos este tema. Que esta discussão não seja interpretada como algo insensível ou como sinal de desistência de cumprirmos este artigo, mas sim como sinal de maturidade de uma sociedade que entende que além de nossos direitos também temos os nossos deveres e que é impossível, num contexto de recursos finitos, iludirmos a população com expectativas infinitas.