Arquitetos da Saúde

Planos de saúde: A vitória de Pirro da Justiça Federal de São Paulo

Ainda que de caráter provisório, a decisão da Justiça Federal de São Paulo atendendo um pedido do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), limitando o reajuste máximo de planos individuais em 5,72%, é extremamente preocupante por uma série de motivos.

Em primeiro lugar, não cabe à Justiça Federal e muito menos ao IDEC definir índices de reajuste do que quer que seja.  O que está sendo proposto agora seria o mesmo que interferir em produtos e serviços essenciais como alimentos e mensalidade escolares, algo que claramente não o fazem.  E não o fazem porque não faz sentido.

A metodologia de reajuste de planos individuais que, por definição cabe à Agencia Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pode e deve sim ser rediscutida, mas até que isto seja feito não cabe a interferência daqueles que não têm legitimidade para tal. Fica aqui a ressalva de que também não concordo com as premissas utilizadas, mas a sua alteração não pode ser feita de forma infundada e marqueteira. De fato, o órgão regulador precisa encontrar um caminho técnico, com incentivos que reconheçam e recompensem aqueles que cuidam da saúde e não apenas da doença, de forma que o reajuste resultante nas mensalidades não reflita apenas o repasse na veia de aumento de custos (neles embutidos ineficiências e desperdícios).

A decisão em questão desrespeita ainda o comportamento de custos da cadeia de saúde suplementar, bem como a prevalência das deliberações técnicas, na medida em que o compara à inflação oficial do setor de saúde e cuidados pessoais divulgados pelo IBGE para o período de maio de 2017 a abril de 2018. São cestas distintas com comportamento distintos. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.

Além de inconsistente do ponto de vista técnico chama atenção a pressa do IDEC em se antecipar a algo que sequer foi divulgado. Parece posar de defensor de planos individuais e acaba dando um tiro pela culatra na medida em que ainda exclui todos os potenciais consumidores deste tipo de plano, uma vez que o desequilíbrio econômico causado por medidas como esta, leva à contínua suspensão de vendas. E mais, os que ousarem comercializar planos individuais vão oferecer produtos de pior qualidade e altamente restritivos para dar conta do custo. Quem ganha com isto? Ou seja, por hora o IDEC obteve uma vitória de Pirro.

Brilhante advogado e meu braço direito estratégico na época em que presidia uma entidade de classe patronal de saúde no Rio de Janeiro, Sérgio Coelho sempre nos lembrava que não existe mercado sem consumidor e consumidor sem mercado.  Nesta mesma linha, o presidente do Sindicato Estadual de Estabelecimento de Serviços de Saúde do Rio de Janeiro, Erivan, com quem eu mantinha relação respeitosa e cordial, me dizia: “meu filho, o capital e o trabalho caminham juntos. Precisamos preservar ambos.” Esta é a tônica que deve pautar as ações numa cadeia complexa como a de saúde suplementar.

Em suma, num contexto de dificuldades reais e necessidade de mudanças estruturais prementes na saúde suplementar, há que se ter respeito, diálogo e conhecimento técnico na construção de soluções sistêmicas e sustentáveis que respeitem premissas técnicas e incentivem boas práticas.

Dada ainda a complexidade da cadeia de saúde, as relações são didáticas e um não existe sem o outro. Portanto, não vejo sentido em ações como esta, de entidades ou institutos representativos que também desconsiderem esta particularidade. Se enfrentamos as mazelas que temos hoje, em parte esta se deve à falta de visão do impacto ou dano de médio a longo prazo sobre o todo, a partir de decisões individuais de curto prazo.

Já passou a hora, por mais ingênuo que isto possa parecer para muitos, de entidades representarem a parte boa de toda a cadeia de saúde ao invés de se aterem exclusivamente ao todo da parte. A cartilha de direitos desacompanhada da cartilha de obrigações não fica em pé e não representa de fato os interessados. Para defender o certo deve-se em primeiro lugar colocar o dedo no que está errado na sua área de atuação. Muitas entidades parecem não entender que se legitimam quando agem com esta postura e se desacreditam quando agem de forma estritamente corporativista. Faço profundas críticas a todos os elos da cadeia de saúde que parecem não entender que estão fadados à morte caso não revejam suas estratégias e aqui incluo as operadoras de planos de saúde às quais tenho inúmeras críticas.

Atitudes politiqueiras como tantas que temos visto na saúde suplementar, precisam ser substituídas por políticas efetivas de saúde. O contrário já se mostrou ineficaz. Atropelar o órgão regulador, sem legitimidade técnica, pautado por premissas equivocadas, equivale a tudo menos à defesa do consumidor no longo prazo. É grave a intervenção do judiciário em matéria técnica desacreditando a regulação e gerando brutal insegurança jurídica. Decisões como esta em nada contribuem para a perpetuação de planos individuais. Muito pelo contrário, podem representar o desligar dos aparelhos deste “paciente” que já se encontra enfermo.