Embora tenha sido fugaz, a recente notícia de que o Dr. Henrique Prata, presidente do renomado Hospital do Amor (antigo Hospital de Câncer de Barretos), teria encaminhado carta ao presidente eleito Jair Messias Bolsonaro, recomendando o fim do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do SUS (Proadi-SUS), me deixou bastante pensativo. Segundo matéria divulgada no site do Estadão, na visão do Dr. Prata, “iniciativas como essa representam uma afronta aos brasileiros que estão nas filas dos hospitais públicos.” Confesso que me surpreendi com a referida afirmação. Fiquei sem entender. Afinal, salve engano, a referida parceria público-privada na saúde brasileira, tendo de um lado o Sistema Único de Saúde e de outro determinados hospitais filantrópicos privados, parece estar longe de ser um tema a ser eliminado. A meu ver estaria no espectro oposto, o de ser ampliado e continuamente aprimorado.
Contextualizando o tema em questão, segundo o portal do referido programa, trata-se de “uma iniciativa do Ministério da Saúde na qual hospitais de reconhecida excelência desenvolvem projetos de educação, pesquisa, avaliação de tecnologias, gestão e assistência especializada voltados ao fortalecimento e à qualificação do SUS em todo o Brasil.” Seu financiamento se dá com os recursos da isenção fiscal (Cofins e cota patronal do INSS), concedidos a um grupo de hospitais filantrópicos reconhecidos como de excelência pelo próprio Ministério da Saúde.
Cabe destacar que os projetos aprovados pelo Proadi-SUS nascem, em primeiro lugar, das necessidades do SUS. A partir daí uma vez identificada a respectiva expertise, definem-se os projetos a serem executados pelos hospitais de excelência visando a qualificação e desenvolvimento do SUS. Respaldado pela Lei 12.101, de novembro de 2009, e posteriormente pelo Decreto 8.242, de maio de 2014, e a portaria 3.362,,,,, de dezembro de 2017, participam do programa os seguintes hospitais de excelência: Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP), Hospital do Coração (SP), Hospital Israelita Albert Einstein (SP), Hospital Moinhos de Vento (RS) e Hospital Sírio Libanês (SP).
Até o presente momento já foram executados, dentro de triênios específicos iniciados em 2009, mais de 340 projetos, sendo que 30% dos recursos provenientes do Proadi-SUS são destinados a projetos assistenciais que naturalmente têm relação com a própria expertise assistencial destes hospitais. Segundo portal do programa “para o período 2018 e 2020, foram reservados R$ 2,2 bilhões em isenções fiscais para projetos do Proadi. Até o momento, de acordo com o Ministério da Saúde, estão em execução 112 propostas nos cinco hospitais. Esse conjunto totaliza, no momento, R$ 1,5 bilhão em isenção fiscal. Há, ainda, outras 53 propostas em avaliação.”
Entendo que parcerias público-privadas existem no Brasil desde a fundação da primeira Santa Casa de Santos (1543), há exatos 475 anos, ou seja, relativamente pouco tempo após o descobrimento do Brasil. Afinal, do ponto de vista conceitual estamos falando de instituições privadas munidas de nobre espírito público voltadas para o atendimento a enfermos.
Em seguida vieram as Santas Casas de Salvador (1549), Rio de Janeiro (1567), São Paulo (1599) e João Pessoa (1602), entre outras. Segundo site da Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicos (CMB), das Santas Casas, “derivaram outras entidades similares, como as Beneficências Portuguesas, Hospitais Filantrópicos das comunidades Judaica, Japonesa, Sírio-Libanesa, totalizando, até os dias atuais, cerca de 2.100 estabelecimentos de saúde espalhados por todo o território brasileiro.” Como se vê, muitas ou talvez até a totalidade das instituições que fazem parte do Proadi-SUS assim como outras tantas que não fazem, têm seu surgimento e posteriormente sua longa, inquestionável e louvável história, dedicada ao cuidado com o próximo.
Portanto, causa-me espanto a afirmação do Dr. Prata, de que que deve haver “uma diferenciação no tratamento de instituições que de fato são filantrópicas e de outras que, em sua análise, apenas buscam certificações com o objetivo de ter benefícios tributários.” Além de desrespeitar as origens e os nobres motivos históricos da fundação destas instituições, hoje reconhecidas como de excelência, ignora os projetos e resultados obtidos pelo recente Proadi-SUS e aprovados pelo Ministério da Saúde.
Do ponto de vista fiscal é importante fazer um esclarecimento. Pela forma como muitas vezes se aborda o tema, leva-se o leitor a crer que há uma desobrigação em termos financeiros, o que não é verdade. Afinal, estas instituições, assim como todas as demais de caráter filantrópico legalmente reconhecidas como tal, são obrigadas a alocar em projetos específicos, exatamente o montante que teriam que pagar de impostos caso tivessem fins lucrativos. A diferença no caso dos hospitais de excelência é de que esta alocação se dá em projetos que não necessariamente são assistenciais, mas que, com certeza, estão relacionados a necessidades do SUS.
Que fique bem claro que o Proadi-SUS, pelo seu curto tempo de vida, sempre pode melhorar. Segundo o próprio Ministério da Saúde, “o programa está em reformulação desde 2016. De acordo com o ministério, o objetivo é qualificar os projetos para que eles passem a atender as necessidades dos gestores locais. A ideia é também que os projetos tenham metas objetivas para o retorno da aplicação.”
A meu ver, o projeto deve incluir ainda a aplicação de conceitos que têm sido discutidos pela Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), entidade da qual todos os hospitais de excelência inclusive fazem parte. Entre estes conceitos alinhados com a sustentabilidade de sistemas de saúde está aquele de saúde baseada em valor. Resumidamente, segundo matéria de novembro de 2017 do próprio site da Anahp, “na essência da medicina baseada em valor (VBHC), devem estar desfechos claros e mensuráveis, que permitam modelos de negócios estruturados, com cortes específicos para que ações possam ser facilmente ligadas aos resultados.” Os projetos futuros do Proadi-SUS, a meu ver, devem ter sua aprovação necessariamente atrelada ao preenchimento desta premissa.
Voltando à fala do Dr. Prata a respeito do Proadi-SUS, segundo o mesmo há uma competição desigual entre instituições como o Hospital de Amor, que ele dirige, e os hospitais de excelência do Proadi-SUS, na medida em que sua instituição e outras tantas “integram um grupo de hospitais que apresentam alto porcentual de atendimento de pacientes do SUS e, por isso, já convivem com grandes dificuldades de custeio.”
Concluindo, eu me pergunto, inclusive por sua reconhecida dedicação à saúde brasileira assim como pela admirável reputação da instituição que dirige, se o Dr. Prata não teria se equivocado em sua estratégia. Afinal, melhor do que eliminar um exemplo exitoso de parceria público-privado na saúde brasileira, ele deveria direcionar seus esforços para ingressar neste referido programa que tanto contribui para as necessidades assistenciais e de outras áreas do SUS. Parece-me que o caminho técnico de adesão faz mais sentido para o bem da população brasileira do que o caminho político de exclusão.