Arquitetos da Saúde

Reajuste recorde? O que há de verdade nas previsões para este ano

reajuste planos de saúde

Mercado de saúde suplementar: em busca do equilíbrio

Luiz Feitoza

O início de 2022 na saúde suplementar foi marcado por uma notícia que repercute até hoje no setor. Uma projeção realizada pelo BTG Pactual, banco de investimentos, estima que o teto de reajuste de planos de saúde individuais deve ficar em torno de 15% este ano.

Seria o maior reajuste dos últimos 22 anos, desde quando a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) estipula o índice. Vale lembrar que, no ano passado, o reajuste foi negativo pela primeira vez na história – por fatores que já discutimos largamente neste blog.

O reajuste é definido por vários fatores, sendo os principais deles variação de custos médico-hospitalares e o IPCA ajustado. O índice é geralmente divulgado em julho.

O que há de verdade?

O trabalho do BTG Pactual de fato traz uma boa expectativa para o índice, ainda que possa haver ajustes importantes até a consolidação final e divulgação dele. A variação de vidas, por exemplo, impacta sensivelmente o número calculado pela ANS, ainda mais considerando que estamos num momento de crescimento de novos beneficiários. 

Outro ponto é que existem outros fatores além da variação de custos e IPCA na atual metodologia aplicada pela ANS desde 2018, como fator de ganho de eficiência e até mesmo o reajuste por mudança de faixa etária. 

O que consideramos aqui é que o índice de teto de reajuste dos planos individuais impacta 8,9 milhões de pessoas, ou pouco mais de 18% dos beneficiários de plano de saúde. Para os demais 48 milhões em planos empresariais ou por adesão (conforme dados de dezembro/2021 na sala de situação da ANS), vale a livre negociação.

E em que é baseada essa “livre negociação”? Além da sinistralidade de cada contrato, também pesa no reajuste a VCMH de cada operadora, baseada na sua carteira e sem que seja divulgado um racional deste cálculo. É por isso que desde 2019 temos feito aqui na Arquitetos da Saúde o cálculo da VCMH do Brasil para 100% dos beneficiários de plano de saúde aqui na Arquitetos da Saúde construindo uma série histórica desse cálculo desde 2014.

O que percebemos é que o índice amplo que calculamos tem correlação forte com o índice divulgado pela ANS quando olhamos a série histórica do nosso cálculo versus o índice histórico divulgado pela agência. É bem verdade que com a mudança da metodologia feita pela ANS isso se alterou um pouco, mas mesmo assim a correlação continua forte o que significa que uma tendência de alta observada na VCMH do Brasil deve realmente significar que o teto de reajuste dos planos individuais também será alto.

Pontos de mudança

Considerando isso, temos ainda algumas incertezas sobre o índice nacional de VCMH, como explicaremos a seguir.

O primeiro ponto a considerar é que a ANS divulga dados financeiros por trimestre e o de vidas mensalmente, porém, retificando de forma retroativa este último, ou seja: pode haver variações importantes no cálculo da VCMH antes de ser divulgado o último trimestre de 2021.

E os dados de 2021 divulgados apenas até o terceiro trimestre, considerando a data em que este artigo foi escrito, para fins de uma comparação justa, devem ser medidos considerando os três primeiros trimestres de 2021 frente ao mesmo período de 2020, correto?

Fazendo isso com a análise do número per capita o que é mais correto em se tratando de VCMH e estimando o tempo médio de exposição (turnover) em período de aumento do número de beneficiários, chegamos a uma variação de 22,2%. Um número alto? Sim, sem dúvida. Mas calma: é preciso considerar que 2020 foi um ano atípico, com uma “folga” em procedimentos eletivos e de média e alta complexidade por conta da pandemia. 

O que resultou, inclusive, no já citado reajuste negativo em 2021. Então se desconsiderássemos 2020 atípico e usássemos 2019 como referência, o índice de VCMH até o terceiro trimestre acumulado comparado de 2021 contra 2019 seria algo em torno de 8,35%. Bem razoável e muito parecido com o teto divulgado pela ANS em 2019 (7,35% de teto) e 2020 (8,14% de teto).

O que ainda pode mudar?

Essa é a grande pergunta. Vamos separar a resposta em três fatores para serem considerados.

  1. O ano de 2021 foi um ano de crescimento no número de beneficiários, mesmo fenômeno observado em 2020. Mais vidas significam custos mais diluídos (receita à vista e despesa a prazo), e em três meses (dados do 4º trimestre de 2021 ainda não divulgados) essa variável pode mudar bastante, a ponto de modificar, sim, o índice total. Vamos lembrar que terminamos 2020 com 47,5 milhões de beneficiários e 2021 com 48,9 milhões.
  2. Além dos três meses “em branco” em relação às despesas médicas para completar o ano de 2021, existem retificações do número de vidas que geralmente são feitas de forma retroativa. O Brasil fechou o terceiro trimestre de 2021 com 48.546.563 de beneficiários de planos de saúde – 1,5 milhão a mais que no mesmo período de 2020. Mas, como dissemos, o número pode mudar para cima ou para baixo, impactando no cálculo da VCMH.
  3. O último fator para considerar é o “tempo de exposição”. Ou seja: o tempo de contribuição de cada beneficiário ao decorrer do ano. Em um universo de 48 milhões de pessoas que terminaram setembro de 2021 com algum plano de saúde ou 48,9 milhões em dezembro de 2021, o período de contribuição com receita e despesa de cada beneficiário foi distinto e menor que 12 meses. Contribuições com pesos diferentes. E isso também conta no resultado final.

Não podemos perder de vista que o impacto do índice oficial da ANS tem a ver apenas com os planos individuais como já dissemos. Para todo o restante segue a regra da livre negociação, ainda que a expectativa de solicitação inicial seja alta, pois a lógica da VCMH de cada operadora tem a mesma lógica do que falamos aqui sobre o VCMH do Brasil. Vale ressaltar que a VCMH da operadora vale tanto quanto a realidade distinta de cada contrato coletivo negociado. Quanto maior o número de vidas de uma determinada empresa estipulante de plano de saúde, mais verdadeira essa afirmação.

Muitas dúvidas, uma certeza

Para concluir, diríamos que por agora temos uma certeza: em qualquer cenário, o índice de reajuste a partir de meados de julho será de fato elevado nos contratos coletivos. Com os ingredientes adicionais de ano eleitoral,  previsão de baixo crescimento econômico, projetos de lei importantes que afetam os planos de saúde que podem ser tramitados e julgamentos sobre a interpretação do rol de procedimentos às portas de ser julgado pelo Supremo.

Para os contratantes de plano de saúde, recomendamos que apertem os cintos. E se preparem para a turbulência – mas não se esqueçam que conhecer o VCMH da sua operadora não é mais importante do que conhecer o seu próprio índice.