Sistema privado de saúde teve quase um milhão de novos beneficiários em 2020
Desde o seu início, a pandemia trouxe para o setor de saúde como um todo uma grande expectativa e, nos planos de saúde, grandes efeitos sobre a sinistralidade e a VCMH em 2020. O primeiro grande impacto foi o represamento de despesas médicas e o segundo a saída de 384.605 beneficiários do sistema de saúde suplementar até o mês de setembro do ano passado. A partir daí ocorreu uma recuperação e um forte crescimento do setor, compondo um saldo de 47.564.363 beneficiários, segundo a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Um aumento surpreendente, conforme pode ser verificado no quadro abaixo:
O que impressiona é o fato de que, em 2020, para ter ocorrido uma perda tão grande, seguida de uma recuperação maior ainda, foram necessários 909.240 beneficiários novos! Basta somar os números positivos da coluna Variação de Beneficiários, já que essa coluna representa os entrantes ou saintes de cada trimestre. Em plena crise econômica e alta do desemprego, surpreendente muito. Com certeza essa recuperação e crescimento foi possível em parte pelo medo da pandemia e a crença de que ter um plano de saúde naquele momento significava uma proteção maior em relação à Covid-19. Ainda que boa parte desses entrantes tenham aderido sob a condição de aplicação de carência e cobertura parcial temporária para doenças e lesões pré-existentes.
No contexto da VCMH mais especificamente, a Arquitetos da Saúde tem divulgado seu cálculo de variação de custos médico-hospitalares desde 2019 considerando sempre 100% dos beneficiários inscritos e expostos com ou sem utilização médica.
É possível analisar abaixo os nossos índices históricos calculados conforme dados públicos da ANS:
Série histórica da VCMH-Brasil por demanda e custo
NOTA: publicação completa disponível no site https://arquitetosdasaude.com.br/apresentacoes/vcmh-do-brasil/
Para se ter uma ideia da complexidade desse cálculo, uma questão recorrente é quanto ao tempo de exposição. Ora, se uma pessoa entra no plano médico em janeiro, ela contribuiu com 12 meses de receita, podendo ter gastado com utilização médica também nos 12 meses do ano. Mas como nem todo mundo utiliza o plano todos os meses, chamamos este período de “exposição”, ou seja, não gastou necessariamente apesar de poder tê-lo feito. Assim, uma pessoa que entrou em março tem exposição igual a 10 meses no ano se contarmos o próprio mês do seu ingresso. Se uma pessoa entrou em janeiro e saiu em junho, ela teve uma exposição igual a seis meses e assim por diante.
Neste sentido, em 2020, ainda que preliminarmente enquanto a ANS não divulgar o fechamento oficial do número de beneficiários de dezembro/2020 (edição março/2021 aguardada do seu Caderno de Informação da Saúde Suplementar), temos uma exposição média inferida em 11,89 meses. Uma exposição que em tese permaneceu quase plena, ou seja, próxima a 12 meses do ano, pois o “estoque” de beneficiários que vieram de 2019 e permaneceram representa algo próximo a 98% e as perdas durante o ano de 2020 foram repostas e superadas.
NOTAS: Movimentação cadastral ANS base: graf 2 do caderno de informações da saúde suplementar + sala de situação em fevereiro 2021 para o dado de dez/2020. Enquanto a ANS não divulgar o fechamento oficial do número de beneficiários de dezembro/2020 (edição março/2021 aguardada do seu Caderno de Informação da Saúde Suplementar).
A não ser que os dados consolidados de dezembro/20 a serem divulgados pela ANS apresentem grande variação, a pandemia não afetou sensivelmente o tempo médio de exposição. Historicamente o estoque (base mínima de beneficiários no início do período) é sempre estável, mesmo com toda a oscilação acima ou abaixo do número inicial, pois o que permanece no sistema é relativamente constante e próximo a 47 milhões de beneficiários há vários anos.
De toda forma devemos aguardar o número consolidado de dezembro/2020 para considerações definitivas, pois a dificuldade de se estabilizar o número de beneficiários divulgado pela Agência é sistêmica. Sempre são feitas correções retroativas a cada nova versão do Caderno de Informação da Saúde Suplementar.
A Arquitetos da Saúde tem avaliado todas as edições do Caderno desde 2011 para analisar o tamanho dessas retificações. Para dar um exemplo, nas versões dos Cadernos publicados entre março/19 e junho/20 o número de beneficiários, em dezembro/18, teve retificações que geraram uma diferença de 46 a 219 mil beneficiários, como pode ser visto gráfico abaixo:
Levando em conta o contexto de 2020 e nossa estimativa do tempo de exposição já apresentada aqui, o próximo passo é sobre o cálculo preliminar da VCMH de 2020, pois até agora só foi possível estimar com base em dados acumulados até o terceiro trimestre do ano passado.
NOTA: print da sala de situação da ANS disponível em https://ans.gov.br/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/sala-de-situacao
Considerando os dados preliminares demonstrados pela ANS, nossa análise e compilação se traduzem em dois cenários para a VCMH. O primeiro leva em conta as despesas assistenciais acumuladas até o terceiro trimestre de 2020 versus 2019. Um tempo de exposição de 8,976 meses de janeiro a setembro de 2020, e o número de vidas, conforme o Caderno de Informação da Saúde Suplementar (edição de dezembro/20):
Cenário1
O segundo considera os mesmos períodos, mas apenas com as informações da Sala de Situação que tem um número muito maior de beneficiários até setembro/20 e um ajuste no tempo de exposição para 8,91 meses de janeiro a setembro:
Cenário2
Em ambos os casos a VCMH é negativa e, com certeza, gerará uma série de impactos políticos e técnicos se não houver nenhum número retificado pela ANS entre aqueles que já foram divulgados.
Para complemento e detalhamento dos impactos de uma VCMH negativa em 2020 sugiro a leitura do meu artigo publicado em https://arquitetosdasaude.com.br/bonanca-ou-tempestade-perfeita/
Vejamos, por fim, a evolução histórica da VCMH-Brasil segundo cálculo exclusivo feito pela Arquitetos da Saúde:
De todas as formas, mesmo diante de quaisquer eventuais retificações retroativas dos dados a serem divulgados pela ANS, não existe grande potencial para alteração do índice negativo da VCMH-Brasil em 2020, que ocorre, pela primeira vez, em toda a sua série histórica.
O impacto histórico deixado pela pandemia do novo coronavírus, com certeza, afetará em algum grau o índice médio de reajustes dos planos coletivos, ainda que a data base do VCMH das operadoras que servirão de base para o reajuste de 2021 não considere necessariamente o período de janeiro a dezembro de 2020. É mais previsível, pela experiência passada, o uso de um período “quebrado” como, por exemplo, de junho/20 a maio/21. Além de uma realidade distinta em cada carteira ou contrato coletivo, não há uma regra fixa de data base das operadoras para divulgação da sua VCMH e muito menos o detalhamento da variação de cada uma delas.