Arquitetos da Saúde

O gestor, a visão da empresa e a relação com a gestão do plano de saúde

Na gestão de plano de saúde coletivo, uma das ferramentas mais importantes que o gestor pode dispor é o redesenho das políticas do plano. Na verdade, muito se pode resolver através de uma política de benefícios alinhada aos valores da organização. Muitas vezes esta política não vai ao encontro das regras do plano de saúde ou das decisões que as empresas tomam. Uma das primeiras necessidades, portanto, é que o gestor identifique a postura da sua organização entre o discurso e a prática quanto ao plano de saúde.

Em nossos anos de experiência atendendo as empresas sobre a gestão do plano médico, posso citar alguns modelos mais comuns dentre várias possibilidades de posturas da empresa:

  1. A obrigação sindical: existem empresas que dão plano de saúde por uma questão de mera obrigação sindical. Em geral você é cobrado apenas em relação ao menor preço? Talvez investir em programas de prevenção frustre a direção da empresa quanto ao que ela entende por resultado na gestão do plano médico. Uma empresa de baixos salários, alto turnover e pouco investimento em treinamento pode se dar ao luxo de pensar diferente? Nem sempre a mudança de visão é possível, pois também tem a ver com o modelo de negócio da empresa.
  2. A gestão de custos: Uma empresa pode olhar o benefício apenas como mais um custo a ser gerido, ou seja, o plano de saúde está no mesmo patamar de outros benefícios obrigatórios como, por exemplo, o vale transporte. Neste ambiente ninguém leva a sério questões de gestão da saúde. O plano é dado porque está no acordo coletivo de trabalho ou por mero benchmarking. Este perfil de empresa até diz se importar com a gestão do plano médico, mas costuma não ter muita paciência ou repete os erros anteriores de gestão ou de tentativas frustradas. Por exemplo, já retirou todo o subsídio para os dependentes ou após fazer uma transição ao pós-pagamento, volta ao pré-pagamento porque “se convenceu” de que a gestão do custo não tem jeito, ou porque encontrou uma operadora de baixo custo sem considerar as diferenças de acesso do novo plano.
  3. Um benefício a ser mantido: Este tipo de empresa até já tem uma visão de que o plano de saúde é um benefício positivo e importante ao colaborador e ele tem que ser mantido, mas não se tem uma visão estratégica a respeito. Às vezes o básico operacional bem feito pela corretora já é dado como suficiente ou, “se não está fazendo barulho, então está bom”. Ainda que a sinistralidade esteja alta, a empresa se conforma de certa forma com o cenário porque ela ainda consegue absorver o custo. Podemos citar empresas de prestação de serviço com alta remuneração dos colaboradores. Quando o resultado da companhia aperta é difícil reeducar os colaboradores ou fazer qualquer redução do padrão do plano de saúde. Essas empresas por anos deram o melhor que podiam sem muita distinção, altos tetos de reembolso, acomodação apartamento para 100% dos colaboradores, nunca teve coparticipação, a contribuição era baixa ou não existia e a rede médica era a melhor da região. A gestão passa por aculturar novamente os colaboradores e não é tarefa fácil ou rápida.
  4. O plano como fator de retenção de talentos: com uma visão mais estratégica do plano de saúde, algumas empresas veem no benefício uma forma de manter os seus colaboradores, sobretudo os mais talentosos que estariam mais “blindados” dos convites da concorrência. Obviamente que isto acontece num ambiente mais competitivo e quanto mais especializada a mão-de-obra ou quanto mais alto o investimento no treinamento e capacitação do colaborador. Neste sentido, o plano de saúde pode ser considerado “mais barato” se os investimentos em ações no plano médico diminuírem o turnover. Neste tipo de ambiente o discurso de gestão é mais bem-vindo e o investimento em ações fora da operadora são mais possíveis.
  5. O benefício estratégico: quando o plano de saúde está alinhado aos valores da companhia, as empresas obviamente têm mais expectativa sobre ele e mais preocupações a respeito de sua gestão não só quanto aos aspectos financeiros, mas também quanto aos aspectos técnicos e no impacto na qualidade de vida que efetivamente o plano médico tem sobre as pessoas. O que deveria preocupar o gestor de benefícios em qualquer contexto é quando sua empresa quer redução de custo sem fazer investimentos. Existem muitas empresas que ainda entendem que gestão do plano médico é obrigação da corretora ou da operadora. Afinal existe no prêmio pago mensalmente até 5% de remuneração vitalícia. Para que orçar ações de gestão do plano médico se alguém já recebe para isto? A questão é se o seu corretor ou operadora pensam da mesma forma. Em pesquisa recente desenvolvida pela Arquitetos da Saúde, 55% das empresas não cobram um SLA dos seus corretores e 57% não cobram este compromisso de entrega das suas operadoras. Se sua empresa é assim, ela provavelmente não enxerga o plano de saúde como totalmente estratégico. Mas se o perfil confere com o descrito neste tópico, talvez sua empresa já esteja em pós-pagamento, já tenha um SLA muito bem definido para a operadora, a remuneração do corretor seja paga diretamente pela empresa e esteja desatrelada de um percentual do prêmio e do alto índice de reajuste e tenha um orçamento para várias ações de gestão do plano médico.

O fato é que muitas vezes uma empresa não tem uma única visão internamente. Dentro de uma mesma organização o RH pode ver o plano de saúde como um fator de retenção de talentos, enquanto o CFO vê o plano de saúde apenas como um custo a ser gerido.

O importante para o gestor é buscar qual é a essência da organização, porque se as ações do gestor estiverem desalinhadas com o que a empresa acredita, seu plano pode estar fadado ao fracasso. Cabe ao gestor compreender essa visão corporativa e adaptar as soluções de maneira alinhada à organização, ajustando uma melhor visão a cada conquista ou resultado com o plano médico.

Um gestor de benefícios na vanguarda dos conceitos de gestão do plano médico se preocupa em buscar ferramentas que o auxiliem efetivamente a controlar o custo de saúde, tem uma visão mais arrojada quanto às formas de exigir entrega por parte do corretor e/ou da operadoras  e pensa em deixar um legado sustentável na organização em relação ao plano de saúde. Afinal, em algumas empresas o plano de saúde é tão importante que faz parte da história da organização (exemplo em autogestões), então perder qualidade ou correr o risco de descontinuidade deste benefício seria destruir um legado. Algo que ninguém quer no seu currículo.

Todas estas visões e comportamentos das empresas não tratam de uma questão de certo ou errado, mas às vezes de cultura organizacional. Eu já presenciei diretor comercial enfrentar o CEO em reunião de diretoria porque a proposta era de uma revisão da rede médica e ele entendia que não era possível “vender” qualquer mudança no plano de saúde para a sua equipe e mantê-la motiva ainda que não houvesse uma análise objetiva para a sua resistência. Apesar dos desafios, é obrigação do gestor identificar e entender a motivação pela qual a empresa contratou plano de saúde aos seus colaboradores e alertá-la caso a política de benefícios esteja desalinhada da missão escrita e comunicada aos colaboradores e sociedade. Talvez este seja um caminho mais efetivo para acertarmos o ritmo internamente na gestão do plano médico.