Arquitetos da Saúde

O pós-pagamento como ponto de convergência para grandes empresas

Recentemente a Sabesp anunciou uma proposta de remodelagem de seu plano de saúde que ainda será submetida a consulta pública e análise dos envolvidos. Atualmente o modelo é de autogestão, mas a Sabesp considera a migração para pós pagamento. Partindo do extremo oposto, há quase três anos estimulei, orientei e apoiei, pelos mesmos motivos, este mesmo movimento para importantes hospitais de São Paulo tais como Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Sírio Libanês e Hospital do Coração, dentre outros.Na verdade, foram mais de 200 mil vidas em mais de 15 empresas, dos mais diversos segmentos além do hospitalar, como alimentos, indústria, serviços e tecnologia.

Não posso falar por todas as instituições com as quais me envolvi diretamente nesta mudança, mas posso dizer que sempre que as ouço elas manifestam que estão satisfeitas sobre diversas óticas (assistenciais, de satisfação e também de custos) e não cogitam retroceder neste movimento.  Mas a pergunta que não quer calar é o que tem levado empresas (independente de serem da área da saúde) a caminhar na direção do pós-pagamento?

Os motivos são vários. Em primeiro lugar, simplesmente porque não suportavam mais repasses de ineficiências e desperdícios aos reajustes anuais do plano de saúde de seus colaboradores. Ou seja, na prática o risco já era deles, algo que ficava mascarado pela sensação de proteção que a previsibilidade de pagamentos mensais e regulares trazia. Em segundo lugar, estamos falando de empresas que têm acima de um determinado número de vidas (ainda que possa existir certa polêmica quanto ao número mínimo ideal) e, portanto, têm condições de assumir o risco de seu sinistro considerando-se que o mesmo se dilui em função do número considerável de vidas. Em terceiro lugar, e mais importante, entenderam que, se queriam mudar o quadro de aumentos galopantes de custos, era mais que hora de assumir a responsabilidade pela efetiva gestão de saúde de sua população. Portanto, compreenderam que o seu papel transcendia o mero pagamento de um boleto mensal milionário passando a envolver a estruturação de uma área específica para este fim com apoio de tecnologia da informação para o correto diagnóstico e identificação de oportunidades de melhoria constantes. Em quarto lugar, entenderam que fazia sentido escolher uma das grandes operadoras que trabalham com este modelo para, após validação criteriosa e técnica, se utilizar de maior poder de negociação e experiência de regulação das mesmas entre outros fatores decisivos. Em quinto lugar (entre tantos outros mais) ao migrar para o pós-pagamento, após período de aprendizado e conhecimento profundo do comportamento de sua população assim como orientação quanto à correta utilização do plano de saúde, pode-se solicitar o registro de um produto específico na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), criando assim algo personalizado e alinhado com suas necessidades, expurgando prestadores considerados ofensores de custos e qualidade.

Mas e no caso da Sabesp (e inúmeras outras auto-gestões, públicas ou privadas, que já fizeram ou acredito que farão este mesmo caminho em direção do pós-pagamento), o que motiva para esta mudança? Vários dos mesmos motivos que estimularam as empresas que estavam em pré-pagamento a fazer este mesmo movimento. Em primeiro lugar, o reajuste desenfreado causado pelo aumento de custos na mesma escalada de crescimento. Segundo a empresa, o plano gerava déficits mensais insustentáveis. Em segundo lugar, a possiblidade de se beneficiar de melhores condições de negociação junto à rede de prestadores de serviços médico-hospitalares já que uma grande operadora deve fazer isto melhor que eles por causa do tamanho de sua carteira. Não conheço detalhes do plano da Sabesp, mas acredito que alguns outros fatores comuns e necessários à sustentabilidade de planos de empresas semelhantes também tenha motivado esta mudança. Incluo aqui a necessidade de adequar as coberturas e políticas às melhores práticas de mercado. Muito provavelmente a enorme redução de custos regulatórios e de estrutura de uma auto-gestão, comparativamente a planos de pós pagamento onde se paga uma taxa mensal por beneficiário deve ter tido peso importante. Por fim, a necessidade de melhores práticas de gestão de benefícios que podem ser obtidas junto a parceiros já consolidados de mercado.

A meu ver, independente do ponto de partida, o modelo de pós pagamento é o ponto de convergência ideal para empresas acima de um determinado número de vidas. Mas se isto faz sentido por diversos motivos, onde se encontram as barreiras de grandes empresas em pré-pagamento ou em auto-gestão? Em primeiro lugar, o desconhecimento sobre como funciona um plano de pós pagamento. Recordo-me de uma situação que vivi que reflete bem isto. Após o vice-presidente de uma grande empresa de serviços ter concordado com a possibilidade de migração de pré para pós pagamento baseado em estudos técnicos e atuariais, a sua gestora de RH criava dificuldades, pois entendia que teria muito trabalho à frente incluindo a estruturação de uma enorme equipe administrativa para atender esta demanda. Claramente confundia pós pagamento com autogestão. Ao fim, infelizmente, o executivo que patrocinava a ideia deixou a empresa e tudo continuou como antes.

No caso de grandes empresas em pré-pagamento, uma das principais barreiras é o corretor de planos de saúde. Contextualizo este ponto com a recordação de um almoço ocorrido há uns três ou quatro anos com um ressegurador internacional. Falávamos sobre modelos de risco e ele me perguntava por que eu defendia pós pagamento para grandes empresas quando todos os outros corretores com os quais conversava falavam justamente o contrário.

Bem, além da imensa maioria não ter expertise neste processo, preferem continuar bebendo da fonte (esgotável embora muitos não acreditem) de agenciamentos e grandes comissões desalinhadas da percepção de valor que efetivamente geram para boa parte dos clientes na gestão de seus benefícios. Por que abrir mão disto? Por que despertar nas empresas algo que, do ponto de vista técnico, seria melhor para a sustentabilidade do plano de saúde deles e estaria isento do conflito de interesse de quanto maior o reajuste maior a receita?  Pensando bem, muitas empresas têm os parceiros que merecem.

Já no caso das auto-gestões, não tenho propriedade sobre o assunto, mas imagino que os motivos são semelhantes àqueles que presenciei em uma grande empresa que havia sido privatizada, desmontando tempos depois a sua auto-gestão. Aqui a principal barreira talvez seja política. Colaboradores sentem-se órfãos de uma época em que a mãe estatal pagava por tudo sem controles e sem restrições. Recordo-me que para mudar uma vírgula na política de benefícios da referida empresa se faziam necessários inúmeros estudos seguidos de reuniões com representantes dos sindicatos dos empregados. De fato, estavam na mesa propostas técnicas que iam impactar a vida dos colaboradores. Mas ao mesmo tempo era triste ver o quanto a empresa muitas vezes titubeava diante da ameaça de, ao nada ou pouco fazer, colocar em risco, não só a sustentabilidade do benefício, mas da própria empresa. Tenho dito que a crise pelo qual o país passa tem trazido enormes oportunidades de pararmos, refletirmos e buscarmos novos caminhos. Este é o lado pedagógico da crise. As mentes se abrem, os preconceitos se esvaziam, o horizonte se ilumina e as respostas surgem. Não se iluda!  No caso de grandes empresas, públicas ou privadas, o pós-pagamento veio para ficar e contribuir, conjuntamente com a efetiva gestão por parte da empresa e corresponsabilidade de seus colaboradores, para a sustentabilidade do benefício saúde.